domingo, 4 de janeiro de 2009

 

UMA QUESTÃO DE PESO


Foi por pouco... Na segunda tentativa, o alvo foi mais ligeiro. A distância do alvo, claro, era considerável. E o peso, ou melhor, a massa do objeto era significativa.

Faltou ao arremessador uma melhor previsão de todos os elementos envolvidos nessa verdadeira “bomba” lançada naquele circo montado. Todos ali, perfeitas marionetes, reunidas, fazendo de conta que estavam a cuidar dos interesses coletivos. Os discursos, podem crer, eram de peso. Repetiam, à exaustão, a mesma cantilena mentirosa, visando aos interesses de castas que não precisam estar presentes. Aliás, nunca aparecem. Mas as marionetes a serviço estavam todas ali. O embuste, a desfaçatez, meus caros, perpetuam-se. As doses é que variam, bem como seu peso ao longo dos séculos.

Voltemos, por instantes, ao objeto arremessado, símbolo ofensivo dos mais significativos. Convenhamos que o arremessador poderia ter escolhido um objeto um pouco menor, com menos massa, com a metade mais ou menos, algo tipo 150 gramas. Seria a vez de a mulher mostrar a sua força, pelo menos para isso... Mas diante de sua condição naquela sociedade, acho até que seria menos ofensivo do que o representante masculino que, claro, deve ter mais valor. Com certeza, o peso ofensivo deve ser maior, sendo um “pisante” masculino.

Quanto ao alvo, considerando sua passagem, na adolescência, pelo Texas, mostrou-se à altura dos velhos heróis do faroeste americano. Sem arma, foi rápido, contando com a sorte, é claro, pois ali os efeitos especiais do cinema não estavam presentes. Mas, de qualquer maneira, desempenhou bem o papel: na tribuna, com um discurso de peso, e ao se esgueirar, com meneios rápidos de corpo.

Os detalhes não foram, previamente, estudados. Portanto, frustrou-se o objetivo final. Frustrou-se?

O gesto permanecerá. O significado, também. A ofensa não será esquecida. Nunca se saberá a real extensão dos desdobramentos para o arremessador. Nem, tampouco, a verdade embutida no gesto. Tudo foi e continua sendo uma questão de peso, na acepção da palavra.

Quanto às castas, continuam rindo à socapa...

Aliás, essas duas últimas expressões datam dos séculos XV e XVI, respectivamente.

Como se pode observar: tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.
Outra expressão cunhada nos séculos XVII e XVIII.

Ou, porque não dizer: mudam as moscas...





assista ao ataque:

e ao contra-ataque:








segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O PEDIDO DE VALENTE












Quando Valente dobrou a esquina daquela rua, que conhecia de nome, já sabia o que o aguardava. Meses a fio ouvira aquela conversa. Agora era pra valer! Parece que a coisa se tornara moda. 

O que o assustava é que, se as coisas continuassem assim, perderia até sua principal característica: seu faro. Com certeza, ele iria perder-se em meio a tantos cheiros desconhecidos. Teria que se exercitar, que aprender os novos aromas que se anunciavam. 

Valente avançava, cabisbaixo, rua acima. Nada mais seria como antes. Perderia a espontaneidade pra tudo. Ficaria embaraçado frente a uma parceira. E se ela também adotasse a mesma moda? Até que pra ela era compreensível tal revolução estética. 

Valente, definitivamente, não se conformava com tais modismos. Na verdade, as coisas deviam ficar como sempre tinham sido. Tudo bem definido: cheiros, cores, o visual de cada um no original, de nascença. 

E quando tivesse que levantar a perna? Será que teria alguma mudança? E quando estivesse a fim..., como identificaria a sua cara-metade “da hora”? Será que conseguiria definir o cheiro do prazer, em meio a tantos outros cheiros? Isso, decididamente, não ia dar certo. Ia acabar se confundindo. E daí? Babaus... Ia ser um salve-se quem puder! Por que tinham que inventar tais coisas? 

Enquanto se preparava para o sacrifício, ia meditando sobre os velhos e bons tempos. 

Que saudade daquele quintal, lá no bairro Petrópolis, em que vagava por entre as árvores, tendo sempre ao lado Isadora, sua companheira. Sabia perfeitamente quando ela estava “naqueles dias”. E “aqueles” eram os melhores dias de sua vida. Tudo seguindo o seu curso natural. Nada de inovações. Tudo previsto e instintivamente perseguido. 

Mas aí... Dona Gertrudes, sempre tão carinhosa, um dia, resolveu entregá-lo à Beatriz, sua irmã, que o levou para morar com ela. Sabe onde? Num apartamento. A coisa mais horrorosa! Tinha sido levado para fazer-lhe companhia, pois ela enviuvara há pouco. Desse dia em diante, sua vida começou a mudar. E, para pior. Agora, porém, chegara ao fundo do poço. Sentia que, qualquer dia, acabaria virando Valentina. Com esses pensamentos sombrios, adentrou, a contragosto, na tal casa. Sentia que ali começaria sua derrocada como espécie. 

Uma voz suave convidou-o a entrar: 

- Por aqui, meu fofo! Beatriz voltaria, em três horas, para buscá-lo. 

Dali em diante, viu-se rodeado por mais duas vozes meigas a com ele conversar. E, principalmente, a conversarem entre si. O que se sucedeu, a partir daquele momento, vale uma história e tanto. 

Depois de muita conversa, resolveram iniciar a transformação de forma “light”. Nada muito agressivo! 

Mergulharam-no numa banheira muuuuuuito cheirosa. Com as barbas de molho e o resto também, ficou a meditar por minutos nessa nova vida que se anunciava. Vira e mexe estaria nesse salão de horrores novamente. 

E era shampoo, condicionador... E dê-lhe água. De repente, aquela água foi sumindo para outra ir chegando. E o pobre ali mergulhado. O cheiro agora era bem definido: era de chocolate. Conversaram as moças entre si que era hora da hidratação de chocolate. Pra que tanto cheiro? Pensou com seus botões: isso não vai dar certo... 

Sentindo-se mais lambido que terneiro recém-nascido foi, finalmente, retirado da banheira e levado para o soprador. E depois, claro, para o secador: que são coisas diferentes. 

Daí, partiram para uma boa escovada e mais um spray perfumado, com o qual quase tonteou. Para finalizar, um laçarote cor-de-rosa pra segurar a franja teimosa. E com os olhos, agora, bem à mostra foi que avistou Beatriz chegando toda feliz. 

A que ponto chegará! Que inveja do “alemão”! Ele é um amigo que circula pela rua onde Valente mora. Sempre de bem com a vida. Todos o conhecem e ele a todos cumprimenta, balançando o rabo: mais faceiro que pinto em quirela. Dão-lhe, todos os dias, o que comer. É freguês do boteco da esquina. Vive solto a vadiar. Não tem obrigações. Pode fazer cocô e xixi em qualquer lugar. Encontra-se, sempre que dá no jeito, com as gurias da zona, isto é, da zona onde mora. É bonito, aloirado, garboso. Vive, por assim dizer, sem frescuras. Isto é que é vida! 

Agora, essa sua vidinha está se tornando um saco! Na verdade, o que mais o preocupa é a questão dos cheiros, dos odores misturados com os perfumes. Está perdendo até o apurado faro, seu ponto forte. E o pior... Acredita que terá dificuldades, daqui pra frente, em distinguir aquele cheiro tão bem-vindo, que há tempo não mais encontra, por absoluta clausura. Já anda até destreinado! E se facilitar, poderá enganar-se feio. Já pensou? Que vexame! 

Talvez o melhor seja mesmo acomodar-se em sua nova caminha e sonhar com a chapinha, a escova de morango ou chocolate e com a vinhoterapia pra pets. Disseram, lá na petshop, que vai revitalizar seu pelo através do poder antioxidante dos polifenóis contidos na uva, além de serem ricos em vitaminas A, C, e E. 

A única dúvida é se isso vai torná-lo mais feliz. A clausura já se instalou mesmo. Parece não haver saída, senão deitar e gozar. Gozar? Isso é coisa pra geração passada. Essa nova espécie canina anda mais frustrada que os seus próprios donos. Aliás, já incorporaram todos os tiques e manias dos seus senhores. Sabe de uma coisa? 

Se ficar muito difícil aguentar esta barra, Valente acha que vai exigir um apoio psicológico, ingressando nesses grupos de terapia para cães. Afinal, já é praticamente um ser humano! Escovam-lhe diariamente os dentes, faz xixi e cocô numa espécie de vaso sanitário, come salgadinhos, waffle com chocolate, tem à sua disposição toda a sorte de petiscos. O que mais querem? Que fale? Pô, aí seria demais... Mas, se fosse possível, diria a Beatriz que o trate com mais carinho, que o afague, que seja menos rude. Pois é isso que todo ser vivo mais quer. Não interessa essa formosura toda, que é só aparência, se não nos relacionamos com amor. E, se não for pedir muito, que lhe dê um pouquinho mais de liberdade. Afinal, a espécie precisa perpetuar-se. E disso os humanos entendem muito bem.






terça-feira, 25 de novembro de 2008



DE PLANTÃO...

Pois a gauchada andava mais inquieta que cavalo sarnento. Aquela notícia surgira mais rápida que bote de cobra. E foi assim, de repente, que Gumercindo viu-se cercado por vizinhos que vinham em busca de mais informações.

Afinal, coisas estranhas andavam acontecendo bem perto dali, há apenas alguns quilômetros. Talvez Clóvis, seu filho, que era engenheiro agrônomo, pudesse esclarecer o que estava ocorrendo lá pras bandas de Santa Catarina.

Mas, Gumercindo foi logo informando que seu filho não se encontrava. Tinha ido à Capital e lá permaneceria por uns dois meses, completando um curso de especialização.

A indiada, porém, tinha vindo decidida a buscar alguma explicação para tais fenômenos, no mínimo estranhos.

Frustrados por não encontrarem Clóvis, apearam mesmo assim dos cavalos e passaram a confabular. Tinham que tomar uma decisão. Pela descrição de quem estivera por lá, a coisa prenunciava possível entrevero. E o pior é que o inimigo não aparecera: só deixara rastros. De qualquer maneira, cautela era necessário nessa hora. Mas atitudes deviam ser tomadas. A mais sensata, após votação, pareceu ser acampar sobre a coxilha mais próxima à fronteira. Ficar ali por um tempo, de plantão. Depois, ir-se aprochegando despacito...

Tomada a decisão, já, de pronto, apareceram uns tauras para seguirem na linha de frente.

Entonces, dando adeus ao amigo Gumercindo, foram-se campo afora. Mas, sem se aperceberem, lá se foi também, no meio da indiada, o sobrinho de Gumercindo, o Andrezinho, 16 anos, um guri muito metido.

Como sempre, tinha vindo passar as férias escolares na casa do tio. Nos últimos anos, mudara-se pra Capital, onde estudava. Estava cursando o 2º Grau. A cada visita, trazia novidades da cidade grande.

Pois aquela notícia deixara o guri todo assanhado. Não pensou duas vezes: meteu-se, por entre a indiada, com seu tordilho.

Depois de muito cavalgar, quando a barriga já andava pelo espinhaço e a noite caíra, chegaram a tal coxilha. Só então, deram com os olhos no guri. Mas aí já era tarde.

Resolveram apear, acampando todos juntos, exceto alguns poucos que se acomodaram no topo da coxilha para melhor enxergar.

Tinham trazido o suficiente para passarem uns três dias, não mais. Esse seria o tempo necessário para descobrirem o que por ali estava acontecendo. Armas, munição e homens de prontidão: era o principal. O resto dava-se um jeito: charque, mate e café de chaleira.

Andrezinho já se sentia no meio do entrevero que, com certeza, iria acontecer. Seria uma experiência e tanto. Logo ele que pretendia ser jornalista, mais precisamente um correspondente de guerra. E tratou de preparar seus apetrechos: bloco, caneta, câmera fotográfica e um aparelhozinho, minúsculo, em que se viam imagens, que nem num televisor em miniatura. Coisas de guri da cidade.

Enquanto isso, os tauras da linha de frente, que tinham trazido um binóculo emprestado do patrão Afrânio, dono da Boqueirão, se aboletaram no cume da elevação. E, de lá, começaram a ver luzes que se acendiam e se apagavam, como se estivessem a sinalizar algo. Quando o facho de luz afastou-se um pouco, os cavaleiros da linha de frente, no meio da escuridão, viram dois círculos que se desenhavam sozinhos. Era como se alguém, de dentro da terra, de baixo pra cima, fosse traçando, com o auxílio de um gigantesco compasso, linhas circulares. E a indiada esperando, ansiosa, o embate. Quando vissem os adversários, avisariam a retaguarda e avançariam de surpresa. Mas nada! Ninguém apareceu: nem cavaleiro, nem cavalo. Nada aconteceu. Só a escuridão... Assim, passou-se a noite.

De manhãzinha, quando a claridade se instalou, puderam, então, observar os tais círculos por entre a plantação, toda ouriçada, como se uma força interna a tivesse empurrado de baixo para cima.

A peonada entreolhou-se e começou a desconfiar de que aquela notícia da tal de máquina, que o patrão Afrânio contara a eles, poderia ser a chave para tão estranho fenômeno.

E saíram dali em direção aos homens da retaguarda, certos de que a revelação, brevemente, chegaria aos ouvidos do mundo.

Já imaginaste, tchê? Se Deus é mesmo brasileiro?

Pois a tal máquina, que anda em busca de Deus e que está sob reparos, um tal de acelerador de não sei quê, parece que está por chegar ao seu destino. Seria a maior revelação para a humanidade. A indiada acha até que foi sabotagem. Quando o destino final estava ali e ela pronta pra explodir, seguraram a dita. O máximo que ela conseguiu foi ouriçar as palhas da plantação, estacando logo após. Mas deixou marcas. E o mais interessante... Por mais alguns poucos quilômetros, a tal máquina teria irrompido em solo rio-grandense. Já pensaste? O papa, que nos visitou, já era gaúcho, ucho, ucho! Agora, imagina só! Deus sendo gaúcho, ucho, ucho!

E o Andrezinho?
 
Pois não foi dessa vez que ele conseguiu estar no “front”, sendo testemunha ocular dos sonhados embates.

Mas como é um guri bem informado, já recebeu por e.mail informações de que na Inglaterra, há alguns anos atrás, uns gaiatos fizeram esses mesmos desenhos em plantações de trigo. Só pra mexer com o imaginário popular.
 
Mesmo com essas informações, o guri acha que não vai adiantar repassá-las. O pessoal não ia acreditar.

E pelo que pôde observar da peonada, eles estão esperando que a máquina seja consertada. Voltaram às lides campeiras, por ora. Mas, estão de olho. Aliás, nem pregam mais o olho. Tem sempre alguém de plantão.