quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

 


ERA UMA VEZ...

...um castelo muito bonito,
Bem mais bonito que se dizia.
Tinha tantos quartos, mas parecia
Ninguém saber sua serventia.
Lá, lá, lá, lá... Lá, lá, lá, lá...
Lá, lá, lá, lá... Lá, lá, lá, lá...

Na ponta dos pés, espicha o corpo e, com dificuldade, alcança o terceiro vão. Acomoda-se como pode.

Deita-se levemente curvado, pois sua altura ultrapassa o comprimento desse espaço. Coisa pouca, diga-se de passagem. Para uma pessoa de estatura baixa ficaria, digamos, confortável. É claro, desde que não seja gorda. Mas isso é inimaginável nesses tipos que frequentam tais lugares. A largura também deixa a desejar. É, realmente, bastante estreito o vão. Ah! Na mesma extensão do comprimento, há uma paredezinha e, depois, outro vão, bem menor em comprimento: mais ou menos a metade do primeiro vão.

No espaço menor, guardam-se os papelões, os trapos, um saco, uma caneca... Maitê acha que é isso. Pra que mais?

A altura do “beliche” é ideal: longe do chão e, principalmente, protegido da chuva. Bem, não exatamente protegido dos pingos de chuva, se eles vierem de lado. Mas, pelo menos, não se fica sobre a poça d’água.

Na verdade, essa é uma moradia para quando a lua resolve mostrar a face inteira ou por pedaços. Aí, é possível até sonhar... Acredita-se que, em dias chuvosos, ou de frio intenso, existam outros vãos bem mais protegidos.

Mas, voltemos aos vãos iniciais. A cada vão maior, segue-se um menor: parte integrante do maior. Percebe-se que assim foram divididos pelos ocupantes. Portanto, para cada vão maior adquire-se a posse também do menor. É um vão adicional, para uso exclusivo do ocupante do vão maior. Considerando-se que existem quatro vãos maiores em cada coluna, e que essas são em número de cinco, temos a equação final que chega a vinte “beliches” ou vinte “cômodos”. Ah! Não esqueçamos do vão extra: um ganho a mais para cada “beliche”.

Esse layout é de um banco que é a cara do Brasil: é uma agência do próprio BB.

Pois é, Maitê, que por lá passa todos os dias, fica a refletir...

O mármore que reveste os vãos é de “quinta”. Mas tem serventia. E que serventia! O importante é que existam os vãos. Aos moradores não interessa de que material sejam feitos. Basta que existam.

Maitê, ao deitar, da beirada da cama, espicha o olhar e a vê. Esta noite ela está lá! Redonda, prenunciando chuva. Diz a crendice que, depois de lua cheia, sempre chove. Maitê espera que isso demore a acontecer. Para que dê tempo de sonhar... Porque quando a chuva despenca lá de cima, impiedosa, molhando os trapos até os ossos, desmancha qualquer castelo de sonhos. E, ainda, é preciso sonhar.

Era uma vez
...uma casa muito estranha.
Não tinha porta, não tinha nada.
Mas muita gente ali dormia.
E bem sabia pra que servia.
Lá, lá, lá, lá...Lá, lá, lá, lá...
Lá, lá, lá, lá...Lá, lá, lá, lá...

Aos pés da cama, Capitão, enroscado, espia a lua. Embora importante no nome, é apenas o cão sarnento de um morador. Seu único e fiel companheiro.








quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009



 

MENOS, MEU DONO, MENOS...


Desde o início, ele soubera que aquilo era uma furada. Ele que, por tamanho e conformação dos músculos, permitia-se dar saltos bastante ousados, percebeu, em determinado momento, que seu dono ia acabar se enredando, porque estava ousando demais, além da conta.

E olha que seus bigodes se eriçavam todos, quando seu dono pegava o celular e ia lá pro fundo do quintal a sussurrar coisas, que ele não entendia muito bem, mas que eram respondidas por Severino. Sabia que era Severino do outro lado da linha, porque seu dono repetia esse nome, dizendo coisas tipo: “fica frio”, “não vai dar rolo”, “eu seguro”, “eu entendo do riscado”, e por aí...

Essas conversas constantes ao celular, sempre afastado do pessoal da casa, já estava deixando Dona Josefa, sua dona, desconfiada do marido. Na realidade, andava enciumada, achando que havia outra mulher no pedaço.

Mas fazer o quê? Agora, depois que se tornara funcionário público, era pessoa importante por aquelas bandas. Ainda mais com o cargo que lhe haviam dado. Precisava estar sempre conectado com a repartição.

Mas o bichano sentia que rondava o perigo. A verdade é que as sobras de comida tinham aumentado. Pra quem vivia numa cacaca federal, até que seu dono tinha melhorado. Homem fazedor de dinheiro estava ali! Andava, como se diz, por cima da carne-seca. Na real, o bichano não conseguia entender bem essas coisas que estão sempre a rondar os humanos.

Mas, um dia, algo lhe deixou preocupado. Foi quando ouviu seu nome, numa conversa pelo celular entre seu dono e Severino. Ele, que conhecia aquela família há tantos anos, ouviu seu dono dizer que, pasmem: era um recém-nascido. Ele que até já ia ser pai! Isadora estava por dar à luz.

Alguma coisa estava acontecendo. Ou, ia acontecer. Estacou, atrás do pé de cinamomo, e ficou a ouvir. Seu dono virara um mentiroso, um trambiqueiro?

E parece que, naquela casa, só ele sabia disso. Era a única testemunha, auditiva, daquela armação. Ouviu, durante um bom tempo, toda a conversa.

Começava a entender porque seu dono, de uns tempos pra cá, andava diferente. Já não era o mesmo. Reconheceu, assustado, que seu dono andava ousando demais. O pior de tudo é que, pela conversa dos dois, parecia que ele, o bichano, tinha virado um guri, com sobrenome e tudo. Não estava entendendo mais nada.

O que intrigava é que eram conversas sempre em voz baixa, ao celular, lá nos fundos do terreno. Isso começou a lhe dar nuns nervos. Era mais ou menos como se sentia, quando resolviam fazer faxina na casa: ficava muito nervoso.

Cismado com essa sensação, andava ele mais inquieto que cavalo sarnento. Foi quando, numa tardinha, tornou-se pai. Eram três filhotes ao todo. Dali em diante, pelos próximos meses, nem Isadora e nem Dona Josefa lhe deram mais bola.

Pôde então se concentrar na figura do seu dono. Vivia mais grudado no homem que pepino no baraço. Achava que ele já andava até meio desconfiado. Mas as intenções do bichano eram as melhores.

Por vezes, seu dono estacava o passo, voltava-se e fixava seu olhar naqueles grandes olhos verdes. Parecia que procurava alguma coisa. Nessas horas, o bichano bem que gostaria de aconselhá-lo. Alertá-lo para os perigos de quem não possui a esperteza refinada, a agilidade reconhecida: um DNA fraco para lances tão arriscados.

Mas faltava-lhe o que sobrava em seu dono: uma boa conversa. Assim, sem poder comunicar-se, a não ser com os olhos, o rabo e uns débeis miaus, foi percebendo a cara de preocupação que, a cada dia, seu dono demonstrava. Já sentia que ele andava encrencado como barriga de guri novo.

Até que, numa manhã, bateram à porta. O bichano, já enrodilhado nas pernas de Dona Josefa, foi com ela atender a quem batia. Enquanto se deslocava, sentiu um calafrio a subir-lhe espinha acima. Seria mau presságio? Pois não é que o homem, que batera na porta, viera buscar o guri, recém-registrado no cartório da cidade, com nome igual ao seu, para levá-lo ao Posto de Saúde. Queriam pesá-lo... Imagina!

Ainda bem que Dona Josefa não deixou. Era só o que faltava acontecer com ele! Pensavam que ele era um nenê... Ele, que já era pai!
Aliás, Dona Josefa, coitada, não sabia da falcatrua do marido. Inocentemente, afirmou ali não existir criança alguma com aquele nome, a não ser o seu gato.

Passado o susto e já recolhido ao seu esconderijo, embaixo da casa, Billy entrou em profundas reflexões: o rolo parecia grande.

Então, era verdade? Como pudera seu dono fazer tão desastrada falcatrua? Coisa de amador... Imagina, a coisa poderia ter-se estendido por muito mais tempo. E, talvez, até nem fosse trazida a público. Agora, transformá-lo em um bebê, só poderia ter dado nisso. Se ele já fosse um guri de nove anos, ninguém ia querer levá-lo ao Posto para pesar...

Foi, realmente, uma mancada imperdoável. Todo mundo ali, naquela casa, saiu perdendo. Principalmente seus três novos filhotes, que já poderiam largar, na vida, melhor alimentados. Já seriam uns reais a mais no orçamento da família, considerando-se o novo filho registrado. Um auxiliozinho do Programa Bolsa Família. Mas agora, babaus...

Imagina, se sujar por tão pouco... Se fosse por muito, até valeria a pena. Afinal, parece que quanto maior o rombo, menor o constrangimento. E, também, menor a execração. Os exemplos estão por aí aos montes.

Ele bem que gostaria de ter avisado: menos, meu dono, menos...

Brincadeiras à parte, sete vidas tem o bichano. Seu dono tem apenas uma. E com ela tentou dar uma de “joão-sem-braço”, mas se enrolou mais que carrapicho em cola de cavalo. Acabou mais por baixo que umbigo de cobra e mais sujo que pau de galinheiro.

E pensar que seu dono era um privilegiado naquele mar de miseráveis a sua volta. Que feio!



Leia a notícia.





domingo, 4 de janeiro de 2009

 

UMA QUESTÃO DE PESO


Foi por pouco... Na segunda tentativa, o alvo foi mais ligeiro. A distância do alvo, claro, era considerável. E o peso, ou melhor, a massa do objeto era significativa.

Faltou ao arremessador uma melhor previsão de todos os elementos envolvidos nessa verdadeira “bomba” lançada naquele circo montado. Todos ali, perfeitas marionetes, reunidas, fazendo de conta que estavam a cuidar dos interesses coletivos. Os discursos, podem crer, eram de peso. Repetiam, à exaustão, a mesma cantilena mentirosa, visando aos interesses de castas que não precisam estar presentes. Aliás, nunca aparecem. Mas as marionetes a serviço estavam todas ali. O embuste, a desfaçatez, meus caros, perpetuam-se. As doses é que variam, bem como seu peso ao longo dos séculos.

Voltemos, por instantes, ao objeto arremessado, símbolo ofensivo dos mais significativos. Convenhamos que o arremessador poderia ter escolhido um objeto um pouco menor, com menos massa, com a metade mais ou menos, algo tipo 150 gramas. Seria a vez de a mulher mostrar a sua força, pelo menos para isso... Mas diante de sua condição naquela sociedade, acho até que seria menos ofensivo do que o representante masculino que, claro, deve ter mais valor. Com certeza, o peso ofensivo deve ser maior, sendo um “pisante” masculino.

Quanto ao alvo, considerando sua passagem, na adolescência, pelo Texas, mostrou-se à altura dos velhos heróis do faroeste americano. Sem arma, foi rápido, contando com a sorte, é claro, pois ali os efeitos especiais do cinema não estavam presentes. Mas, de qualquer maneira, desempenhou bem o papel: na tribuna, com um discurso de peso, e ao se esgueirar, com meneios rápidos de corpo.

Os detalhes não foram, previamente, estudados. Portanto, frustrou-se o objetivo final. Frustrou-se?

O gesto permanecerá. O significado, também. A ofensa não será esquecida. Nunca se saberá a real extensão dos desdobramentos para o arremessador. Nem, tampouco, a verdade embutida no gesto. Tudo foi e continua sendo uma questão de peso, na acepção da palavra.

Quanto às castas, continuam rindo à socapa...

Aliás, essas duas últimas expressões datam dos séculos XV e XVI, respectivamente.

Como se pode observar: tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.
Outra expressão cunhada nos séculos XVII e XVIII.

Ou, porque não dizer: mudam as moscas...





assista ao ataque:

e ao contra-ataque: