quinta-feira, 30 de junho de 2011











POR UMA VIDA MELHOR



Que tal, guria?

Bah! Quando te vi falando, tomei um susto. Que coragem! Lembrei da Maria Bonita: pequenina, valente e bonita. Diria mesmo que era uma transgressora por aqueles idos tempos.

Cá pra nós, acho que ninguém esperava ouvir tudo o que disseste.

Ao traçar o panorama da Educação no Rio Grande do Norte, nós aqui debaixo, na ponta do mapa do Brasil, fizemos coro com o teu discurso.

As escolas públicas, pelo Brasil afora, com raríssimas exceções, estão deterioradas. Seus prédios sucateados e seus professores desmotivados: uma realidade nacional.

Real e verdadeira foi também a conversa que mantive com Tatiane, uma gentil atendente do restaurante do hotel, onde me hospedei, em Florianópolis. Tati, natural de Recife, vive há quatro anos em Floripa. Em meio às conversas, durante o café da manhã, conheci outra colega sua, a simpática Vera. O que elas têm em comum? Relatos de histórias verdadeiras, contadas com riqueza de detalhes, sobre a situação da Educação no nosso país.

Tati conta que suas aulas no 2º Grau, cursado em escola pública, em Recife, caracterizaram-se pela falta de professores ao longo dos 5 dias de aula que compunham a semana. Afirma ela que, em apenas 3 dias por semana, havia aulas. Nos demais, não lhes eram ministradas aulas por falta de professores, afastados por doença ou porque, simplesmente, não existiam. Os que se aposentavam não eram repostos, tampouco os que abandonavam os cargos por outras atividades mais rentáveis.

Assim, professores e alunos que persistiam eram considerados sobreviventes, por conta do caos instalado.

Na lembrança, permanece a figura do Professor Rodolfo. Um professor abnegado, carismático, preocupado, interessado pelos seus alunos e pela matéria que ministrava. Suas aulas de Química jamais serão esquecidas. Todos gostavam de Química. Todos aprenderam Química. O Professor Rodolfo dava suas aulas regulares e ainda preenchia os espaços vazios das demais matérias ministrando mais Química. E ninguém se incomodava. Pelo contrário, todos apreciavam por demais suas aulas e a didática diferenciada que imprimia à matéria. Que belo professor! Que alunos interessados! Que belo exemplo!

Mas, um dia, o Professor Rodolfo anunciou que iria embora. Abaixo-assinados foram feitos pedindo sua permanência. Mas ele precisava pensar em seu futuro. A proposta que recebera era irrecusável. Iria trabalhar na Petrobrás.

E lá se foi o Professor Rodolfo. Os alunos, entristecidos, compreenderam a decisão do mestre. “Por Uma Vida Melhor” seria um slogan adequado a sua guinada na vida profissional.

Tati terminou, é claro, o 2º Grau. Teve o privilégio, por um bom tempo, de ter aulas com o Professor Rodolfo. A imagem do mestre permanece vívida na retina e no discurso que o enaltece. Quantos outros alunos, porém, naquela mesma escola, não tiveram essa chance.

O mestre, graduado em Química, um professor com vocação para exercer tal atividade, obrigou-se a empreender novos caminhos por absoluta incúria dos governantes na condução de uma política nacional avessa à Educação, que deixa de reconhecê-la como a base que alicerça uma sociedade desenvolvida.

Que pena! Menos um professor: daqueles que fazem a diferença.

Agora, a outra garçonete, a Verinha, santa-mariense da Boca do Monte, mas radicada em Floripa, tem outra história, tão ou mais deprimente. Sua irmã, professora com Mestrado, para aumentar os ganhos e poder adotar o mesmo slogan “Por Uma Vida Melhor”, trabalha, num dos turnos, em um quiosque junto a um terminal rodoviário. Obteve uma concessão para ali trabalhar, vendendo alimentos, doces, refrigerantes. Parte desses alimentos ela mesma, à noite, prepara.

Verinha ainda conta que algumas escolas públicas estavam tão deterioradas que foram demolidas. Isso é confirmado por outro cidadão, natural da região, cujo filho estuda em escola particular. Suas observações coincidem com as de Vera.

Pois aqui, no extremo sul do mapa, não há grandes diferenças. Há, por exemplo, em Porto Alegre, uma professora que possui um carrinho de pipoca, estacionado, aos sábados e domingos, em parque conhecido na Capital. É o popular “Pipoca da Profe”. Tudo em prol do slogan “Por Uma Vida Melhor”.

Há outros casos conhecidos de professores que, além de exercerem a profissão, tornaram-se “sacoleiros”, negociando venda de roupas, trazidas de vários lugares do país, em viagens feitas, às pressas, nos finais de semana.

Isso compensa? Claro que sim. Se não fosse rentável, tais professores não se sujeitariam a esse ritmo estafante.

Onde todos deveriam estar?

Em sala de aula, ministrando aulas. Na escola, preparando novos conteúdos para novas aulas. Escolas cujas dependências, infraestrutura, material didático e biblioteca estivessem à altura de uma Educação que se quer qualitativa. Uma remuneração condizente com a importância do cargo de professor seria algo também desejável. Os bons profissionais, nessas condições, ali permaneceriam, dando o melhor de si. Se acaso houvesse desleixo por parte de algum professor, esse não ascenderia na carreira até que melhorasse seu desempenho.

Quem não gostaria de ter um Professor Rodolfo em sua vida escolar! Poderíamos tê-los em um número expressivamente maior. Os “bicos” não mais seriam necessários. Todos estariam voltados a uma Educação de qualidade. O slogan “Por Uma Vida Melhor” deveria ser a mola propulsora que levaria o indivíduo, através da Educação, a alcançar uma melhor qualidade de vida em sociedade.

Esse seria um belo slogan que o Estado Brasileiro poderia almejar para todos.

Incluir todos num nível de excelência, que impossibilitasse um discurso do tipo “nós pega o peixe”. Deveria ser esse o grande objetivo da Educação de qualidade: forjar indivíduos de qualidade.
Aliás, por onde andará o Professor Rodolfo?

E a tua inspiração, guria?
Onde estará a Professora Claudina?
Ela que era “indescritível” aos teus olhos, admirada por ti, um exemplo de profissional! Ao vê-la, em sala de aula, sonhavas em ser como ela.

Estamos nos primórdios de um novo século.
Os sonhos precisam tornar-se realidade. Caso contrário, conviveremos, daqui para frente, com hordas de ignorantes, uma mão de obra barata e alguns poucos privilegiados, detentores do saber.

Uma massa crítica reduzida e milhões servindo de massa de manobra, é o que se vislumbra.


Amanda, como dizem aqui no Rio Grande do Sul:
“Não está morto quem peleia”!
Meus cumprimentos!



Professora do Rio Grande do Norte discursa e silencia deputados:





Leia mais sobre a Profª. Amanda Gurgel






quinta-feira, 28 de abril de 2011


O RENASCER
  

“É frio e o cheiro está forte. Virar de lado, impossível. Falta ar...”


Acorda em sobressalto. É sempre o mesmo pesadelo. Nunca vai além desse momento.

Será que isso poderia fazer parte dos sonhos de um enjeitado? Talvez sim, talvez não. E a sua trajetória na vida? Seria de sucessos ou de perdas?

Perguntas difíceis de responder.

O que é fácil, porém, é se perceber o grau de crueldade, de desumanidade nos atos de descarte de recém-nascidos. Como se lixo fossem, são jogados em caçambas, depositados em terrenos baldios e nos lugares mais insólitos. O nítido intuito é de que não sobrevivam. Milagrosamente, porém, parece que alguns conseguem a façanha de permanecerem vivos até que alguém os encontre. Assim, por puro acaso.

Diante desse quadro desolador, buscamos as razões para atos tão insanos. Em tempos bem mais antigos, esses comportamentos encontravam explicação na repercussão que causavam na história de famílias abastadas, na rígida moral vigente, no enfrentamento pelas mulheres de atos pelos quais eram condenadas pela sociedade.

Hoje, porém, não mais existem tais grilhões. Será, então, que o grau de maldade aumentou? Será que sempre é a insanidade falando mais alto?

Difíceis são as respostas para essas indagações. Cada caso será um caso: com seus participantes, circunstâncias, vida pregressa dos envolvidos. E por aí...

Diante desse quadro, relembro, em especial, nessa Páscoa, a Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, que funcionou de 1837 a 1940. Local onde eram depositados recém-nascidos, criados na própria casa pelas chamadas criadeiras. Por primeiro, a criança era encaminhada a uma ama de leite e, depois de algum tempo, a uma ama-seca ou de criação que cuidava do menino ou menina até os sete anos de idade. Algumas vezes, eram adotados. Os que permaneciam, recebiam educação básica. Às meninas ensinavam prendas domésticas, para serem encaminhadas ao casamento.  Os meninos eram matriculados no Arsenal de Guerra, para aprenderem um ofício.

A título de informação sobre o tema, há um alentado trabalho, escrito por Luiz Henrique Torres, Professor de História do Rio Grande do Sul, no Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que dá um panorama do abandono infantil, como sendo “a própria história secreta da dor feminina, principalmente da dor compartilhada por mulheres que enfrentavam obstáculos intransponíveis ao tentar assumir e sustentar os filhos legítimos ou nascidos fora das fronteiras matrimoniais”.   (palavras do autor)

Aliás, segundo o mesmo autor, o abandono de bebês é prática antiga, ainda da época do Brasil Colonial. Naquele período, os pequenos seres eram abandonados, também, em lugares onde não poderiam sobreviver: lixeiras, terrenos baldios, etc.

A Roda dos Expostos surgiu, à época, como um lugar seguro, onde se depositava o recém-nascido, retirando-se o expositor, rapidamente, após girar a roda e fazer bater uma sineta, avisando da chegada de mais um enjeitado. Uma entrega sem explicações, sem testemunhas, permanecendo só a dor a gritar no gesto e a necessidade imperiosa do descarte, imposta à mulher pela própria sociedade. Mas uma certeza existia: a da possibilidade de um encaminhamento mais humano àquela porção de vida. A Roda dos Expostos veio para amenizar uma chaga social: a do abandono de recém-nascidos.

Hoje, numa sociedade muito mais liberal com relação à mulher, imagina-se que o nascimento de um ser humano possa ser recebido de forma natural, sem as ameaças, as culpas e os temores de antanho.

Mas não é o que ocorre.

Talvez, devamos, novamente, adotar a Roda dos Expostos como saída para os frequentes casos que se somam. A partir da leitura do trabalho do ilustre professor Luiz Henrique Torres, observa-se a existência de toda uma normatização administrativa, um verdadeiro Regimento da Roda dos Expostos da cidade do Rio Grande, em 1850, local para onde se transferiu esse serviço que, até então, era prestado pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Recomenda-se a leitura do citado trabalho, para que se verifique como eram bem cuidados os enjeitados da Roda, o acompanhamento que recebiam ao longo de sua infância, o atendimento médico que lhes prestavam os médicos da Santa Casa (fl.113 do citado trabalho). Havia, inclusive, a previsão de um fundo financeiro para a constituição de dotes para as expostas, visando a um futuro casamento. A Santa Casa, para tanto, utilizava recursos próprios, doações de particulares, das Câmaras Municipais e de rendimentos provenientes de bens de expostos oriundos de doações. Parece que, ao tempo da Roda, as coisas funcionavam melhor do que hoje. Pelo menos, com mais honestidade e correção dos rumos adotados pelos seus administradores.

E pensar que Luciana de Abreu, professora conceituada e escritora, com textos publicados na Revista da Sociedade Partenon Literário, da qual fez parte, por vezes assumindo a sua Tribuna, discursando de forma ardorosa pelos direitos da mulher, foi deixada na Casa da Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, em 11 de julho de 1847.

A propósito, há uma reportagem publicada em 4 de outubro de 2007, no Jornal O Globo, on line, que apresenta o depoimento do médico clínico-geral, Renato Costa Monteiro, formado pela USP, há época com 81 anos de idade, que também foi deixado na Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, sob nº 3381, em 29 de julho de 1925, e adotado em 10 de novembro de 1926. Clinicou por 57 anos e é defensor do parto anônimo. A leitura dessa reportagem é bastante elucidativa acerca da possibilidade de dar-se outro destino, que não os valos, beiras de rios, riachos, lixeiras, calçadas e caçambas, aos seres enjeitados por qualquer motivo.

Que essa Páscoa sirva para refletirmos sobre a Ressurreição de Cristo e sobre aqueles pequeninos seres que, por milagre, renascem dos monturos onde são jogados.

Que também a eles sejam oferecidas oportunidades concretas de viverem em sociedade.

Quantos sairão desses lixões para uma vida produtiva?

Em parte, a resposta está com cada um de nós.


Assista ao vídeo:




quinta-feira, 31 de março de 2011



A IMAGEM

Uma gota escorre pelo ralo. E outra corre atrás. E mais outra... Seguem mesmos caminhos? Nem sempre. Há as que se perdem nos vãos dos tijolos, secando sem juntar-se às demais. A maioria, porém, segue o curso normal e desaguá no esgoto, na rua, no arroio... Estão juntas, coesas, fétidas ou não. Isso, absolutamente, não importa. São parte de um universo maior. 
 
Lembro-me, agora, do cachorro do vizinho. Leal, amigo, brincalhão, um olhar manso. Exatamente igual a tantos outros que conheço. Não importa se abandonados, ou não. Não interessa se circulam perfumados pelas avenidas, ou não. Seguem o caminho sem atropelos. São previsíveis. De longe, avistam os irmãos da espécie. Atravessam a rua, chegam devagarzinho e, aos poucos, vão se cumprimentando. Daquele jeito que só eles sabem fazer. São parte de um universo maior. Vez por outra, porém, surgem alguns que, desde filhotes, são agressivos. Não por raça, mas por algum traço particular que os diferenciam. Algo em seu DNA que destoa dos demais. Parece não se acertarem com nenhum outro da espécie, nem da mesma raça. São absolutamente desconectados daqueles com os quais convivem, sejam eles humanos ou outros iguais a si. 
 
Parece que quanto mais se aprimora a evolução, mais aumenta a capacidade de destruição desse ser guindado a um patamar superior na escala evolutiva.
 
Quando irrompe, no Pacífico, aquela onda aterradora é a força das águas se fazendo presente. É o momento de maior grandeza dessas águas. Elas se unem para demonstrar quão coesas estão, quão fortes são. Não há destruição entre si. Elas se reconstroem em novas danças. É a natureza absoluta. 
 
Quando o felino abocanha a presa, pode ser sobrevivência. Porém, muitas vezes, é o próprio filhote que é devorado. Será o quê, então? Um desvio do instinto? 
 
Aqui, já estamos ascendendo a um novo estágio evolutivo. E, quando se chega ao topo da cadeia, os exemplos vão ficando mais cruéis. 
 
Nós, humanos, o que fazemos? O matar, por legítima defesa, é diminuto. A destruição em massa, a matança planejada e os assassinatos são uma constante. As agressões físicas e verbais se somam no dia a dia dos cidadãos. A violência contra os nossos semelhantes é avassaladora e impressiona a quem se detém a observar tais mazelas. 
 
Estamos no topo da cadeia evolutiva, mas, a cada instante, um tsunami explode, de dentro para fora, e violentamos, esfolamos, “apagamos”, viciamos, atropelamos uns aos outros. Nosso interior está doente, profundamente doente. Em poucos segundos, a mão humana exercita a destruição: as torres gêmeas, um povoado, uma aldeia, um grupo de pessoas... 

 
Por último, a imagem, que não sai da retina, lembra um tsunami. 
 
Como uma vaga, em alta velocidade, um carro, qual uma onda gigantesca, foi levando de roldão tudo o que havia pela frente. 
 
Nosso tsunami chegou dias antes do outro e foi mais destruidor. 
 
Constatou-se que ele abalou o ápice dessa cadeia evolutiva. Nós, animais altamente especializados, inventores de toda a moderna tecnologia, alçados à condição de humanos, saímos diminuídos. 

Talvez haja, porém, conserto, porque não foi atingida a base. 
 
Somos ainda animais. Alguns, ainda, racionais.





Assista ao vídeo do atropelamento em massa:

 
 
 
Tsunami no Japão:
 









----------------------------------------------------------------------------------
Segue, abaixo, comentário recebido por e-mail:


"Sonia; O teu blog está lindo. O texto Imagem retrata com fidelidade o fato comparativo. É uma crônica impregnada de criaividade, no meu entendimento. Parabéns"

Izabel Eri Camargo