terça-feira, 30 de agosto de 2011

PAI DOS MEUS BONECOS













Agachada em frente ao armário, com a mãozinha, ainda juvenil, vou armazenando, vou empilhando alimentos. São pacotes de arroz, feijão, massa, açúcar, bolacha, café, latas de azeite e tudo o mais que pudesse ser estocado por algum tempo. Todos estavam a fazer o mesmo. 

Afinal, aquela situação de incerteza poderia ainda perdurar por um bom tempo. Avizinhava-se, talvez, uma revolta. Meu pai andava, ultimamente, sempre de prontidão. Embora não fosse militar, trabalhava junto ao Hospital do Exército, sendo responsável pelo bom andamento de todas as oficinas que compunham o complexo hospitalar, e que davam suporte àquela Unidade. 


Quem diria! Aquele que povoara meu universo infantil, agora conclamava a população para empunhar a bandeira da Legalidade. 

Naqueles tempos em que se brincava de boneca, de casinha, de comidinha, essa figura representava para mim “o pai de meus filhos”, aquele que saía todas as manhãs para trabalhar. Parece mentira, mas era tão presente a figura desse líder nas conversas em família, que eu o havia incorporado como um membro da minha “família de mentirinha”. Todas as manhãs, portanto, preparava, naquele pequeno galpão, em meio ao fogãozinho, às panelinhas e às bonecas, um gostoso café. Tudo de mentirinha. 

Quando ocorreu o levante, eu, já uma jovenzinha, não me surpreendi com o alvoroço que tomara conta das ruas. Era quase uma coisa normal para mim, tal a familiaridade com o líder. Aliás, estudara em uma das escolas criadas por ele: as conhecidas brizoletas. Em uma delas concluí o Ensino Primário (o Fundamental). Em 1959, ainda não possuía nome essa escola, conforme foto de Boletim Escolar, constante abaixo. No ano seguinte, em 1960, a escola recebeu o nome de Grupo Escolar Dr. João Batista de Lacerda, denominação já impressa no Boletim Escolar. Essa foi a escola que me abrigou por primeiro. 







Em 1995, a antiga brizoleta foi demolida, erguendo-se uma nova construção em alvenaria. Nesse período de construção, a escola deslocou-se para o Educandário Dom Luiz de Guanella, lá permanecendo até março de 1997. Em novembro do mesmo ano, a nova escola foi inaugurada. Passou a chamar-se Escola Estadual Dr. João Batista de Lacerda, oferecendo o Ensino Fundamental e o 1º Grau Completo. O nome permanece o mesmo, os sonhos e as expectativas dos pequenos talvez tenham se modificado. Com certeza, porém, a garra, o envolvimento, a dedicação e o olhar dos mestres estão ainda presentes. E isso é que faz toda a diferença: tanto ontem, quanto hoje. 


Esse homem, decididamente, fizera parte do meu imaginário infantil. E ainda, naquele momento, era o centro das conversas em família. Todos prestando a ele um sincero respeito e uma total coesão em torno de seu nome e de sua causa. 

Lembro que, estando a faltar apenas dois anos para completar o Curso de Música, tocava com meu instrumento o Hino da Legalidade. Que tempos diferentes! 

Lia-se mais, refletia-se mais. Livros, jornais e revistas eram lidos, discutidos, comentados. A televisão ainda era incipiente. Tinha-se mais tempo para formular nossos próprios juízos sobre os assuntos, sem que houvesse direcionamento nas análises e conclusões. Acredito que existia mais conhecimento, reflexão, mais capacidade de crítica: fundamentos que repousam numa educação básica de qualidade. Algo que, na época, o nosso Estado ainda orgulhosamente ostentava. Embora, reconheça-se que, também, naqueles idos tempos, os professores tivessem seus salários aviltados, considerando-se a grandeza da função. Hoje, com todos os meios disponíveis, por que não mais nos conservamos no topo? São indagações que precisam ser respondidas no mais curto espaço de tempo possível. E medidas devem ser tomadas em um tempo mais curto ainda. 

Nós que defendemos, historicamente, a Constituição, o regime legalista, as instituições, a liberdade como bem maior, temos a obrigação cívica de lutarmos por uma educação compatível com a grandeza da nação brasileira. Uma educação de excelência para todos, principalmente para aqueles que dependem da escola pública para se tornarem cidadãos: capazes, conscientes, éticos e solidários. Dessa maneira, a inserção, no mercado de trabalho, far-se-á ao natural. 

Nesse mês de agosto, lembro-me daqueles tempos. Época que me traz gratas recordações. 
Lembranças de um universo infantil recheado de sensações, emoções, figuras e valores. 

Que coisa! 

Os bonecos daquela pequena menina tinham um pai: um líder admirado por seus pais e demais familiares. Quão grande valor ela atribuía a ele! 

Acho que não se fazem mais líderes como antigamente. Ele nunca soube dessa admiração profunda. 

Portanto, minha homenagem póstuma ao pai dos meus bonecos, meu primeiro marido.






domingo, 31 de julho de 2011












ACORDA, GURIA!


Pré-requisito para compreensão do texto abaixo:

-ler a crônica de David Coimbra, O Taco de Aninha, publicada, em 16/07/11, no jornal Zero Hora (p. 44).


Há quem diga, ainda, que atrás de um grande homem há uma grande mulher? Que consolo! Isso ainda é possível? Todas as mulheres de grandes homens serão também grandes mulheres? E o que significará ser grande? E as mulheres reles? Manterão elas de arrasto aqueles grandes ou pequenos homens, que se deixam enfeitiçar por seus dotes físicos, de propósito, mais escancarados? Essas, então, não estariam à sombra? Seriam vistas, revistas, visitadas, revisitadas: verdadeiras benfeitoras de tão sedentos homens. Porém, mesmo vencendo na vida, não passariam de reles criaturas. E, assim, tratadas pela sociedade.

E o que é vencer na vida?

A famosa Geni, protagonista da inspirada composição (Geni e o Zepelim) do mestre Chico Buarque, que o diga. Coitada! Fez todo aquele sacrifício que a letra revela e, ao final, continuou execrada pela cidade. Volta, depois de dar-se àquele amante, a ser maldita. Maldita Geni! É claro que a obra, que me soa aberta, permite essa interpretação. O papel de redentora não lhe é reconhecido. Foi desde sempre reles, continuou sendo e terminou seus dias assim. Deixou de exercer sua condição de ser humano digno.



Pois é!

A cearense Carmelita Yumito é daquelas pessoas que venceram na vida, dignamente. De família humilde, tinha tudo para não chegar aonde chegou. Sua determinação e arrojo demonstraram a ela ser possível atingir uma vida digna, embora trabalhando num meio predominantemente masculino.

Pois Carmelita, num determinado momento de sua vida, por volta dos quinze anos, saiu do Sertão dos Inhamuns, no Ceará, e foi para São Paulo. Por lá já viviam dois irmãos mais velhos com quem passou a morar. Os manos, à época, já trabalhavam num salão de sinuca, o Hobby Time Snooker e Choperia, localizado no centro da cidade de Guarulhos. Vez por outra, os irmãos levavam-na ao bar. Rapidamente, encontrou-se com o esporte. Algum tempo após, o dono do bar convidou-a para trabalhar como garçonete.

Certo dia, apareceu um cliente antigo da Casa, o Sr. Godofredo, que a convidou para tentar uma jogada. Nesse dia, Carmelita teve seu primeiro contato com a sinuca. Ela que já observava, há tempo, os clientes que frequentavam o bar.

Diante da performance da garota, Godofredo ficou impressionado e aconselhou-a a aprender o esporte e dedicar-se porque, um dia, poderia ela vir a ser campeã.

O resto da história encontra-se no link abaixo.

Tetracampeã brasileira, além de outros títulos, competindo constantemente, ministrando palestras, fazendo exibições e dando aula apenas para mulheres, é contratada do Pompeia Snooker Bar, em São Paulo. Vive ela do esporte. É casada e mãe de um casal de filhos.

Pois é, guria!

Há quem fique atrás de um taco de sinuca e não consiga dar o seu melhor se, para tanto, não se despir.

Coitada da Aninha! Sabe jogar, mas não consegue deixar de expor a sua condição de mulher reles. Aquela que só dá a tacada certa, quando escancara aquele atributo sexual da mulher brasileira, tão decantado: a bunda.

A cabeça de Aninha está doente. Ela não consegue mais armar a jogada correta. Ela nem mais pensa, acho. Ela não está à sombra, nem à frente, nem ao lado de um homem. Ela está, na realidade, bem abaixo da linha da dignidade.

Acorda, Aninha!

Mesmo tendo adquirido um sítio, não passas de uma reles mulher. Hoje, tuas performances esporádicas revelam tua condição: ainda inferior.

Mira-te em Carmelita! Seu taco é produto de conhecimento, perseverança e obstinação. E a fonte disso está na cabeça e não nas nádegas redondas e lisas, mal encobertas pelo fiozinho mínimo do biquíni de lacinho.

Tu podes bem mais, Aninha!

Ou, quem sabe, Carmelita é bem melhor com o taco de sinuca.

É! Carmelita e o seu taco de sinuca estão fazendo história.









quinta-feira, 30 de junho de 2011











POR UMA VIDA MELHOR



Que tal, guria?

Bah! Quando te vi falando, tomei um susto. Que coragem! Lembrei da Maria Bonita: pequenina, valente e bonita. Diria mesmo que era uma transgressora por aqueles idos tempos.

Cá pra nós, acho que ninguém esperava ouvir tudo o que disseste.

Ao traçar o panorama da Educação no Rio Grande do Norte, nós aqui debaixo, na ponta do mapa do Brasil, fizemos coro com o teu discurso.

As escolas públicas, pelo Brasil afora, com raríssimas exceções, estão deterioradas. Seus prédios sucateados e seus professores desmotivados: uma realidade nacional.

Real e verdadeira foi também a conversa que mantive com Tatiane, uma gentil atendente do restaurante do hotel, onde me hospedei, em Florianópolis. Tati, natural de Recife, vive há quatro anos em Floripa. Em meio às conversas, durante o café da manhã, conheci outra colega sua, a simpática Vera. O que elas têm em comum? Relatos de histórias verdadeiras, contadas com riqueza de detalhes, sobre a situação da Educação no nosso país.

Tati conta que suas aulas no 2º Grau, cursado em escola pública, em Recife, caracterizaram-se pela falta de professores ao longo dos 5 dias de aula que compunham a semana. Afirma ela que, em apenas 3 dias por semana, havia aulas. Nos demais, não lhes eram ministradas aulas por falta de professores, afastados por doença ou porque, simplesmente, não existiam. Os que se aposentavam não eram repostos, tampouco os que abandonavam os cargos por outras atividades mais rentáveis.

Assim, professores e alunos que persistiam eram considerados sobreviventes, por conta do caos instalado.

Na lembrança, permanece a figura do Professor Rodolfo. Um professor abnegado, carismático, preocupado, interessado pelos seus alunos e pela matéria que ministrava. Suas aulas de Química jamais serão esquecidas. Todos gostavam de Química. Todos aprenderam Química. O Professor Rodolfo dava suas aulas regulares e ainda preenchia os espaços vazios das demais matérias ministrando mais Química. E ninguém se incomodava. Pelo contrário, todos apreciavam por demais suas aulas e a didática diferenciada que imprimia à matéria. Que belo professor! Que alunos interessados! Que belo exemplo!

Mas, um dia, o Professor Rodolfo anunciou que iria embora. Abaixo-assinados foram feitos pedindo sua permanência. Mas ele precisava pensar em seu futuro. A proposta que recebera era irrecusável. Iria trabalhar na Petrobrás.

E lá se foi o Professor Rodolfo. Os alunos, entristecidos, compreenderam a decisão do mestre. “Por Uma Vida Melhor” seria um slogan adequado a sua guinada na vida profissional.

Tati terminou, é claro, o 2º Grau. Teve o privilégio, por um bom tempo, de ter aulas com o Professor Rodolfo. A imagem do mestre permanece vívida na retina e no discurso que o enaltece. Quantos outros alunos, porém, naquela mesma escola, não tiveram essa chance.

O mestre, graduado em Química, um professor com vocação para exercer tal atividade, obrigou-se a empreender novos caminhos por absoluta incúria dos governantes na condução de uma política nacional avessa à Educação, que deixa de reconhecê-la como a base que alicerça uma sociedade desenvolvida.

Que pena! Menos um professor: daqueles que fazem a diferença.

Agora, a outra garçonete, a Verinha, santa-mariense da Boca do Monte, mas radicada em Floripa, tem outra história, tão ou mais deprimente. Sua irmã, professora com Mestrado, para aumentar os ganhos e poder adotar o mesmo slogan “Por Uma Vida Melhor”, trabalha, num dos turnos, em um quiosque junto a um terminal rodoviário. Obteve uma concessão para ali trabalhar, vendendo alimentos, doces, refrigerantes. Parte desses alimentos ela mesma, à noite, prepara.

Verinha ainda conta que algumas escolas públicas estavam tão deterioradas que foram demolidas. Isso é confirmado por outro cidadão, natural da região, cujo filho estuda em escola particular. Suas observações coincidem com as de Vera.

Pois aqui, no extremo sul do mapa, não há grandes diferenças. Há, por exemplo, em Porto Alegre, uma professora que possui um carrinho de pipoca, estacionado, aos sábados e domingos, em parque conhecido na Capital. É o popular “Pipoca da Profe”. Tudo em prol do slogan “Por Uma Vida Melhor”.

Há outros casos conhecidos de professores que, além de exercerem a profissão, tornaram-se “sacoleiros”, negociando venda de roupas, trazidas de vários lugares do país, em viagens feitas, às pressas, nos finais de semana.

Isso compensa? Claro que sim. Se não fosse rentável, tais professores não se sujeitariam a esse ritmo estafante.

Onde todos deveriam estar?

Em sala de aula, ministrando aulas. Na escola, preparando novos conteúdos para novas aulas. Escolas cujas dependências, infraestrutura, material didático e biblioteca estivessem à altura de uma Educação que se quer qualitativa. Uma remuneração condizente com a importância do cargo de professor seria algo também desejável. Os bons profissionais, nessas condições, ali permaneceriam, dando o melhor de si. Se acaso houvesse desleixo por parte de algum professor, esse não ascenderia na carreira até que melhorasse seu desempenho.

Quem não gostaria de ter um Professor Rodolfo em sua vida escolar! Poderíamos tê-los em um número expressivamente maior. Os “bicos” não mais seriam necessários. Todos estariam voltados a uma Educação de qualidade. O slogan “Por Uma Vida Melhor” deveria ser a mola propulsora que levaria o indivíduo, através da Educação, a alcançar uma melhor qualidade de vida em sociedade.

Esse seria um belo slogan que o Estado Brasileiro poderia almejar para todos.

Incluir todos num nível de excelência, que impossibilitasse um discurso do tipo “nós pega o peixe”. Deveria ser esse o grande objetivo da Educação de qualidade: forjar indivíduos de qualidade.
Aliás, por onde andará o Professor Rodolfo?

E a tua inspiração, guria?
Onde estará a Professora Claudina?
Ela que era “indescritível” aos teus olhos, admirada por ti, um exemplo de profissional! Ao vê-la, em sala de aula, sonhavas em ser como ela.

Estamos nos primórdios de um novo século.
Os sonhos precisam tornar-se realidade. Caso contrário, conviveremos, daqui para frente, com hordas de ignorantes, uma mão de obra barata e alguns poucos privilegiados, detentores do saber.

Uma massa crítica reduzida e milhões servindo de massa de manobra, é o que se vislumbra.


Amanda, como dizem aqui no Rio Grande do Sul:
“Não está morto quem peleia”!
Meus cumprimentos!



Professora do Rio Grande do Norte discursa e silencia deputados:





Leia mais sobre a Profª. Amanda Gurgel