sábado, 14 de setembro de 2013

DAQUELA JANELA...NAQUELE DIA...



Redonda e faceira me fitavas. E eu via em ti, através de meu olhar, uma orquestra inteira que tocava. Tuas sombras distantes pareciam integrantes desse grupo. Tocava eu, à época, também um instrumento. Meu olhar criança estava embebido de sons, dos mais variados tons: dos maiores e menores. Em tudo só via e ouvia música.

Depois, já na varanda, debruçavas teu olhar, misturando-se com minhas sonatas e fugas. Toda branca, atenta e confidente. Juro que eu te via revirando os olhinhos: toda sonhos.

Bem depois, tu, lá de cima, piscaste os olhos sem jeito, quando roubaram de mim um beijo.

E nunca esquecerás quando deitei contigo e com ele e, enrubescida, tu desviaste o olhar.

Mais tarde ainda, um dia, em ti vislumbrei uma lágrima, pois eu, encarcerada, buscava teu olhar antigo. E, também, chorei.

Num tempo mais recente, da janela senti tua presença eterna, ainda a embalar meus sonhos que voam como a nuvem que te cobre, por vezes. Essa, tão passageira como eu; e eu tão carente de tua eternidade.

Mas, eis que de repente, um novo piscar percebi. É que diante de tão antiga amizade, saudavas nossa cumplicidade.


Pois com ele foi diferente. Não foi tão cúmplice, talvez porque não pertença à noite. Quando desperta, já nos empurra pra fora da cama. Temos tanto a fazer que o olhar dificilmente repousa na sua direção, mesmo porque é tão poderoso o seu brilhar que não podemos fitá-lo por muito tempo.

Acho que perdemos a capacidade de encantamento.

O seu encontro, no horizonte, com a Mãe-Terra é encantador. É um lugar privilegiado de vê-lo, para quem cultiva olhos de buscar.

Quando isso acontece, esses olhos enxergam o que, efetivamente, ele representa: a luz poderosa que ilumina a tudo, a cor que exalta e, por detrás, a mão criadora.

Quem, além do Criador, poderia ter projetado tal corpo. Um corpo gigantesco que está firme lá naquelas alturas, diria a menininha de outrora. Que não cai de lá e que parece uma fornalha a nos esquentar, quando temos frio.

Assim como a redonda branquela te acompanha, eu também tenho te acompanhado, principalmente nos últimos tempos. Acredito que hoje precise mais do teu calor do que antes. E, também, porque não precise mais tanto daquela cúmplice, minha conhecida, quando a noite chegava.

Hoje, preciso de ti. Busco-te por onde ando. És meu elixir de saúde. Talvez, por isso, dias atrás, de uma janela, te avistei. Estavas sorrindo, triunfante, poderoso e, particularmente, enorme. Repousavas, depois de um dia de intenso trabalho. Mesmo assim, sorrias.

E eu quedei frente à janela, extasiada, maravilhada, encantada pela tua força e teu bom humor depois de um dia tão estafante.

E daquela janela, desde aquele dia, não consigo mais deixar de pensar em ti.

E porque és, assim como eu, obra do Criador, contigo quero firmar parceria, avalizada, é claro, por quem nos guia pelo infinito afora. Porque nós, ambos, precisamos desse voo guiado por ELE.

Salve nosso irmão Sol, nossa irmã Lua, nossa Mãe-Terra e nosso PAI.

Ah, leitor! Se perguntarem o que é felicidade, responda de pronto:

- São esses momentos únicos, efêmeros no instante, mas perenes na memória.



E só depende de você torná-los frequentes.




O Sol – Chimarruts



sábado, 7 de setembro de 2013

DA PÁTRIA-MÃE, DE POMBAS E DE QUERO-QUEROS


Quão minúsculo é aquele pontinho que, graças ao avanço tecnológico e às viagens siderais, pode-se, hoje, observar, quando aqui tal imagem chega!
Aquilo, pasmem, é a pátria onde vivemos, isto é, o local de nascimento da espécie humana, daquele primeiro representante chamado Homo Sapiens.
Milênios passaram-se. Cá estamos, e ela, nossa mãe, ainda minúscula, continua  frente à infinitude espacial.
E nós? Ainda mais minúsculos, porque agora somos bilhões. De uma Pré-História exterminada a uma História em que os progressos das grandes civilizações não foram suficientes para promover o bem comum a todos os povos, porque sempre calcado no poder de dominação de uns sobre outros, pretendendo perpetuarem-se, porém todas soçobrando, mais dia, menos dia.
Todos os grandes impérios, num determinado momento, desapareceram. Deixaram, porém, milhões de mortos ao longo da sua existência.
Os nossos conhecidos “ismos” de hoje, também, já claudicam, porque não se sustentam por si sós. Repousam na exploração, nos horrores, nas atrocidades, porque a natureza humana é ambivalente, não conseguindo expressar-se apenas pela grandeza, pela criação e pelo sublime.
Encontramo-nos diante de uma nova faceta: a chamada globalização.
Ela nos faz cientes dos embates que se processam em todos os cantos do planeta.
Hoje, sabemos que somos interdependentes numa intensidade infinitamente maior do que no século XVII, época em que foram constituídas as grandes companhias marítimas inglesas, francesas e holandesas, que possibilitaram, à época, as trocas com as Índias, Oriental e Ocidental.
Hoje, conhecemos a globalização da guerra, da economia e de ideias, também. Com certeza, isso não é algo positivo.
Quem sabe, porém, não sirva essa globalização para a percepção, cada vez mais próxima, da ameaça nuclear global. E isso, por sua vez, traga-nos a formação de uma consciência ecológica planetária. Está mais do que na hora de tomarmos consciência da ameaça que paira sobre a integridade do planeta.
São tantas as questões e tão multifacetado o processo cultural, a que todos os povos estão submetidos, que é difícil ver-se uma luz no fim do túnel.
Quem sabe para viver mais e melhor, devêssemos atentar para o que dizia Fernando Pessoa. Afirmava ele que em cada um de nós habita dois seres. Aquele dos devaneios, o puro, o poético, o que nasce na infância e nos acompanha para sempre e, o outro, o das aparências, aquele prosaico, aquele funcional, que é bem utilitário. Numa visão mais abrangente, teríamos a ciência e a arte se complementando.
Se pudéssemos equilibrar esses dois mundos internos, o prosaico e o poético, na classificação de Edgar Morin, talvez, digo eu, pudéssemos concentrar em nós a mesma capacidade do nosso conhecido quero-quero, isto é, a luta pela sua sobrevivência e de seus filhotes, com a poesia que nos inspira a Lua, numa relação estética com a nossa Pátria-Mãe, tornando-nos capazes de fazer retornar, a qualquer momento, os sonhos aos nossos corações, contrariamente ao que Fernando Pessoa versejou em AS POMBAS.
Pois disso é de que se está a precisar.
Precisamos manter vivos os sonhos e a Paz, que tem a pomba como ave-símbolo.
Precisamos viver mais, embora tenhamos que sobreviver.
O nosso estado poético/criança, com certeza, tem seu papel fundamental no viver pessoal, assim como no viver planetário.
Salve nossa Pátria-Mãe, a TERRA!
Terra – Caetano Veloso
Absurdo – Vanessa da Mata
A Paz – Roupa Nova
Ouça o canto do quero-quero
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Comentários via Facebook:
Excelente, professora! Estou encantada - estás cada vez melhor, mais incisiva, mais direta, mais tudo o que precisamos ler. Agora saio, mas depois volto e leio de novo e vejo vídeos de novo - amei "... os pombos voltam ao seu ninho, eles (sonhos) aos corações não voltam mais..." ai meu Deus, é tudo! Sabes pinçar os autores certos e os textos certos, professora, grande qualidade o teu trabalho. Abraço, me orgulha ser tua amiga!
Bela crônica! ..."Em cada um de nós habita dois seres." Parabéns, Soninha!!!

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

BABÁ-ELETRÔNICA



- Leco, onde estás?  Não te podes desarrumar... Hoje é o grande dia. Tua amiguinha, logo, logo vai chegar...
Era os dengues de dona Aidê. Ela e seu marido, na faixa dos cinquenta, viviam como se fossem hóspedes de Leco. Eram como estranhos naquele ninho, que mais pertencia a Leco do que a eles.
A sala da morada era praticamente de Leco. Todos os pertences, decoração e atmosfera indicavam que Leco era ali o rei.

- Filhinho, cuidado com o tapete! Não derrames nada aí.

Bah, mas que coisa! Não largam do meu pé, pensava sonolento. Às vezes, dava vontade de ser até desaforado. Que chatice! Nem namorar podia sossegado. Ficavam em cima, segurando a vela... Dessa vez, ia ser diferente. Das outras, tivera plateia o tempo todo. Que frustração! Não dera em nada. Mas, agora, já sentia no ar um cheiro diferente, um frêmito se avizinhava...

De repente, um barulho de campainha ecoa no ar.

- Calma, querido, mamãe já vai abrir a porta.

- Vilma querida, como estás? Que linda garota trazes!  Que filha mais bonita!

- Leco, querido, Laísa chegou... Veio para brincar con-ti-go...

Vilma, ao ver a cena, achou meio engraçado o cerimonial montado. De qualquer forma, adentrou na sala onde Leco, empertigado, sobre o tapete aguardava a frágil Laísa.

Vilma querida, meu menino será um verdadeiro cavalheiro. Não te preocupes.

Vilma achou tudo meio estranho, isto é, pareceu estranho o comportamento dos ditos racionais. O fato é que o marido de dona Aidê concordava com toda aquela ambientação meio kafkiana.

Feitas as apresentações, olhares, narizes e o resto, tudo em cima, restava à Vilma ir-se. E assim fez. Não sem antes observar alguns fios atravessados sobre o assoalho, próximo ao tapete, que a deixaram intrigada. Mas...

Ao fim do dia seguinte, passada a primeira noite, Vilma ligou.

- E daí, “rolou”, Aidê?

-Nada. E olha que fiquei observando a noite inteirinha, Vilma querida.

Vilma já começava a se preocupar. Por que Aidê ficara acordada a noite toda? E o seu marido? E por que só à noite deveria “rolar”?

Na segunda noite, conforme informação, o mesmo resultado. Nada... Dona Aidê fizera, de novo, plantão.

Ao fim do quarto dia, Vilma soubera pela mãe zelosa, que, em sua ausência, rolara uma verdadeira batalha. Os vizinhos assustados teriam procurado por dona Aidê, buscando informações mais precisas sobre o acontecido.

Dizem que dona Aidê, ao saber do ocorrido, teria esboçado um sorriso meio amarelado, misto de vitória e frustração. Afinal, Leco não a desapontara (já andava meio desconfiada dele), embora pudesse ter sido mais cavalheiro, poxa! Educação ela lhe dera bastante. Mas, no fundo, estava meio frustrada, pois quisera ter participado como “voyeur” de tal cena. Talvez isso pudesse reacender, no quarto ao lado, um fogo já quase apagado. Achava, sinceramente, que Euclides teria também gostado de assistir. Ou não?

O fato é que Leco recuperara sua autoestima. Sua fama, que já andava meio comprometida, graças à ausência da mãe, voltara ao que era. Bons tempos aqueles em que vagava pela redondeza, exibindo garboso passo, sedutor como só ele, passando todas no beiço, ou melhor, nos bigodes.

Isso até o dia em que foi adotado por dona Aidê. Triste dia! Dali em diante, iniciou-se seu calvário. Liberdade, nunca mais. Nem para namorar... Mas, agora, após seu desempenho, acha até que, de quando em vez, com jeitinho, poderá dar uma voltinha fora daquela horrenda sala. Que pessoa mais irracional essa dona Aidê!

Vilma, algum tempo após, recebeu por telefone votos de uma “boa hora” para Laísa, com o que teria se mostrado estupefata. A que ponto chegara dona Aidê.

A propósito... Aqueles fios esparramados pela sala eram parte de uma babá-eletrônica, para que a mamãe de Leco pudesse, a cada “miau-miau” estranho, certificar-se do que estava ocorrendo. A geringonça fora instalada de há muito. Tudo em prol do Leco.

Dizem que na noite do parto, que foi normal, segundo o veterinário, o Leco miou, miou e miou, pondo dona Aidê em polvorosa. Deve ter sido o stress de pai de 1ª viagem. Com certeza...

Ultimamente, dona Aidê tem pensado em mandar um whats de Leco para Laísa, coisa simples, só para saber da prole, novas visitinhas de fim de semana, quem sabe...

Ah! A propósito, quem sabe a Internet possa dar uma mãozinha: um acasalamento virtual e tal e coisa. Até que isso seria interessante... Acredita que Euclides adoraria.

Tem pensado nisso...

Ah, meus senhores! Que tempos estamos a viver!


Agora, assistam aos vídeos abaixo e vejam a importância de um miau e, principalmente, quantos miaus são necessários para um dueto, diferenciado, cantar, ao som de miaus, um extrato da cabaletta¹ da ária Ah, come mai non senti, cantada por Rodrigo, no 2º ato de Otello. Na realidade, o Duetto Buffo di Due Gatti, ou Dueto dos Gatos, não foi escrito por Gioacchino Antonio Rossini. É, segundo estudiosos, uma compilação escrita em 1825, com passagens retiradas de sua ópera Otello, de 1816. Seu autor acredita-se que tenha sido o compositor inglês Robert Lucas Pearsall, sob o pseudônimo de G. Berthold.

1. A Cabaletta, numa ópera, é a parte final de uma ária, onde, geralmente, observam-se movimentos alegres e virtuosos.

Miau, Miau – Floribella
Dueto dos Gatos - Um dueto diferente, baseado em ópera de Rossini