quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

SUAVE É A NOITE




Ela só podia imaginar. Qual seria a sensação de se estar em um navio, em alto-mar, sob um céu estrelado, ouvindo músicas tocadas em um acordeom. Músicas do repertório internacional, músicas do cancioneiro brasileiro, alguns clássicos.
Como seria estar deitado no convés, em pleno Atlântico, ouvindo, pelo alto-falante do navio, músicas executadas por aquela sobrinha “do peito”. O que teria sentido, naqueles momentos, seu tio Ludinho?
Era como o chamava, expressão carinhosa retirada de Ludovico, parte de seu nome. Era aquele tio, que também se tornara padrinho, quem lhe dera, na infância, inúmeros brinquedos, dentre os quais, o mais caro ao coração, aquele boneco de nome Joãozinho, em sua homenagem.
Estávamos nos idos dos anos 60. Época de sonhos e esperança de dias melhores. A adolescência é, e sempre será, época de sonhos, fantasias, seja qual for a idade do tempo.
A gravação compunha-se de três fitas cassetes (o máximo para a época) gravadas com o auxílio de um soldado “entendido em gravações”, subalterno de seu tio. Aliás, parece que o soldado teria ficado de “olho espichado”, “de asa arrastada” para a acordeonista, que nem teria percebido.
Ali, naquele momento, no dia dedicado à gravação, só cabia a emoção pelo inusitado da ocasião. Certo, já tocara em festa de colégio, em festa de igreja. Mas agora tocaria para um batalhão de homens, que seguiriam em missão de paz até a Faixa de Gaza. Era muita responsabilidade. A performance teria que ser perfeita. Aquela jovem, com toda a garra, emoção e técnica, fez o seu melhor.
Nada teria sido mais gratificante do que ser ouvida por essa plateia, em alto-mar, sob um céu estrelado, em noite de lua cheia. E foi o que exatamente aconteceu, por várias vezes, na viagem de ida e, segundo o tio, no retorno, igualmente. Mesclaram-se, assim, ao longo das audições, a nossa Aquarela do Brasil, o conhecido Brasileirinho e Pedacinhos do Céu, choros de Waldir Azevedo, sambas, blues, e Summertime, uma espécie de lullaby (canção de ninar), de George Gershwin. Também Vinicius, Tom Jobim, Cole Porter e a sua conhecida I’ve Got You Under My Skin, Suave é a Noite de Paul Francis Webster, e por aí... Um passeio musical eclético, sempre com qualidade.
Pelo que soube, posteriormente, pôde embalar os sonhos daqueles marujos de primeira viagem! Ali estava o produto de toda a emoção. Um trabalho árduo de transpor, para o mundo dos sons, toda a carga afetiva que nos faz humanos, que nos mantém o coração receptivo, que nos atinge, nos emociona, nos fertiliza, nos renova.
Com certeza, aquelas noites foram suaves, porque plenas de encantamento, instantes em que se permite que o ser “seja”, apenas. Assim, criamos a possibilidade de ser mais. E não importa se os sonhos vão-se ao amanhecer. O que importa é que foi possível, pelo menos, em algumas daquelas noites, “ser” com outros, “ser” com o OUTRO.
E é com ELE que seu tio deve estar, pois por aqui não mais se encontra.
Essa é uma saudade com toda a carga nostálgica de quem, suavemente, ainda a sente, ante o desejo impossível de renovar o momento. De qualquer maneira, é bom senti-la.
Toda a saudade, porém, deve ser tratada como uma lufada de vento de suave intensidade e de curta duração. Se não for assim, acabará gerando uma sensação de inconformidade com o devir do tempo e das coisas. Agora, para aquelas lembranças desagradáveis a receita é jogá-las no limbo, na caixa do esquecimento. É o que de melhor se pode fazer com elas.
O que se impõe é o avançar na construção de novos momentos que, logo mais ali, ensejarão outras tantas saudades. E nossa memória sairá ganhando com esse exercício constante e, se possível, criativo. Tudo ao sabor do tempo: que é inexorável.
Nesse dia 30 de janeiro, comemoremos o Dia da Saudade, que é a nostalgia dos bons momentos, ouvindo algumas músicas que fizeram sucesso no século passado.
Boa audição!
E para quem teve algum parente integrando o 13º Contingente (ou algum outro) do Batalhão Suez, acesse o link abaixo e verá o nome do seu familiar. Assim como eu, que localizei o 2º Sarg. João Ludovico Noal, meu tio Ludinho.
 Suave é a Noite (Tender is the Night) - Luiz Melodia


Suave é a Noite - Moacir Franco


Tender is the Night  - Tony Bennett


Pedacinhos do Céu - Dominguinhos


Summertime – George Gershwin



I’ve Got You Under My Skin - Ivan Lins



sábado, 25 de janeiro de 2014

DE VERDES, AMARELOS, AZUIS E DE UM OLHAR CRIANÇA


No pátio, uma pereira, uma goiabeira, um caquizeiro e uma pequena parreira. Canteiros verdes de hortaliças e um gramado, também verde, em frente à casa. Uma casa toda verde com janelas também verdes, num tom mais claro. Hortênsias verdes e rosas sob a janela do quarto da frente.
A casa, de frente para o leste, recebia o sol que por lá acordava todos os dias, pintando de amarelo vivo o que encontrava pela frente.
E os olhos? Os olhos tinham espaço para buscar o céu, muito azul, que emoldurava a tudo e a todos.
Quando a professora solicitava um desenho, o preferido era aquele que costumava encher-lhe os olhos com referenciais que dispunha ao redor. Basicamente, duas elevações de terra, totalmente verdejantes, um sol brilhante despontando por entre os dois morros, e um céu, inteiramente azul, com algumas nuvens passeando ao deus- dará, para lá e para cá. Acrescentava uma casinha ao lado direito do desenho e, vez por outra, um laguinho, onde uma criança, de costas, jogava uma pedrinha, fazendo a água romper-se em mil círculos. Pura imaginação!
As cores básicas eram sempre o verde, o amarelo e o azul, mais umas pinceladas de marrom para representar o tronco de uma árvore, estrategicamente colocada, toda verdejante, ao sopé do morro. Tudo conforme o desenho que segue abaixo.


E não se vivia no campo, não. Era numa cidade que se vivia. E essa cidade era a capital dos gaúchos.
Foi o olhar criança ou a cidade que se modificou?
O olhar infantil, curioso, perscrutador: sinto-o ainda o mesmo. Faz parte do universo pessoal construído há muito tempo atrás. Agora, a cidade, com certeza, não é mais a mesma. Mas ela possui ainda todos os principais referenciais que a fizeram conhecida e amada.
Por que não resgatar e revitalizar todos os seus principais pontos turísticos, em especial os que dizem respeito à natureza, aqueles que se encontram a céu aberto. Os que permitam que crianças de hoje possam com ela dialogar. Que a conversa não seja apenas com a máquina, com uma natureza apenas virtual.
Olhar o céu em noite de lua cheia e, naquela esfera toda branca, por entre aquelas imagens que ela nos presenteia, enxergar, em imaginação, por exemplo, uma orquestra inteirinha, com músicos tocando! Que tal? Para quem já aprendia um instrumento musical, à época, não era muito estranho respeitar silêncios, pausas que a partitura exigia e, é claro, até imaginar uma orquestra tocando na lua.
Isso não é para qualquer criança. Ela tem que habituar-se a olhar para a natureza.
E isso não é saudosismo, nem romantismo.
É simplesmente propiciar a esse ser a possibilidade de exercitar a sua sensibilidade para aquilo que o seu olhar alcança, mesmo estando tãããoooo distante o objeto do olhar, como a lua.
O que importa é exercitar a emoção/contemplação, pois serão esses momentos que continuarão a ressoar nos pequenos tempos depois, religando-os à mãe Natureza, já que a outra se terá ido.
Diante de tantos tons enegrecidos, que nos chegam pelos noticiários do mundo, fica difícil iluminar o olhar, quando, também por aqui, observa-se tanta sujeira e tanto descaso pela cidade. Temos com urgência de procurar cultivar um olhar de admiração por aquilo que nos cerca, oferecendo espaços de convivência ao ar livre, já que os espigões nos tiram a possibilidade de enxergar um pé de goiabeira num canto do pátio. E o próprio céu está cada vez mais reduzido a estreitos pedaços ao olhar de quem o busca.
E quem o busca? Acredito que apenas aquele adulto que um dia, quando criança, teve espaço físico, orientação adequada, e até, às vezes, certo tédio que o levou a despertar a imaginação, criando-se, assim, momentos de imersão em seu próprio mundo mágico. E que teve, dessa maneira, despertada a sensibilidade para o aparentemente sem sentido, como acompanhar com o dedinho a gota de chuva que escorre pela vidraça, o seu pingar suave sobre o telhado, ou a completa sinfonia da chuva com trovões e tudo mais que a acompanha.
E cá estou eu a carecer de mais verdes, amarelos e azuis.
Como estarão nossas crianças? Como estará sendo despertada a sensibilidade para o entorno? A água que bebem, a sombra da árvore, o canto do bem-te-vi e as estrelas no céu serão objeto de admiração? Pousarão o olhar, terão a atenção voltada para esses elementos circundantes? Acompanharão as nuvens com seu desenho caprichoso que vai formando figuras conhecidas nossas? A imaginação serve para isso!
Como poderão ver despertada essa sensibilidade se estão presas a uma tela, qualquer que seja ela, recebendo um pôr do sol com a sensibilidade de quem o criou, através de um aplicativo X?
Diante desse quadro, vamos, pelo menos, melhorar os espaços de que dispomos, para que nossas crianças possam acompanhar o voo e o grasnar dos nossos papagaios selvagens, ouvir o canto dos bem-te-vis, observar o voo rasante das andorinhas em final de tarde, a gota d’água que cai daquela folha, que esteve a chorar durante a noite, aquela nuvem que corre atrás da outra só para, logo ali, juntarem-se formando um desenho que cada um vai imaginar o que é. Tudo de acordo com as suas vivências e a sua própria sensibilidade. É necessário parar um pouco de clicar, para deixar a imaginação surfar sozinha, ajudando-a a construir o universo próprio de cada um.
Governantes, é imperioso cuidarmos das nossas praças, das nossas árvores, verdadeiras reservas de ar puro, de saudável convívio e de último baluarte para que se mantenham vivos os tão necessários espaços para contemplação. Tudo em prol de uma melhor convivência consigo próprio e com o outro.
Foi por isso que, ao ver a fotografia estampada no Jornal Zero Hora, dias atrás, lembrei-me dos verdes, amarelos e azuis da minha infância. Tendo a Ponte de Pedra ao fundo, encharquei-me com aquelas cores e meus olhos tornaram-se o espelho d’água refletindo todas elas, já tão minhas conhecidas.
Pois foram essas exatamente as mesmas cores que predominaram na lindíssima fotografia, reproduzida abaixo.
E Porto Alegre?
Temos que mantê-la alegre, a qualquer custo, pois esse adjetivo é o que enfeita o substantivo, assim como a cor enfeita a pintura.
E essa, nesse caso, é natural.
Que bela imagem!
Ponte de Pedra ou dos Açores
Largo dos Açorianos 
(Foto: Dani Barcellos/Especial)
Trem das Cores – Caetano Veloso
As Cores de Abril – Vinicius e Toquinho

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

COMPOSITORES POR TABELA


Talvez tenhamos chegado ao momento em que tudo anda meio misturado. Não se sabe bem, pelo sentir, em qual época do ano andamos. Seria também essa a sensação nos já distantes séculos XVII e XVIII? Impossível saber-se. Mas houve quem se atrevesse a descrever, musicalmente, as estações do ano. E, ao que parece, eram já quatro as estações do ano. O que não se sabe é se seriam como as nossas de hoje, isto é, todas misturadas, independente do período. Isso, porém, não é o que nos interessa nessa reflexão de hoje.

Interessa, isso sim, destacar a importância dada a elas por um compositor italiano de nome Antonio Lucio Vivaldi (1678-1741) que compôs a conhecida obra AS QUATRO ESTAÇÕES. Composta por quatro Concertos para Violino que retratam fatos que ocorrem durante cada estação do ano como, por exemplo, o aparecimento do gelo, ocasionando possíveis quedas.
Que sensibilidade aguçada deveria ter quem transpôs para notas musicais sensações tão diversas, que se iam modificando a cada nova estação do ano. É o estado da alma das diversas estações que ele transcreve musicalmente.
E, para tal, o violino é o instrumento que canta em todas as suas obras.
Posteriormente, usou da voz na sua música coral, onde também sua produção foi importante.
Agora, para um violino cantar, parecendo, por vezes, falar, substituindo a voz humana, seu compositor e instrumentistas tinham que ser muito bons.
Aliás, grandes artesãos, como, por exemplo, Antonio Giacomo Stradivari (1644-1737), entre outros, transformaram o violino em instrumento nobre.
A profusão de invenção melódica de Vivaldi foi, talvez, o que o tenha tornado mais popular. Por óbvio, não teve a densidade polifônica de um Bach. Porém, foi genial em invenção e em imaginação transpostas musicalmente.
Como compositor e violinista foi famoso na Europa inteira. Sua obra é extensa, sendo considerado um gênio no gênero típico da música instrumental barroca que é o Concerto Grosso, onde dois, três ou mais solistas alternam-se com a Orquestra de Câmara.
O que a nós importa, porém, é perceber a dimensão da dificuldade de transpor para notas musicais as sensações, as nuances, as emoções, o estado d’alma que cada estação do ano propicia individualmente. Daí a importância de um compositor. E ele soube sê-lo.
No seu tempo, na sua época, do lugar de onde vinha, suas raízes culturais, suas circunstâncias e vivências, foi ele representativo e figura ímpar.
Essas QUATRO ESTAÇÕES não foram qualquer coisa. Tornaram-se universais, pois perduram até hoje.
 
E as QUATRO ESTAÇÕES, nome original do samba-enredo Cântico à Natureza, da Estação Primeira de Mangueira, no Carnaval de 1955?
E lá vão 59 anos de existência do samba de autoria de Nelson Sargento, seu padrasto Alfredo e, dizem também, com a parceria de Jamelão (José Bispo).
Muitos outros belos sambas foram compostos por Nelson Sargento.
Abstenham-se de comparar composições e compositores.
Não estamos aqui para dizer que a segunda obra é “uma coisa” e a primeira, é “outra coisa”! Até porque nem poderíamos comparar música erudita com música popular.
Estamos, isso sim, a reverenciar a figura do compositor e a data de 15 de janeiro como a escolhida para homenageá-los. A figura do letrista que, às vezes, é também o compositor da música, contribui para o sentir de quem ouve. As palavras, quando bem escolhidas, só acrescentam beleza à melodia posta.
A música, porém, quando de excelência, preenche o ser humano, trazendo-lhe um melhor entender-se, pois repousa na emoção. Ela é pura harmonia e traz paz. É o caminho da luz.
Pode, também, nos fortalecer, nos energizar, restaurar, motivar, impulsionar, reequilibrar, dependendo do seu estilo, do seu movimento e também de suas letras, por que não? Quantas músicas fizeram parte da nossa infância, da juventude, de momentos felizes, de expectativas, de instantes tristes?
E os compositores, por certo, são os responsáveis pela música que nos liga à nossa essência, que é movimento e vibração. O equilíbrio entre ambos, alternando-se com o relaxar, o dormir e o acordar, chama-se viver. Tudo com os andamentos variados de moderato, andante, allegro, allegretto, allegro com brio, adágio e, quando possível, com muito scherzando: que é pura alegria, graça, rapidez e leveza. E por aí vai...
Música é, portanto, vida. É ela que nos ajuda a nos tornarmos, também nós, compositores de uma partitura rica em tons maiores, menores, dissonantes, às vezes, mas, também harmônicos, no mais das vezes, que é a nossa jornada.
Segundo John M. Ortiz, compositor, multi-instrumentista e psicólogo:
“Só pela música conseguimos ouvir o passado, desfrutar o presente e compor o futuro”.
E mais adiante:
“Quando uma peça musical é composta, reflete o mundo do compositor – seus pensamentos, emoções ou estado psicológico – naquele momento. Transpostos para a música, esses sentimentos – a tradução de uma emoção que, de outra forma, seria fugaz – vivem na composição. Mais tarde, por meio da música, não apenas conseguimos ouvir, mas, às vezes em determinados níveis, sentir as emoções sendo processadas pelo compositor sob nossa própria ótica. Captada pela imaginação e introduzida em nosso mundo auditivo, a música fica capturada como um gênio na garrafa. Quando é solta, torna-se ora nossa escrava, ora nossa soberana.” (excerto extraído do livro O Tao da Música)
 
Portanto, abra a garrafa e solte-a para ouvi-la. Escolha qualquer uma das QUATRO ESTAÇÕES, a que mais preferir.
Escolhemos a “PRIMAVERA” de Vivaldi (10’20’’), para fazer par com a outra, porque é essa estação, conforme se vê da letra do samba, a mais reverenciada, pelo que se observa no refrão.
Boa audição!
Parabéns a todos os compositores!
 
E para os que quiserem ouvir as demais estações do ano, na criação de Vivaldi, deixem o vídeo rolar, pois ele dura 42 minutos.

 
 
 
 
Four Seasons – Vivaldi
 
 
 
 
 
Cântico à Natureza (As Quatro Estações)