segunda-feira, 13 de julho de 2015

EM BUSCA DA LUZ VERDADEIRA... ESSE É O PLANO


Com a mãozinha na beira do poço, espia lá pra dentro, pra o escuro. Nada enxerga. Nem consegue ver onde é o fundo.

A imaginação continua. E se fosse o contrário? E se estivesse lá embaixo, no escuro? Ela, a luz, acenaria lá de cima, da beira, como a indicar uma rota de fuga. A sensação seria diferente.

Quem, naquela idade, gostaria de penetrar no escuro sem saber aonde iria dar aquele caminho desconhecido.

A luz, por outro lado, por mais tênue que seja e por menor o ponto iluminado, sempre indicaria uma possibilidade de encontro com algo mais promissor do que a escuridão absoluta.

Visões infantis transformadas em pensamentos amadurecidos pelo tempo.

A luz ilumina e nos afeta com a intensidade em que é projetada ou com a intensidade que nos permitimos enxergá-la.

A luz branca do poste, que ilumina o chão, será menos ou mais intensa dependendo do olhar de quem observa e, principalmente, se este olhar enxergar aquele que jaz envolto em trapos no meio-fio da calçada. Será possível colocar um pouco mais de luz neste vulto?

Se a conscientização fizer parceria com a tomada de atitude, valerá um olhar mais demorado porque ele indicará uma luz a perseguir-se: exatamente como aquela que conduz da escuridão do fundo do poço à luz que emana da sua beira.

Uma luz é o que se persegue.

Que venha do sol que ilumina o dia.

Que venha da lua que ilumina a noite.

Que venha da justiça, da igualdade e da fraternidade que iluminam a sociedade.

Que as sombras não nos pareçam reais, pois não o são. São apenas sombras.

A luz que brilha fora da caverna é a que nos deve guiar. O olhar contra a parede e a iluminação a nós imposta tem que ser subvertida. A luz que se busca é aquela capaz de abrir as mentes e tocar os corações.

A evolução do ser humano só acontecerá quando as condições para tal forem conscientizadas e buscadas por ele próprio. Pela conscientização da importância de si mesmo como espécie.

É um trabalho árduo que pressupõe a capacidade de percepção do que nos cerca: das artimanhas em que estamos envolvidos.

A globalização, até certo ponto, facilita esta conscientização, pois há inúmeros exemplos, em diversos segmentos de sociedades tão diferenciadas, que possibilitam uma observação geral do que já deu errado, do que está dando errado ou do que ainda parece ter salvação.

Tudo indica que estamos a viver de imagens fabricadas e que passamos a concebê-las como realidades. As telas transformaram-se em paredes onde depositamos o olhar opaco, já sem luz, porque a luz verdadeira está lá fora. Está no parque, nas calçadas, nos viadutos, nos pátios, no convívio, no olhar do outro.

Na caverna de Platão e mesmo na de Saramago, mais próxima a nós, temos uma luz irreal, uma luz que não nos ilumina, que não deveria fazer parte de nossa caminhada. 

A verdadeira luz é outra.

Buscá-la: deve ser o plano individual.

Expandi-la: o plano universal.

Senti-la: aquilo que nos fará evoluir.


Uma luz em que o espectro apresente todas as cores, todos os matizes, todas as variantes: assim como são constituídos os mais diversos seres humanos.

Saiamos em busca. Para tanto, exige-se muito esforço.

Esse é o plano.

Afinal, estamos a falar da nossa sobrevivência como espécie.

Não valerá a pena o esforço?



De resto, façamos como escreveu Mario Quintana: 


Ou como Nelson Cavaquinho e Elcio Soares que souberam transpor esta mesma luz na composição Juízo Final, música cantada pelo próprio Nelson, com imagens resgatadas de apresentações do artista.

Que esta luz vingue para a nossa salvação como espécie.




Nelson Cavaquinho – Juízo Final 








segunda-feira, 6 de julho de 2015

DESDE SEMPRE... NADA SERÁ COMO ANTES



Pezinhos aproximam-se, ligeirinho, do portão da rua e descem pelo caminho que leva ao pequeno armazém da esquina que vendia docinhos. Na bandeja, ao final do dia, restavam alguns farelos adocicados. Nada mais.

Tudo tão tranquilo, tão livre, tão natural.

Uma criança de tão pouca idade, nos seus cinco anos de vida, saía pelo portão para comprar docinhos.

Hoje, é absolutamente proibido tal comportamento pelo perigo real que ronda todos e tudo: não mais só as crianças.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que existiu, daquilo que foi.

Ir à escola pelos campos afora, sozinha, caminhando sem preocupação, cabelos ao vento e a pasta com os cadernos. Sem celular, porque não existia.

Hoje, impossível tal aventura diária.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que existiu, daquilo que foi.

Caminhar por ruas centrais daquela Cidade, ainda toda Sorriso, era um prazer. A jovem adulta, toda feliz, com um rubi pendurado ao pescoço, presente da avó, caminhava despreocupada com aqueles que, porventura, lhe observassem. Fossem conhecidos ou não, estivessem caminhando ao lado ou nas proximidades, isto era indiferente.

Hoje, impossível tal atitude.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que era, que tinha sido, que fora.

Deslocar-se a pé, em plena meia-noite, saindo de um show no Gigantinho e indo para casa, acompanhada pela mãe já idosa, seria isto possível?

Sim, elas e outras tantas pessoas, moradoras do bairro, percorriam ruas em plena madrugada, despreocupadamente. Todas ainda sob o impacto do belo espetáculo assistido, com os olhos ainda impregnados daquelas imagens que nos fazem vibrar por dentro, que nos enlevam. E tudo isto pela rua, rumo ao lar.

Lares cujas cercas ou muros não existiam. Onde a grama encostava na porta da frente e se estendia até o meio-fio da calçada. Sem grades, sem cercas, sem medo. Algo desconhecido hoje.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que tinha sido, daquilo que fora.

Ah! Como seria na Idade Média?

Por aqui, não sabemos.

Ainda não existíamos.

Um pouco depois, porém, já se enfrentaria a realidade do dia a dia. Pulando-se os primeiros trezentos anos, por volta de 1800, a título de passeio pela memória, com certeza existiram dificuldades. Quem sabe, incompreensíveis para a época. E a saudade dos séculos anteriores se estabelecia como consequência.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que tinha sido, daquilo que existira.

O tempo traz mudanças, mas todas, em certa medida, fizeram-se presentes em todas as épocas. O homem poderia, portanto, ir somando experiências e melhorando o seu interior no sentido de uma maior empatia com o seu semelhante. Salvaria com isto o outro que é a sua própria semelhança. Todos ganhariam. A Humanidade ganharia. A Cidade Sorriso ganharia.

E a saudade, talvez, nem tivesse assento, pois, a cada dia, seríamos melhores, mais humanos, mais civilizados.

Não sendo esta a realidade, permanece a saudade daquilo que antes era bem melhor.

E como nós humanos somos imperfeitos, a perfeição, talvez, nunca se alcance. E para sempre haja “aquela saudade” dos tempos antigos, em que parecíamos melhores do que somos hoje.

Na verdade, parece utópico perseguir-se tal caminho: o da perfeição.

Mas o que nos faz caminhar é justamente a busca pela utopia. Eduardo Galeano, escritor uruguaio recentemente falecido, estava certo. Ela serve para isso: para que não deixemos de caminhar.



E o título se comprova.

Desde sempre, nada será como antes. E os sonhos, por mais distantes que pareçam estar, servirão para que caminhemos em busca deles.

E a saudade daqueles tempos mais antigos, daqueles melhores tempos nunca cessará. Todas as mudanças geram desconforto e uma ponta de nostalgia dos tempos passados. Ainda mais quando elas dizem respeito à própria evolução do ser humano.

Portanto, enfrentemos os novos tempos, pois eles são, em essência, os mesmos velhos tempos, travestidos, porém, de modernos. E, por isso, novos para os olhares desse novo/velho homem.

Basta nascer, abrir os olhos e já preparar-se para sentir saudade do conforto que era aquele cálido berço em que se encontrava deitado o pequeno ser, até então.

Temos um esplêndido passado pela frente?
Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida.                
                                                                     (Palavras Andantes – Eduardo Galeano)

E, em cada novo tempo, a saudade estará presente, mas a esperança, que com ela faz par, será sempre um caminho que se deixa de herança, conforme versos da música Novo Tempo, parceria de Ivan Lins e Vitor Martins.

Agora, vale a leitura de dois epigramas que seguem, criações de Mario Quintana, publicadas em seu Caderno H, que mencionam, de forma jocosa, o tempo e a percepção do homem sobre a relação sua com ele.








Novo Tempo – Ivan Lins








sexta-feira, 12 de junho de 2015

ELA É PARTE DE NÓS





Todos a possuem, embora nem saibam.

Quem se interessaria por aquelas formigas, carregadinhas de folhas, levando o alimento para os seus esconderijos? Pisar sobre elas sem olhá-las é absolutamente normal. Porém, há quem, olhando a cena, dê vazão a uma perspectiva interpretativa do mundo, daquele recôndito íntimo que guarda sensibilidade e atenção e extraia da cena palavras que expressam a semelhança entre todos os seres vivos: a luta pela sobrevivência, comum a todos.

Todos possuem este instinto como também possuem um olhar possível de transcender uma cena tão insólita, irrelevante, quanto uma fila de formigas. É nessa transcendência, que alguns não exercitam, que se poderia avaliar a capacidade de percepção e de construção da palavra pensada, falada e escrita: da palavra poética.

Ela nos pertence. Apenas, alguns não acordaram para ela. O ato da Criação já é um ato de pura Poesia. E a fantasia faz parceria com a utopia para colorir uma realidade nem sempre colorida. A Poesia pode, porém, transformá-la, transformando o próprio ser em agente único com esta capacidade, porque está na gênese do ser humano pensar poeticamente. 

Portanto, ela, a Poesia nunca morrerá, enquanto um só homem existir. Ela sempre servirá para a expressão mais íntima, mais absoluta, mais necessária a este ser humano carente de respostas, abraçado por dúvidas e questionamentos. Ela sempre exercerá o seu papel de dar vazão a essa necessidade constante. Ela veio com ele para lhe dar suporte e lhe possibilitar extravasar o que, por vezes, lhe é pesado demais. Ou, quem sabe, até o que lhe transborda de felicidade e que se derrama para lhe dar novo fôlego às certezas e incertezas do dia a dia.



O poeta Affonso Ávila, detentor do Prêmio Jabuti de Literatura, mineiro de Belo Horizonte, já falecido, escreveu:


“Vejo que a poesia nunca desaparecerá. Dentro de séculos ou milênios vamos ter poesia publicada na Lua, em Marte. Por onde o homem for a poesia vai com o homem. Ela vai dentro do homem, está na gênese do homem”.


E observem como, desde jovem, é possível ter um olhar diferenciado sobre o aparentemente trivial, mas que transformado em poesia demonstra o quão importante é a capacidade de expressão poética, como seguem os exemplos abaixo, transcritos textualmente. Todos os textos poéticos foram elaborados por alunos de escolas estaduais do Rio Grande do Sul e publicados, em 2009, no livro Crianças do Rio Grande Escrevendo Histórias.













No primeiro poema, cenas aparentemente banais como a imagem de pés ressaltam a importância dos caminhos que irão percorrer, não importando qual tipo de pé esteja sendo observado. O que se impõe é saber quais caminhos serão escolhidos pelo ser humano para a sua caminhada pela vida afora. E as antíteses, figuras de linguagem de aspecto semântico, por várias vezes repetidas, demonstram que a construção poética pode surgir a partir da necessidade de expressão de opostos, elementos que nos acompanham desde tenra idade. 

Ou, ainda, no segundo poema, uma reflexão sobre a ação deletéria do homem sobre o meio ambiente, ressaltando, porém, a inabalável esperança que deve uma criança portar. Surpreende a percepção infantil de que por ser criança a esperança ainda persiste como perspectiva.

O terceiro poema traça, de forma ordenada, o desfilar de sentimentos egoístas que não apontam para um viver saudável.

E o tema da adolescência, no quarto poema, aparece como um extravasar de sentimentos numa fase da vida ainda por firmar-se, com todos os atropelos causados pelos hormônios em alta, retratando de forma até bem-humorada o seu próprio quadro de vida, valendo-se de figuras iguais a si mesmo.

É! A poesia está dentro de nós. Quando instigada, acorda e faz maravilhas.

Para os mais crescidos e que acreditam no amor cabe, hoje, Dia da Língua Portuguesa, lembrarmo-nos do poeta Luís Vaz de Camões e sua extensa produção literária. E ele soube com grande virtuosismo cantar o amor.

E como todo bom poeta a centelha que alimenta a sua expressão escrita é produto desse amor que se encontra na sua própria origem, pois a Poesia está na gênese do próprio poeta.

E quando ela faz parceria com a música, melhor ainda fica.

Exemplo dessa bela combinação fica evidente na música MONTE CASTELO do Grupo Legião Urbana, na voz de Renato Russo, onde versos de um conhecido soneto de Camões são muito bem aproveitados em letra, música e arranjo de sua autoria. O título Monte Castelo é uma referência à principal batalha ganha pela FEB durante a 2ª Guerra Mundial.



Nesta data de 10 de junho, em que se comemora o Dia da Língua Portuguesa, nada mais apropriado do que refletirmos sobre a importância dela em nosso dia a dia e, em especial, quando ela está vestida de POEMA, que é a expressão mais completa e mais reveladora do nosso eu.

O título da música, Monte Castelo, traz um claro antagonismo à mensagem da letra, pois a referida batalha é de desamor como todos os atos de guerra mantidos pela humanidade.

Em razão não só da data de 10 de junho, como também a de 12 do mesmo mês, Dia dos Namorados, vale a pena ler a bela mensagem de amor contida no soneto AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER do tão prestigiado poeta português. Nele, os oxímoros e paradoxos, figuras de linguagem de aspecto semântico, bem como as anáforas, figuras de linguagem de aspecto sintático, estão presentes enriquecendo o produto final: um belo e atual poema, com todas as incertezas e surpresas que o AMOR possibilita. E este sentimento, com certeza, é o que interessa aos apaixonados.

A leitura deste soneto de Camões é um presente da cronista para o Dia dos Namorados. 

Após, ouçam o soneto recitado por um ator português, com uma ligeira modificação no final do texto, bem como o mesmo soneto musicado e interpretado por uma dupla de cantores portugueses que conferem ao poema um ritmo, uma batida bem atual.

Para finalizar, o arranjo da música Monte Castelo com a letra do soneto de Camões interposta.









João Villaret – Amor é fogo que arde sem se ver 


Luis Represas & João Gil – Amor é fogo que arde sem se ver 


Legião Urbana – Monte Castelo