domingo, 3 de maio de 2020

JANELAS...


Aquelas enfeitadas por hortênsias que quase alcançavam os braços de quem se debruçava para ver a lua, despontando ao anoitecer. Onde estarão?

Aquelas que não conheciam as grades e podiam ser abertas e deixadas escancaradas para que o vento entrasse e, quem sabe, até um sabiá ensaiasse um voo e um canto bem próximo de olhos curiosos que ali estavam sempre à espera. Onde estarão?

E outras tantas que, abertas, esperavam aquele olhar indiscreto, mas aguardado, que buscava aquele outro olhar promissor. Onde estarão?

Aquelas que não temiam o vento e nem a chuva, porque alguém delas cuidava para mantê-las resguardadas. Onde estarão?

Ah! Janelas da infância, da adolescência...

Aquela outra que fazia companhia à menininha que aguardava a chegada do avô, tão esperado. Onde estará?

Aquela que aguardava, ansiosamente, junto à mãe zelosa, a volta da menina, aluna de escola não tão próxima. Onde estará?

Será que não mais existirão porque o tempo as desfez?

Será que a lembrança de hoje é apenas pura imaginação?

Não, a lembrança é tão audível quanto o silêncio. E ele é audível tanto quanto a liberdade de abrir-se, de par em par, para uma realidade que não é pura imaginação.

Coitadas delas!

Hoje, apenas servem para que a luz entre. Por vezes, o ar. Paira, porém, sobre elas, sem solução, as grades que as impedem de abrir-se ao mundo como antigamente.

O mundo está lá fora. O que percebem, porém, é que o motivo de ali estarem restringiu-se apenas ao cerceamento da liberdade de receberem braços que se apoiavam nelas para conversarem, namorarem ou, simplesmente, sonharem com mundos distantes que a imaginação costumava buscar.

Coitadas! Percebem o motivo que as fez menos românticas. O medo da violência que grassa é o principal motivo de tamanha tristeza para elas.

Nos últimos dias, porém, sentiram-se menos esquecidas.

Antes, seus senhores saíam à rua para sentirem-se mais libertos. Afinal, saíam apenas para desfrutar de uma praça próxima.

Agora, não se sabe por quanto tempo, sentem-se mais partícipes da vida de seus senhores. Afinal, elas têm percebido a permanência de seus donos, por mais tempo, dentro dos lares.

Elas, as grades, continuam lá. Abertas, porém, para que braços, novamente, se apoiem, conversem entre si, sintam o sol batendo na pele que, dizem, traz benefícios.

E à noite?

Bem, à noite, o ar fresco, a sombra do luar sobre a morada, o beijo repentino, pode até empolgar o vizinho ao lado.

Grades que se abrem. Janelas que respiram liberdade. Seres prontos para repensarem sonhos, atitudes, modos de convivência.

Quanto tempo durará essa imersão?

Ninguém sabe.

As janelas, despidas das grades por momentos durante o dia, por ora, agradecem.

E a menininha de outrora?

Igualmente, agradece, pois este tempo possibilitou rever aquele outro, já bem distante.

E nada melhor do que o silêncio e uma pausa, no tempo de tanta correria, para que mantenhamos a mente iluminada para as coisas que nos fazem bem, que acrescentam e que reforçam a humanidade que há em cada um de nós. Afinal, somos seres humanos e aqui estamos para conviver em harmonia. É o que se espera que esta pausa traga após findar-se.

Ah! Ia esquecendo...

E as janelas virtuais?

Jamais ultrapassarão as reais. Competirão, com certeza. Perderão este embate, pois o tempo dirá que a exaustão, a confusão e o distanciamento, entre os seres humanos, foram os vilões que as abateram.

Seres humanos necessitam de outros seres humanos presentes: ao toque, ao olhar.

As janelas agradecem a quarentena. Elas têm sentido o toque de seus donos, pois delas se usam ao apoiarem-se e, dali, lançarem a imaginação para bem longe, num tempo futuro que se imagina melhor para a humanidade.








domingo, 19 de abril de 2020

FIQUEM ATENTOS






O susto foi grande. Quis experimentar: só por imitação. Afinal, todos, que passavam por ali, faziam aquilo.

Naquele dia, aventurou-se e deu-se mal. Pensa, hoje, que a experiência foi desastrosa porque era muito pequenina. Por estar próxima ao chão, a rede foi alcançada. Nem pôde, porém, descobrir o que todos sentiam quando lá deitavam. Ao sentar-se na beirada, imediatamente, foi abraçada pela tal rede que se fechou. Aos gritos, foi retirada pelo avô que chegara naquele instante.

Esta rede servia para o descanso do avô, para seus momentos de leitura, para lembrar, com saudades, da sua história pessoal ao lado da companheira que já se fora.

Para Aninha, porém, que recém despertara apenas para a curiosidade, a experiência não foi agradável. Donde se conclui que, inúmeras vezes, somos, quando ainda inexperientes, pouco capazes de perceber os perigos que uma simples rede pode nos trazer. No caso de Aninha, algo palpável que ela, pequenina, não tinha experiência alguma para mensurar.

Ao contrário de nós que, aos trancos e barrancos, vamos aprendendo a nos proteger das mais diversas redes que nos cercam.

E elas estão espalhadas pelo globo afora. Muitas delas já direcionam nossas vidas. Claro, quando permitimos que isso aconteça. O mais grave, porém, é que nem nos apercebemos disso. Somos engolidos por elas. E são muitas e variadas.

Para que mencioná-las!

Consideremos que não são visíveis, como aquela que Aninha adentrou, por conta própria. E, como tal, abraçam-nos sem nos darmos conta. Competem entre si, especializam-se e nos atingem, cotidianamente, gerando desinformação, temor, uma quase confusão mental propícia a que nos tornemos vassalos. Claro que existem algumas poucas que nos auxiliam, até nos socorrem quando necessário.

Não esqueçamos que, presentemente, somos monitorados. Sabem onde comemos, o que compramos e o que pensamos. Direcionam, então, suas tenazes forças para que cheguem até nós os padrões que pretendem impor.

A tecnologia veio para auxiliar, para ajudar, para agilizar. No momento, até os drones, tão úteis nas emergências, estão servindo, infelizmente, para os traficantes monitorarem o deslocamento da Polícia ou, até mesmo, para entregarem celulares em presídios.

Mas voltando às redes...

Deveriam, tão somente, nos informar do que está acontecendo. A nós caberia refletir sobre o que nos é repassado, pois deveríamos ter a capacidade de análise sobre o assunto abordado, independentemente da posição assumida pelas poderosas redes.

Para tanto, far-se-ia necessário que tivéssemos uma educação mais aprimorada, que nos possibilitasse melhor avaliar os vários sentidos que uma palavra pode conter num texto, bem como o que pode gerar de dúvida, questionamento e confusão no entendimento de quem a lê ou a ouve. Caberia aqui, quem sabe, a frase, que segue abaixo, atribuída ao reconhecido escritor Monteiro Lobato:

Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê.

Verdades ou Inverdades?

Não há dúvida de que estamos sendo guiados, sem nos apercebermos, para um futuro imprevisível.

O significado de uma entrevista ou de um texto escrito devem, ambos, ser analisados sob todos os ângulos possíveis.

Caso contrário, sem análise, o viver cotidiano tornar-se-á uma aventura por demais imprevisível. E por ser tão imprevisível e desconhecido seu resultado, tais redes, e não mais aquela da varanda de Aninha, poderão nos abraçar com tal força subliminar, dificultando a nossa autossobrevivência emocional, bem como a visão racional do nosso papel como indivíduos partícipes dentro de uma sociedade.

E, com certeza, não estará presente um avô para nos socorrer. Nem seria suficiente.







domingo, 12 de abril de 2020

ENQUANTO HÁ TEMPO


Diante daquela palavra escrita em letras maiores, Aninha sentiu a quebra daquele silêncio que estava instalado em sua sala. É como se aquela palavra tivesse rompido o silêncio e reverberasse em seus ouvidos, como algo presente e perfeitamente audível. E a palavra surgira da voz de uma personagem que acabara de pedir PERDÃO, com tamanha veemência ao seu interlocutor, que Aninha, leitora contumaz, absorveu aquela súplica como algo concreto e presente.

Suspendendo a leitura, deu-se conta da força que encerra a palavra, quando bem elaborada num contexto, sendo capaz de causar tamanho impacto.

O silêncio, naquele instante, fora rompido. E qualquer palavra fica feliz quando é capaz de romper o silêncio. E o silêncio sente-se feliz ao dar passagem à companheira que dele tanto precisa: tanto na sua origem, quanto na sua verbalização.

A felicidade do silêncio é poder sentir-se audível. Isto acontece quando o escritor faz nascer suas palavras, sob a forma de textos, no silêncio dos momentos que desfruta. Também acontece quando deve existir silêncio para que o texto seja lido a uma plateia ou apenas lido pelo leitor que desfruta dele para melhor sentir a força das palavras, como aconteceu com a nossa Aninha.

No universo da palavra, ela também precisa do silêncio em dois momentos: quando é gerada e quando é lida ou ouvida.

É uma parceria que se completa a cada encontro. Ambos necessitam um do outro. E a felicidade de um é, também, a felicidade do outro.

Um fica feliz quando lhe dão passagem para ser ouvido ou quando participa do ato de criação de um texto, que necessita de reflexão para nascer.

E ela extravasa sua alegria quando é capaz de nascer para o mundo, através da reflexão de quem a busca incessantemente, fazendo uso dele para este ato.

E, duplamente feliz, quando alcança seu ouvinte ou leitor através dele: o silêncio.

O momento, por que passamos, reúne estes dois parceiros, como forma de superarmos os obstáculos a nós impostos temporariamente.

A solidão, o afastamento a que estamos submetidos trouxe o silêncio até nós. E isto possibilitou que revisássemos nossas atitudes para conosco e para com o próximo.

Temos que vê-lo como um amigo que chega para valorizar nossos momentos.

Tem servido para que reflitamos sobre como temos gerado situações de divisão em termos globais, em todos os sentidos.

Ele tem favorecido o nascimento de uma reflexão a que muitos não estão acostumados. Sendo esta sua missão maior, isto é, ser audível no ato da reflexão.

Agora, alegria maior será para ele quando ela, a palavra, após este tempo, precisar novamente dele. Ele far-se-á presente, quando chamado. Ela, então, poderá fazer nascer um novo Contrato Social que será lido sob um silêncio: sentido por todo o planeta.

Um compromisso de todos, os que o habitam, com a integridade desta Casa que nos foi ofertada, que nos acolhe e a qual devemos olhar com gratidão, com desvelo até, pois dela extraímos tudo aquilo que precisamos. 


Nada mais justo e coerente que retribuamos com posturas corretas, ações solidárias e uma universal cooperação, para que não precisemos enfrentar, num futuro, um silêncio que se poderá tornar eterno, onde as palavras não mais caibam porque se expirou o tempo para que haja um renascimento.