domingo, 18 de abril de 2021

PONTOS, CURVAS, LADEIRAS



Quantas exclamações, quantas surpresas, quantas perguntas, quantas dúvidas, quantos pensamentos escondidos sob a soma de três pontos...

A curva é logo ali à direita. Há outra à esquerda. Qual seguir?

Uma levará à ladeira abaixo. Outra, a uma íngreme ladeira. Qual escolher?

Tudo se resume a definições de rumos a tomar-se.

Quando pequena, Belinha descia uma pequena ladeira e ia, à quitanda, comprar doces.

Muito feliz, voltava com os doces.

Bem mais tarde, descia e subia ladeiras, fazia curvas no trajeto que a levava à escola.

Em um momento, porém, que não esquece, as situações apresentadas levaram-na a confiar que aqueles três pontos tinham que desaparecer, fazendo nascer uma exclamação de alívio que culminou com a certeza que aquela curva, no trajeto da caminhada, tinha que ser assumida.

Dali em diante, tudo foi sendo construído com muito esforço, obstinação, surpresa e agradecimento.

Sabemos que a tomada de decisões se faz frente a alternativas. A experiência pessoal é um ingrediente importante nesta soma de possibilidades, bem como na escolha daquela que melhor se ajusta a cada indivíduo.

Conhecer a si e ao outro é uma constante tarefa que nos possibilita escolher, quem sabe, atalhos que nos levem ao destino desejado.

Será que se precisa de estudo para isso?

Precisa-se de observação, raciocínio, lucidez e vontade de alcançar o objetivo.

Precisa-se, com certeza, do outro, de outros e da fé que chegaremos onde almejamos.

O conhecimento, através do estudo, sem dúvida, fará diferença.

Dependendo do que se pretende alcançar, ele será um facilitador.

Todos, porém, independente das condições pessoais na escala social, têm possibilidade de abandonar aquela marquise onde têm morada.

Na crônica anterior a esta, deixamos a pergunta:

- Para que catadores?

Este, sem dúvida, é o primeiro degrau numa escala a ser assumida pelo morador da marquise. O degrau seguinte, para todos os que ainda estão chegando à fase adulta, é a educação pública de qualidade, fornecida pelo governante do momento, tornando-se esta atitude uma obrigação constitucional.

Como continuar convivendo com cenas deploráveis de seres humanos “chapados”, urinando junto aos contêineres, dormindo ao relento... Cabem, aqui, todas as reticências possíveis.

Para que servem as Constituições?

Para preservar e garantir direitos aos cidadãos. E todos nós, indistintamente, somos cidadãos.

O estudo obrigatório de qualidade, pelo menos no 1° Grau, e o Ensino Médio em alguma área técnica, entregaria à sociedade indivíduos aptos a várias atividades laborais.

E a percepção de que se tem capacidade para ser aproveitado em algum posto de trabalho geraria confiança e a autoestima nasceria de imediato.

Seria isto “sonhar”?

Creio, firmemente, que podemos voltar a este modelo, pois ele já esteve presente entre nós.

Não se constrói uma sociedade mais igualitária sem o comprometimento da sociedade como um todo: governantes e governados.

Temos que perceber que estamos em “derrocada”.

É hora de subirmos a ladeira do conhecimento e fazermos todas as curvas necessárias para que lá cheguemos.

Com certeza, lá, nos aguardará a exclamação de alívio:

- Conseguimos!

Estaremos iniciando um novo momento, que a todos beneficiará. E o resgate desses “cidadãos das marquises” será a vitória de nossa sociedade como um todo.

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 30 de março de 2021

QUE IMAGENS!


Aos olhos desta observadora, que ora escreve, esta exclamação causa desalento, tristeza e indignação.

Uma exclamação que, algumas décadas atrás, causaria encantamento, um toque de beleza ao conjunto do entorno.

Um gramado verde num jardim em que as hortênsias tinham um lugar privilegiado.

Uma praça próxima cujo verde era a cor que se destacava em meio a bancos.

Ao abrir-se a janela, a imagem oferecida era do céu, do jardim, da praça e das casas dos vizinhos mais próximos.

Não estávamos em um bairro nobre da cidade. Estávamos em uma vila: a Vila Ipiranga.

Por suas ruas destacava-se o calçamento muito bem assentado, a inexistência de depósitos de lixo e um sopro do vento matutino a brindar os passantes que se deslocavam desde o amanhecer.

Quando era o dia de resplandecer um brilho maior, o Sol aparecia despejando alegria a todos aqueles que o observavam.

Uma vila planejada pela reconhecida Urbanizadora Benno Mentz.

As ruas eram, periodicamente, visitadas por equipes enviadas pela Urbanizadora. O lixo era acondicionado em sacos pelos moradores e colocado em frente à residência. Equipes da Prefeitura recolhiam o lixo a cada três dias.

Que época!

Esta é uma exclamação de aplauso àquela época e seus gestores.

Com certeza, também, era uma época de reconhecimento à excelência de uma educação pública com reconhecidos e respeitados professores em todas as áreas de ensino.

E as imagens com as quais, hoje, somos brindados todas as manhãs?

Ao abrirem as janelas, muitos munícipes receberão o impacto de uma sujeira que já se instalou, definitivamente, em nosso dia a dia.

Ela revela o nível de educação e cultura que, atualmente, apresenta-se a quem se detém a observar estas imagens, tornadas corriqueiras.

Um equipamento que veio para auxiliar no trato com o lixo caseiro, mas que expõe sua inutilidade frente ao que se observa diariamente.

Há algum tempo, tínhamos a retirada desse lixo por equipes do DMLU. Tudo se resolvia de forma limpa e efetiva.

Hoje, todo o tipo de lixo é colocado nesses contêineres.

O que é coleta seletiva?

Para que equipes do DMLU continuam buscando o lixo seco ou inorgânico?

Pelo que se observa, tudo é despejado, por todos, nos contêineres.

Ah! E o melhor vem agora...

Há quem entre para dentro dos contêineres e de lá jogue para fora o que vai levar e, também, aquilo que, depois, desiste de levar, deixando tudo para fora do contêiner.

Estes contêineres são equipamentos para uso em comunidades afeitas ao cumprimento de práticas que visam à limpeza das ruas, bem como a um convívio saudável entre os seus moradores.

Ruas conhecidas, de bairros conhecidos, estão entregues à sujeira espalhada em torno desses equipamentos.

A minha Porto Alegre apresenta, hoje, uma imagem visível, por onde encontrarmos estes equipamentos, da sujeira depositada no seu entorno, que se espalha pela rua e, inclusive, pelas próprias calçadas.

Abrir uma janela de frente para a rua, ao amanhecer, é deparar-se com estas novas imagens que só trazem tristeza e desalento para os olhos de quem vê-se diante deste quadro.

A exclamação do título é de absoluta indignação e tristeza.

Neste aniversário de seus 149 anos, gostaria de relembrar um pequeno poema, inserido na crônica CONTINUA SORRINDO, publicada em 22/05/19, cujo título é DESEJO.



Que bom se pudéssemos voltar no tempo e o órgão competente, em dias programados, levaria o lixo seco e o orgânico, depositados pelos próprios moradores em frente às suas residências e retirados por diligentes funcionários, encaminhando tais resíduos para locais previamente adaptados ou construídos para a destinação final. Quem sabe, um dia, ainda possamos abrir a janela e mergulharmos o olhar na árvore que é visitada pelos passarinhos da região e colorirmos o olhar com as flores do jacarandá rosa que enfeitam a calçada, que mais lindas ainda parecem, sob o brilho do sol que banha tudo e todos.

Ou, quem sabe, consigamos, um dia, alcançar um grau de excelência na cultura do convívio em sociedade, onde regras sejam respeitadas.

Para que catadores?

As escolas públicas, nos moldes de décadas passadas, transformariam o futuro destino desses jovens a exercerem atividades mais produtivas, dignas, restabelecendo-se, dessa forma, a importância da educação nesse processo de socialização em prol da cultura de um povo.

Que possamos abrir as janelas e ver a árvore que nos brinda com seu verde, já iluminado pelos raios do Sol que passeiam por entre os seus ramos.

Será puro sonho?

Mario Quintana deixou escrito:

Viver é buscar nas pequenas coisas um grande motivo para ser feliz.

Então, iluminar nosso olhar com imagens, que nos transmitam beleza, paz e a expectativa de que cada amanhecer trará a promessa de um dia melhor para si e para os seus, é de grande valia para cada um de nós que abre a sua janela da casa, bem como aquela outra. Aquela que garante a nossa saúde física, mental e emocional ao cultivar boas imagens e bons pensamentos. Estas imagens, sim, merecem um sinal de exclamação que passa encantamento e esperança em cada amanhecer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 23 de março de 2021

DEIXE-SE ABRAÇAR...


Naquele galpão, Belinha ouvia os barulhos que ela própria fazia preparando a comidinha para a Mariazinha, sua boneca preferida.

O silêncio fazia parte da rotina dessa menina. Vivia pelo pátio, pelo jardim, espiando embaixo da casa e junto às árvores frutíferas.

Este silêncio era rompido pelo cantar dos bem-te-vis, dos quero-queros e de outros pássaros cujos cantos enfeitavam aquele silêncio habitual.

Acredito que esta menina, a partir deste cotidiano “silencioso”, adestrou sua audição a ouvir sons mínimos, mesmo vindos de longe.

Hoje, reconhece que o silêncio é audível e necessário para o refletir sobre tudo que a cerca.

Com ele pode-se dar asas à imaginação.

Ele permite que pousemos o olhar sobre uma tela e possamos absorver suas nuances, o significado do traçado escolhido, a expressão facial de uma figura humana. Enfim, com ele é possível olhar para uma imagem e sobre ela refletir, aflorando nossa sensibilidade à apreciação do belo.

A partir dele, também, podemos apreciar, de olhos bem abertos, o céu que nos cobre, percebendo quão pequenos somos. Imaginar e sonhar são propiciados pelo silêncio, também.

Os sonhos de Belinha eram sustentados pelo silêncio. E sua imaginação construía, então, cenários possíveis que transformariam, num futuro ainda distante, aquele galpão em um lugar mais acolhedor para uma convivência mais real e fraterna. Sua Mariazinha cresceu e representou todas aquelas pessoas com as quais conviveu por muito tempo.

Dessa forma, o silêncio, que nos acompanha, é um bem maior, pois possibilita que percebamos outros tantos bens que são importantes e que fazem parte do nosso dia a dia.

O silêncio permite que ouçamos a Sinfonia nº 40 em Sol Menor, o conhecido 1° Movimento, Molto Allegro, de Mozart, sem interrupções.

O silêncio permite que troquemos ideias com a amiga que veio nos visitar.

O silêncio, que nos permite orar, é também aquele em que ouvimos nosso próprio choro, oportunizando um refletir sobre quais motivos nos levaram a este momento.

O silêncio, que precede um beijo apaixonado, será sempre lembrado.

Aquele silêncio, imediatamente anterior ao primeiro choro do ser que acaba de nascer, é inesquecível.

O silêncio recebe, também, aquele teu conhecido visitante que vem te cumprimentar todas as manhãs em tua janela, cantando: bem-te-vi!

O silêncio permite que leias aquele poema que transborda palavras sonoramente ajustadas, fazendo dele, o silêncio, um ingrediente necessário para um sentir d’alma reconfortada.

O silêncio faz parte de nós desde antes do nascimento até o depois do apagar das luzes.

Deve ser curtido, porém, durante a nossa caminhada, pois traz inúmeros benefícios.

Serve para refletirmos sobre nossos comportamentos frente a insultos, inveja, mas, também, diante das saudações e ao apreço dos amigos, bem como às expressões de amor dos nossos entes queridos.

Sem dúvida, o silêncio pressupõe um tanto de solidão. Não muito! Basta deixar o celular off line por algum tempo.

Se tiver à disposição uma paisagem, melhor ainda. Nada sofisticado. Pode ser um fundo de quintal, uma área da qual se possa enxergar o céu.

Ah! O céu! Quantas imagens, quantos matizes diferentes, quantos tesouros escondidos nos reserva. Basta que tenhamos ou cultivemos a capacidade de sonhar. Isso vai nos alimentar com pensamentos criativos que colaboram para um bem viver consigo e com os demais.

Aos escritores e aos poetas, em especial, o silêncio possibilita a imaginação navegar por entre aquelas nuvens e, com criatividade, repassar ao leitor toda a sua emoção.

O poeta sabe como fazê-lo. A palavra poética é um remédio para a alma.

E o poeta precisa do silêncio.

Portanto, siga a receita em que o silêncio é um importante ingrediente.

O resto virá: seja você poeta ou não.

Não o temas.

Assim, deixe-se abraçar pelo SILÊNCIO.