domingo, 29 de março de 2020

UM SÍMBOLO



O poder, a glória, a nobreza e a beleza são todos atributos cujo símbolo é um só: a coroa.

Ela poderá ser leve, pesada, mais confortável ou não. Seu detentor, porém, jamais reclamará, pois é um objeto tão valioso para a autoestima de quem o sustenta. Seu tempo de duração acompanha o tempo do portador. Outros detentores suceder-se-ão na roda do tempo. Nem tudo, porém, resume-se a isto.

Houve outra que foi dolorosa e que é única. Não houve sucessores. E seu tempo de duração é eterno, porque eterno é seu portador.

Sua mensagem?

Revela puro amor e não poder. Amor para com o outro, para com os outros, para com todos.

Foi crivada de espinhos, por isso demais dolorosa.

Quem a suportou: deu a vida. Não apenas um tempo da vida do portador, como as demais coroas que, por aqui, ainda resistem.

Quando se dá a vida, o ato eterniza-se. E foi o que aconteceu.

Entre a cruz e a espada é como se encontram os habitantes desse solo planetário.

A espada?

Uma coroa que trouxe a morte.

A cruz?

Aquele símbolo de eterno amor que, presentemente, os habitantes deste planeta buscam em fervorosas orações.

Como não emocionar-se ao vermos os seres desse planeta, ao que parece, mais unidos pelo temor da morte que não distingue tipos de coroa.

Esta coroa veio para que todos reflitam sobre os desatinos que têm sido cometidos contra a Natureza existente neste planeta, contra todos os seres vivos que aqui habitam.

É uma minúscula coroa com uma força abissal.

Talvez, sua origem tenha sido arquitetada por alguns poucos seres destituídos de humanidade, que se locupletariam com seu resultado.

De qualquer sorte, está servindo para a humanidade refletir sobre suas ações nefastas uns contra os outros e contra o planeta.

Agora, como diz o conhecido samba:

Desesperar Jamais!

Enquanto estamos quietos, a Terra, durante este período, está em processo de cura.

E nós?

Resta-nos segui-LO, conforme diz a letra que acompanha o vídeo que segue.

E, claro, adotarmos uma conscientização sobre os problemas que afetam a CASA que nos acolhe e, nesta medida, exigirmos posturas dignas, conscientes e proativas de novas políticas socioambientais.

E o símbolo? Serviu para acordarmos.





I Will Follow Him (legendado)








domingo, 8 de março de 2020

O RESGATE


De repente, acorda banhada em suor. A origem de tanto terror vai-se lentamente. Percebe que está na sua cama. Estivera sonhando. Com os pensamentos ainda meio embaralhados, respira mais tranquila. Fora um sonho, nada mais. Esse resgate, do qual foi protagonista, ainda restaria por muito tempo a assombrá-la. E se ele houvesse fracassado? Se, naquela manhã, as peças envolvidas não se tivessem encaixado? Se surgisse algum contratempo? Se o chefe da família tivesse retornado ao lar, por qualquer motivo? Nada poderia dar errado. E, de fato, não deu.

Segundo relato da mãe, a partir do quinto dia de união, pelo casamento, começara um verdadeiro calvário. Beatriz acreditava na mãe. Não tinha motivo para desacreditar. Passara com ela, até aquela manhã, vários momentos traumáticos. E, porque não dizer, um cotidiano de sobressaltos que para sua mãe se arrastou por trinta e poucos anos. Na verdade, viviam sob o tacão de um tirano.

Para que se pudesse romper aquela situação instalada por anos a fio, somente um plano bem elaborado, meticulosamente arquitetado, poderia ser exitoso. A decisão fora tomada após o convívio ter-se tornado insuportável. O diálogo era impensável. As condições psicológicas a que estavam submetidas, há vários anos, reforçavam a ideia de que só havia uma saída. Em prol da sobrevivência física e mental de ambas, a fuga foi traçada.

Nos meses anteriores, os detalhes foram repassados, as devidas cautelas tomadas e os contatos preparados. Pequena quantia em dinheiro também foi guardada. Até uma novena foi rezada para que tudo desse certo. Como dizia sua mãe:

- Um dia, tudo iria terminar.

E foi o que aconteceu naquela manhã, já remota no tempo.

Beatriz saíra para fazer o vestibular. Era o combinado. Porém, fora encontrar-se com o tio. Diante do pedido já aguardado, ele apenas sinalizou sua concordância, aceitando acolhê-las: sua irmã e Beatriz, sua sobrinha e afilhada.

Os momentos que se sucederam foram de absoluta tensão, numa corrida contra o tempo, sob a sombra do medo e do imprevisível: sempre possível.

Beatriz, à frente, sozinha, tomou, passo a passo, as medidas que a ela, do alto de sua recém-completada maioridade, pareceram necessárias naquele momento.

Arranjou um pequeno caminhãozinho que carregaria alguns pertences. Aboletou-se na cabine com o motorista e rumou para o local do resgate. Antes, porém, passou na delegacia do bairro, onde pediu auxílio de uma viatura que a acompanhasse para qualquer eventualidade. Foi atendida prontamente.

Os vizinhos que assistiram à cena da chegada do caminhão e da viatura não conseguiam compreender o que estava acontecendo. E assim permaneceram. Para que revelar detalhes, agora, se nunca antes tinham tido eles qualquer participação. Quando um deles adiantou-se para saber o que determinara tal atitude, aparentando interesse, não obteve resposta.

Do local, foram retirados apenas um pequeno refrigerador, uma velha máquina de costura Singer, uma pequena máquina de escrever, semiportátil, Remington, uma cama de solteiro, um pequeno roupeiro, livros e roupas.

Aquele local, um bangalô tão ajeitado, com carro na garagem, com um jardim florido, com bastante conforto, ficou praticamente intacto. Nas janelas, cortinas penduradas atestavam o zelo de quem as cuidava. No jardim, uma gruta, construída pela mãe, guardava a imagem de Nossa Senhora Aparecida. De lá, a Madona a tudo assistiu.

Sobre a mesa da cozinha, ficou servida a última refeição: um prato de aveia, tão ao gosto do chefe da família.

Ainda, para encerrar esse penoso convívio, uma carta, escrita pela filha, foi deixada sobre a mesa da sala.

Das chaves Beatriz não lembra bem. Parece que foram colocadas sob o tapete da porta de entrada. O portão com o vento fechou-se sozinho.

A Madona parecia sorrir, é o que lembra Beatriz.

Completava-se o resgate de duas vidas.





Nota: Uma homenagem a todas as mulheres que ousam libertar-se do jugo machista que, quando imposto, causa tanto sofrimento.





Observação: Conto selecionado que integrou a Antologia Literária TODAS AS MULHERES DO MUNDO, publicada pela Editora Litteris do Rio de Janeiro, no ano de 2017, em comemoração ao Dia da Mulher.