quinta-feira, 28 de agosto de 2008

 

PODE?

Parece invenção. Mas a cena existiu. Foi vista por algumas pessoas. As que passavam pelo local e, principalmente, as que tiveram a oportunidade de observá-la das janelas de seus apartamentos, acompanhando o filme por inteiro. Puderam, com certeza, observar algo inusitado.

Em cena, um orelhão. Coitado, todo pichado. Mas ali, firme, funcionando. Toda a sorte de vandalismo já sofrera o infeliz. Desta vez, porém, foi demais.

Enganaram, tripudiaram. E foram embora, como se nada tivesse acontecido. Quem observou a cena, teve vontade de levar uma palavra de consolo ao orelhão.

Pois não passa pela cabeça de alguém que três marmanjos possam fazer algo assim.

Três homens, vestindo jalecos brancos com uma faixa laranja, aproximam-se. Um deles traz uma vasilha pequena e um pano na mão. Outro, segura uma latinha com um pincel. E o terceiro apenas acompanha os outros dois. Muito descontraídos, conversam e ensaiam um sambinha, batendo, vez por outra, com o pincel na latinha.

De repente: mãos à obra.

O cara da vasilha parece molhar o pano. Digo parece porque a quantia de água deve ser pouca, dado o tamanho do recipiente.

Com esse pano, também pequeno, o indivíduo começa a fazer cócegas na orelha, por fora, pretendendo limpar as manchas que ali existem. Eu diria que a vontade de limpar passava longe dali. Escovar, esfregar e lavar não estavam nos planos.

Enquanto isso, os outros dois apenas tamborilam um sambinha. Porque é muito chato, convenhamos, ficar parado sem fazer nada.

De vez em quando, passa uma gostosa. Daí, o ti-ti-ti aumenta. E como riem!

Quando o cara da limpeza deu por terminado o serviço, que, diga-se de passagem, não durou mais do que uns dois minutos, entrou em atividade o homem da latinha e do pincel. Daí, sim, foi a pá de cal na esperança que a pobre orelha ainda tinha.

O cara do pincel mergulhou o dito dentro da latinha, como se fosse iniciar uma sessão de pintura pra valer. A tal latinha era uma só, bem pequena, e a tinta era branca.

Quem assistia, pensou: ele vai pintar só a parte branca. A outra metade verde deve ficar para outro dia.

Pois nem isso aconteceu. Este indivíduo deu cinco ou seis pinceladas na metade da parte branca (uns quinze centímetros), de um dos lados da orelha. Deu mais umas duas ou três pinceladas no ar, enquanto passava outra gostosa, pois seu olhar acompanhou o balanço da mina, perdendo a mira do pincel. Enquanto isso, os outros dois cantarolavam, cochichavam, tamborilavam na latinha d’água. Uma festa!

E assim como chegaram, foram-se: cantarolando. Deram por encerrado o serviço. Pode?

O coitado do orelhão sentiu-se humilhado. Desse jeito são preferíveis os pichadores! Eles vêm, sorrateiramente, ou nem tanto, e trabalham com afinco, com ousadia, colocando desenhos, garatujas, símbolos, de tudo um pouco. Demonstram interesse pelo objeto trabalhado.

Agora, ser tratado com tanta displicência, com tanto desinteresse... Ele não merecia isso. Nem nós, contribuintes. Sem identificação, fica difícil descobrir de onde vieram esses “cotonetes de orelhão”. Mas, quando se descobrir, talvez a empresa que os contrata possa homenageá-los, concedendo-lhes uma placa com os seguintes dizeres:

“Nem tudo aquilo que parece é”. Pois é! Eles parecem ser "os caras da limpeza". Na verdade, são "os caras da enganação". Enganam todo mundo...

Mas como a coisa anda mais pra enganação, eles, "os caras", são “da hora”. Tá ligado?

Então, deixem os rapazes continuar nesse circo de...
“Deixa a vida me levar,
Vida, leva eu...
Deixa a vida me levar,
Vida, leva eu...
Deixa a vida me levar,
Vida, leva eu...
Sou feliz e agradeço
Pela grana que não mereço".


sábado, 23 de agosto de 2008


 

O GRITO DE VALENTIA

Pois o ti-ti-ti já era grande na Casa. Quem diria que Madame seria homenageada! É claro que suas meninas, há anos, esforçavam-se tanto... Quase uma década de trabalhos prestados. Um serviço relevante, de grande utilidade à comunidade.

Imagine-se aquela cidade, próspera, sem um entretenimento à altura de seus próceres. E quantos próceres havia por lá! Madame merecia: as meninas, mais ainda.

A notícia, como um rastilho, espalhou-se pela cidade, causando estrépito. Há quem esbravejasse em favor das famílias ali residentes, levantando bandeiras contra a dissolução dos costumes. Outros, a tudo assistiam constrangidos, estupefatos.

Quem diria! A dona daquela Casa ser homenageada!

Em meio a isso, os frequentadores, acobertados de falsa surpresa e esbanjando hipocrisia, esfregavam as mãos por conseguirem um aval para suas luxúrias. Afinal, todos agora, publicamente, reconheciam os serviços relevantes prestados pela Casa. Eram os representantes do povo que haviam votado a favor daquela homenagem.

Assim, os momentos de descontração, ou "desconcentração", como se lê no ofício encaminhado pelo vereador proponente da moção, estariam plenamente justificados.

E ao que se sabe pela manifestação de uma funcionária, que se disse frequentadora, indo lá tomar "uma cerveja" de vez em quando, e que não quis identificar-se, o lugar, antes mesmo da homenagem, estava ungido pelo incenso das melhores intenções. Doravante, os necessitados poderão se desafogar dos estresses do dia a dia, das pelejas nas votações de interesse da comunidade, da chatice de pareceres e relatórios que não se sabe bem para o que servem, e de todo um trabalho burocrático. Tudo isso, com certeza, dá muito trabalho, convenhamos.

Agora, ficará tudo muito mais visível, mais transparente. A comunidade pode ter certeza que verá seus representantes mais felizes: todos mais aptos, inclusive, para o trabalho. Votarão, de ora em diante, matérias relevantes, tipo essa, com mais empenho. Tudo em prol do bem-estar da comunidade.

Portanto, quem acha que esses representantes foram bobos ao conceder tal homenagem, enganou-se. Eles foram muito valentes. Os frequentadores da tal Casa não mais precisam de subterfúgios. Suas mulheres que fiquem sabendo: eles frequentam tal lugar, que presta um serviço de utilidade pública. E ponto final.

Com todas essas, cochicham que, semana passada, uma china experiente, chegou à cidade, vinda das bandas do Uruguai. E que entrou com um pedido, junto a Prefeitura, para abrir uma Casa, de classe, só com jovens sarados. As sessões serão às 4ªs e 6ªs feiras. A tal frequentadora deve trocar de endereço. Espera-se que a audiência seja preferentemente feminina. É a proposta. Mas, nunca se sabe...Têm sempre aqueles que não aderiram à Casa homenageada. Vai saber...
Pois é... A comunidade não merecia isso!