domingo, 31 de março de 2019

DORMIR? DESCANSAR?



Em berço esplêndido?

Nem no ventre materno, há mais segurança de um sono tranquilo, livre de sobressaltos e do próprio apagar de uma história que nem começou a existir.

Para aqueles que aqui já estão, porém, as coisas parecem seguir o rumo do absurdo. O tempo do dormir acabou-se para todos que, por infelicidade, residem próximo a barragens.

Como poderão dormir de forma tranquila, sossegada, sob a ameaça diuturna de tragédias previamente anunciadas.

Submeter as comunidades a um treinamento para escapar, por rotas de fuga, da avalanche que os dizimará em poucas horas.

Será esta a solução?

O direito ao sono é um direito inerente a qualquer ser humano. Nem é preciso ser consagrado na Constituição do país. Ele é negado, porém, por empresas, pois seus projetos, por economia, não se assentaram em bases sólidas que impedissem tragédias previsíveis.

Como dormir sob a possibilidade latente de uma sirena tocar a qualquer instante?

A que ponto chegou-se!

Comunidades inteiras serem colocadas sob-risco constante.

Isto é inominável.

Mais incompreensível ainda é a medida tomada pelos órgãos competentes de treinar a população para evacuação rápida em rompimento iminente.

Suspender o funcionamento nefasto dessas barragens, até que uma solução fosse encontrada, seria o caminho correto que o Estado deveria impor.

Se muitos desses lugares estavam sobrevivendo à custa do turismo, quem mais irá se expor em visitas a lugares antes bastante aprazíveis?

A cidade de Ouro Preto, inclusive, está sob-risco. E todo o patrimônio cultural, histórico e artístico daquela região como estará protegido?

É inacreditável que ainda mantenham tais barragens em funcionamento.

Deitados, sob a ameaça de um tocar de sirena, sem adormecer sob a luz de um céu profundo, com certeza, não fulguras, ó meu Brasil, tão mais iluminado, como dantes, ao sol do novo mundo.

O trecho, modificado do nosso Hino Nacional, dá-nos a sensação de que algo, de muito errado, está acontecendo.

E parece que estamos de mãos atadas.

Como calar?

Como silenciar?

Uma sirena, quando surge, é para salvar, retirar, apagar. Ela vem trazendo a solução para aquele que dela precisa.

Esta sirena “atual” apenas avisa.

Cada um que se vire do jeito que puder. Que carregue seus bens pessoais ou não; que carregue seus filhos, suas crianças, seus animais de estimação. O resto ficará para ser consumido, inclusive a esperança de poder recuperar o que lhe pertence, o que faz parte da história pessoal de cada um dos sobreviventes.

A rota de fuga é para salvar os corpos apenas.

Corram, porque é o que resta fazer.

Os sentimentos estarão para sempre envoltos numa lama que se sedimentará, dificultando um renascer.

Aguardemos que “Nossa Vida”, no teu seio, “Pátria Amada”, ainda possa ter mais vida, renascendo novamente.

Está difícil, porém, diante de tanta omissão.

Espera-se que a Justiça, com sua clava forte, cumpra o papel de defesa dos direitos individuais dos cidadãos de irem e virem, de proteção de seus bens patrimoniais e de terem suas vidas preservadas. 

É o que resta.












segunda-feira, 18 de março de 2019

UMA PAUSA...



Uma euforia tomou conta de todos. De repente, parece que foi ontem. Novamente, uma necessária pausa instalou-se.

Quem não precisa de uma pausa?

O Carnaval existe para isso.

Uma pausa para esquecer, para cantar, para requebrar, para deixar levar-se pelos variados ritmos que nos identificam como um povo alegre e festeiro.

Multidões dançando e cantando ao som de ritmos bem nossos. O Carnaval de rua, cada vez mais, recupera sua importância. Um cantor levando multidões a cantar, a acompanhar o ritmo com o próprio corpo, com as mãos, com os pés.

Parece que não é mais suficiente assistir, de uma arquibancada, ao desfile de sua escola de samba.

Não! Decididamente, não!

É preciso pular, dançar. Ter ao lado outro igual a si. Fazer par.

Uma pausa para o virtual. Pular ao lado de outro, ouvir sua voz, fazer evolução para encantar a si e ao outro. Uma pausa para o encantamento. Uma pausa para o esquecimento.

Como encantar-se sendo cercado por tantos problemas?

Não é para qualquer um.

É uma possibilidade, porém, para um cidadão brasileiro. Neste sentido, somos privilegiados. Criatividade é conosco. Isto traz junto uma capacidade de superação frente aos problemas cotidianos.

Uma pausa, portanto, é necessária, é desejável, é aguardada durante um ano inteiro. E, depois de instalada, quem quer voltar?

Haja fôlego para tanto gingar, tanto pular, tanto cantar...

Ah! Quanta diversidade, tantos Brasis, mas somos todos brasileiros. Que sorte!

A nossa pausa anual reforça esta nossa característica, que é única: a alegria. A alegria de conseguirmos extrair tanto de uma única pausa anual.

É uma lástima que um povo tão criativo e alegre não tenha a sorte de possuir governantes a sua altura.

Somos trabalhadores, sim. Não somos vagabundos. Aquele cidadão, já idoso, continua a passar assobiando, todas as manhãs, pela minha rua. Puxa um carrinho com materiais recolhidos pelo bairro. Descarrega o conteúdo em um depósito que o encaminha para uma firma de reciclagem. Ele faz parte da história de meu bairro.

Assim, também, o Carnaval faz parte da história e da cultura brasileira.

Através dos sambas-enredos de nossas escolas de samba, a história desse país é recontada. Por vezes, mais real e verdadeira. Mesmo estando sob o manto da beleza, não é suficiente para encobrir os momentos mais dramáticos. Mesmo querendo denunciar fatos, situações e tragédias anunciadas, este povo consegue revestir com suavidade e beleza o que, num primeiro impacto, foi chocante e dilacerador.

Que belo povo!

Oxalá, consigamos manter pausas que nos aliviem e, ao mesmo tempo, nos unam para o desfrute de momentos alegres e criativos.

Afinal, pausas servem para que as emoções aflorem. E nós, seres humanos, somos por elas constituídos.

E é bom quando podemos demonstrá-las de forma criativa e agregadora.

Desejar mais o quê?

Que nossas pausas sejam mais de encantamento do que de alívio. Que oportunizem atos criativos ao invés de apenas serem momentos de descompressão. Que as mãos encontrem outras para o cumprimento afetivo e de solidariedade. Que as pausas deste tipo sejam permanentes em cada encontro.

Que o olhar perdido, no azul do céu, seja uma pausa em nosso viver diário. E que, mesmo sob chuva intensa, enxerguemos, através da vidraça, a importância dela como equilíbrio da Natureza e como espelho que representa nossas próprias lágrimas.

Acredito, firmemente, que o ano, que nos separa desta pausa tão aguardada, seja preenchido por encontros que nos aproximem mais de movimentos culturais que, também, são momentos de ruptura com os males que nos afligem, pois o horizonte se amplia nos possibilitando sonhar.

Afinal, o nosso Machado de Assis, afirmava que “a arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal”. (livro “Iaiá Garcia”, Editora Ática, SP, 1998)

Acredito que a cultura, num sentido amplo, é a mola propulsora para a melhora pessoal e da sociedade que nos cerca. Que mais pausas surjam para que exercitemos o poder de reflexão, pois somente dessa forma sairemos do atoleiro em que nos encontramos.