terça-feira, 20 de dezembro de 2011











UM NOVO ANO

Que 2012 nasça tal qual cada um de nós: em meio a muita expectativa e augúrios de felicidade.

De vida curta, é verdade, apenas doze meses, mas que podem trazer plenas realizações a quem se dispuser a enfrentar os percalços que, porventura, surgirem nesse intrincado labirinto que é a nossa vida: dia a dia, mês a mês, ano a ano.

Afinal, essa vida breve é imprescindível para que alcancemos um novo ano, ao findar este.

Todos são breves, são de curta existência. Ai de nós, porém, se não contássemos com esse vaivém, com esse apagar-se e acender-se. Tudo apenas para efeitos de contagem, para que não nos percamos num turbilhão inexplicável, dada a nossa pequenez.

Um tempo perene... Uma luz eterna...

Depositemos nessa luz nossa fé, nossa esperança e vida: nosso hoje e o nosso amanhã.

Que o olhar infantil ainda possa embalar sonhos frente à estrela que brilha no topo de uma árvore de Natal. Ela que, lá, nos parece tão grande, que nos faz tão pequeninos, quando ainda o somos. Ela que, bem depois, vista no céu, nos faz menores ainda, embora até já sejamos adultos. Sua luz nos encanta, nos atrai, nos faz sonhar.

É tarefa nossa persegui-la. Embora nem precisássemos desse esforço. Pois, na verdade, somos seres de luz: brilhando em maior ou menor intensidade. O tamanho do brilho é que nos exigirá maior empenho.

Que ela nos guie pela vida afora e nos conduza, por fim, ao infinito.

Por ora, aguardemos o revezamento que se aproxima.

O ano que finda passará o bastão.

E um clarão iluminará o novo ano que surge.

Um 2012 cheio de luz para todos.

sábado, 17 de dezembro de 2011





ORAÇÃO NA MANJEDOURA

Tão pequenino, ali posto.
Rosto de anjo, Nosso Senhor!
Aconchega-me no teu amor.
Sou também um menino
E preciso de ti, a cada dia, a cada noite,
Para vivo me manter.

Dialogo contigo, meu guia e Senhor!
Para que deposites em mim
Novos sonhos, ainda infantis, por que não?
Se deles vivo a cada dia de um novo ano?

Reserva, uma vez mais, muitos amores.
Afasta de mim os dissabores.
Guarda minha vida para novos albores.
Porque já é Natal!
Porque sou ainda um homem/menino!








Clique apenas uma vez para ver o vídeo





sábado, 12 de novembro de 2011











O ENCANTO QUE SE RENOVA


A imagem trago na retina.

A menininha se esgueira por entre as prateleiras e logo surge com um livro infantil. Senta-se no degrau que havia na antiga Livraria do Globo, entrada pela Rua José Montaury, bem no meio da loja.

Sofregamente, começa a leitura, virando as folhas com relativa rapidez. Por vezes, se detém em uma ou outra página, olhando com atenção as gravuras que acompanham a história. Já sabe ler. É um encanto vê-la absorta daquela maneira. Bem antes que eu faça as compras necessárias, lá está, novamente, ela com outro livro. Eu que também pretendia comprar algum livro para ela, nem sei mais qual devo adquirir. Aqueles já lidos, não há mais interesse. Então, juntas, eu e minha filha, escolhemos outro para ler “em casa”.

Assim é que se criam leitores: oportunizando-se o acesso aos livros.

Agora, lá pela década de 30, em Santa Maria, a avó dessa menininha já possuía o amor pela leitura. Embora tivesse apenas frequentado as séries iniciais do Curso Primário, teve acesso, à época, a uma biblioteca pertencente a um famoso médico da cidade.

Junto à janela, sob a luz do luar (a energia elétrica andava racionada), pois só dispunha da noite para desfrutar desse prazer, ela, que criava os irmãos mais jovens, pois a mãe falecera precocemente, leu obras universais. SONIA OU O CALVÁRIO DO POVO RUSSO, romance em fascículos, de Ivan Kossorowsky, versão portuguesa de Alfredo Castro, foi apenas uma delas.

Eu, que vim bem depois, fui registrada com o nome de Sonia, em razão do nome da heroína do referido romance.

Os livros têm uma enorme importância em nossa vida.

Anos mais tarde, já frequentando o Curso de Letras, tive que ler inúmeros livros. Autores brasileiros e portugueses foram revisitados por nós, alunos, ao longo do curso. E nesse período, minha mãe, que se acostumara a ler por prazer, manteve essa necessidade ao longo de toda a minha graduação. Lembro, com clareza, dela lendo, por inteiro, livros como o Chapadão do Bugre, de Mário Palmério, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa e tantos outros autores nacionais e também portugueses.

Que magia há por trás do ato de ler!

Abeberar-se no texto, jogar-se com o autor, de cabeça, nas paisagens descritas, nas cenas comoventes, ver-se desnudo, de repente, a partir de traços psicológicos desenvolvidos pelos personagens, é uma experiência indescritível. Deparar-se com trechos que aguçam nossos sentidos, que nos levam a sentir aromas, cheiros, calor ou frio, a quase enxergar ou ouvir, tal a força da descrição, é muito prazeroso.

A palavra é o instrumento que nos diferencia: que nos faz humanos. Apenas nós temos esse privilégio. Podemos expressar, através dela, todos os nossos sentimentos, sejam quais forem eles. O nosso balbucio prepara-nos para a expressão maior: a articulação de palavras que comporão nosso arsenal no ato da comunicação interpessoal.

Mais tarde, se mantivermos um contato amiúde, o mais cedo possível, com a palavra escrita, sentiremos prazer no ato de ler. E quem sabe, alguns se tornem até escritores. Se essa vocação não se fizer presente, restará, sem dúvida, o amor pela leitura. E, com certeza, uma maior capacitação no ato da escrita.




Alice, só torna-se ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS a partir do momento em que ouve a irmã lendo um livro, adormece e sonha. O buraco profundo, onde cai, a leva a um local mágico onde tudo é possível acontecer. A história termina com o acordar de Alice, descobrindo ter sido tudo um sonho. Lá, nas profundezas da nossa mente, estão abrigados todos os nossos sonhos.

O PEQUENO PRÍNCIPE sabe que “num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo”. Utilizando-se dessa assertiva, acreditamos que aquela pessoa, que se acostumou a privar com os livros, terá neles um amigo constante que, muitas vezes, poderá substituir um amigo de carne e osso. Isso está bem claro no comportamento daquela jovem da década de 30, ávida de leituras, carente de tempo, de amigos, de futuro. Afinal, era preciso voar, mesmo que em sonhos: libertar-se.

Ainda lembrando a raposa, de O PEQUENO PRÍNCIPE, diz ela que “o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”. Sabemos que o início do desenvolvimento intelectual de uma criança é muito delicado. Ela captará pela palavra, pelas gravuras, pelos desenhos, a magia do texto, que é invisível, mas que lhe possibilitará ver com o coração.

Em GRANDE SERTÃO: VEREDAS, Riobaldo diz, a certa altura, “o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior.”

No fio condutor do tempo, com as leituras que se sucederem, teremos essa comprovação. E assim, conforme vamos nos definindo, e isso parece não ter fim, assim também vamos, através das leituras de livros, nos modificando a cada nova compreensão que obtemos, a cada releitura.

E nesse moto-contínuo, aprendemos a tarefa de “criar laços”. Com quem? Com os livros, pois neles está a nossa necessidade maior, que é abastecer nosso ser com o que de melhor nós, humanos, dispomos: nossa capacidade de criar. Criar novas realidades, recriar o que já existe, descobrir-se e redescobrir-se a cada nova leitura.

E essa tarefa, com certeza, começa desde cedo.

Preservemos o encantamento com a palavra, com os livros, com nossas humanas histórias.

Que esse encanto se renove a cada olhar deitado sobre as páginas de um livro: uma possibilidade renovada de um novo olhar sobre as coisas, sobre as gentes do mundo. Que ele nos auxilie na busca de nós mesmos e no encontro do conhecimento.


E a imagem da menininha, surgindo com um livro na mão, volta uma vez mais.

E eu, novamente, suspendo a cena no olhar e saúdo os livros e os eventos que os consagram.

sábado, 15 de outubro de 2011











O BRILHO NOS OLHOS

Olhar, todos olham. Enxergar, alguns poucos conseguem. É desses que se vai falar.

Nada de estranhamento com o outro. O outro sou eu. Se eu o enxergo assim, será bem mais fácil entendê-lo e me fazer entender.

Quem tem essa capacidade, já ganhou a metade do caminho da empreitada. Estamos a falar do ato de ensinar ou da troca de conhecimento, num sentido mais amplo, atitude moderna e condizente com a figura do professor. Principalmente, do professor dos dias atuais.

E a outra metade?

Pois essa é a metade mais difícil. Porém, embora difícil, observa-se que muitos a possuem. Ela requer criatividade, jogo de cintura, performances diferenciadas, uma mise-en-scène digna de um bom ator. E isso nem sempre requer recursos tecnológicos, tão escassos, porque não dizer inexistentes, em nossas escolas públicas estaduais. Precisa-se, sim, de muita criatividade e de um componente que completa essa outra metade. Precisa-se sentir amor no fazer, paixão no executar, entusiasmo no criar e alto desempenho na entrega do produto. O produto, aqui referido, é o saber.

Hoje, mais do que nunca, um saber compartilhado.  Diante de um grande desempenho, os aplausos da plateia vêm ao natural. A emoção despertada revela o objetivo alcançado. O brilho nos olhos tem que ser comum a todos os participantes do ensino-aprendizagem. A época do professor sentado em uma mesa, colocada em um degrau acima do nível da sala, terminou.

Aqueles antigos professores não eram ruins. Pelo contrário, tive excelentes mestres que relembro com carinho e admiração pelos conteúdos que me ensinaram. Porém, os tempos são outros e a tecnologia à disposição desses alunos, em casa, por exemplo, exigem do professor um desempenho diferenciado, atualizado e o mais próximo possível desse aluno. Sua tarefa é levá-lo, usando das ferramentas atuais, a refletir sobre o seu uso, visando à construção de conceitos. Lembremos que tão-somente a máquina não é suficiente no ensino-aprendizagem. Ainda temos, pelo menos por ora, a figura do professor como elemento necessário, não dispensável. A máquina ainda somente serve: não substitui.

Lembro com saudade de Arlindo Heinen, Miguel Lamela Nogueira (Professores de Língua Portuguesa), Lázaro Moraes de Andrade (Professor de Matemática), João Maria Day Peixoto (Professor de Geografia), Marlene Cândida S. T. Segóvia (Professora de História), Arno Antonio Lise (Professor de Ciências), Enéas Augusto de Aguiar Almeida (Professor de Língua Inglesa), Lorena Soeiro (Professora de Língua Francesa), Yolanda Maria Rosa (Professora de Educação Física). Esses são apenas alguns deles. A todos eles meu tardio agradecimento.

Ainda, muito tempo após esses primeiros mestres, o Professor Carlos Jorge Appel, Professor de Literatura, no Curso de Pós-Graduação, também foi importante. Quando lia alguns textos literários, percebia-o, por vezes, visivelmente emocionado.

Agora, como um professor/ator não posso deixar de mencionar o Professor Édison de Oliveira, excelente professor de Gramática e Literatura, no saudoso Curso Pré-Vestibular Mauá. Esse professor foi decisivo para mim. Um modelo a ser seguido. Um modelo, inclusive, para os dias atuais. Criativo, envolvente, carismático, cheio de humor e, antes de tudo, um profissional competente na sua área de atuação.

Como se vê, a tarefa de um professor é árdua, mas é bela. Eu diria que é sublime.

Pena que nossos governantes não coloquem essa profissão, a de professor, no topo das carreiras bem remuneradas. Afinal são eles que preparam, ao longo dos anos, alunos para as mais diversas profissões e para ocupantes, inclusive, das carreiras de Estado. A Educação formal está nas mãos desse profissional. Daí sua importância. A sua formação deveria ser um compromisso do Estado Brasileiro. A partir daí, a ascensão na carreira dar-se-ia pelo desempenho constatado por avaliadores comprometidos com as questões educacionais. A fiscalização impor-se-ia aos seus membros como a outros de qualquer carreira. Se os professores tivessem esse respaldo, essa distinção no tratamento, teríamos, com certeza, por extensão, condições de trabalho adequadas a esse nobre mister.

Utopia? Pode ser que seja.

Segundo Eduardo Galeano, conhecido escritor e jornalista uruguaio, ela serve exatamente para que nós não deixemos de caminhar. Eu acrescentaria que ela existe para que não deixemos de caminhar em busca da excelência do ser e do fazer.



E o brilho nos olhos?
Por enquanto é o que se tem. Que, aqueles que o possuem, persistam na profissão.
O olhar do aluno iluminando-se, quando o professor fala, é, por ora, a melhor recompensa – e única.


Minha homenagem a eles nesse Dia dos Professores.





Assistam, abaixo, aos vídeos que apresentam professores de Escolas Públicas Estaduais em seu trabalho cotidiano. Percebe-se neles, claramente, o sentido da expressão “fazer com amor”.



1- Andreo Luis Bolwerk – Professor de Geografia




2- Dilson Correa – Professor de Artes





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Comentários via e-mail:


Prezada professora:

"A educação é um ato de amor ao próximo, um ato de partilhar o conhecimento e principalmente de aprender! Não é pelo fato de sermos professores, doutores, mestres, que sabemos tudo. Pelo contrário, quanto maior nossa titulação, maior é a certeza de que não sabemos tanto assim, pois percebemos que a sociedade possui um conhecimento historicamente construído, muito maior do que a nossa mente é capaz de assimilar.

E é este valor que nós, professores da educação básica, devemos carregar. Que o conhecimento é imenso e que nós apenas conhecemos uma pequena parte, que com muito amor queremos compartilhar com os discentes. Para isso cada um tem suas maneiras: alguns utilizam canto, dança, jogos e outros instrumentos a fim de mostrar que o ato de estudar é importante e, principalmente, atraente, podendo ser até divertido!

Porém para tudo isto ter resultado, devemos carregar os seguintes valores: Humildade, Criatividade, Inovação. E jamais devemos ter: Preconceito e Vergonha. Assim será possível construir uma nação mais justa e interessada na educação!"

Abraços
Andreo Luis - Sempre de Bem com a Vida!!!









quarta-feira, 12 de outubro de 2011











CHAMA INTERIOR


O olhar que espia atrás da porta, em busca do engradado de garrafas de laranjinha, um conhecido refrigerante da época, constata que lá está ele. E isso queria dizer que o avô chegara. Ele sempre abastecia a despensa com guloseimas, além daquelas aguardadas garrafinhas. Uma vez ao ano, ele vinha à Capital visitar a neta. Permanecia um mês por aqui.

Os dias que antecediam sua chegada eram marcados por muita expectativa. Ela que ainda brincava de boneca, que tecia diálogos intermináveis com seus “filhos”, nesse período, esquecia deles e vivia no encalço do avô, que lhe fazia todas as vontades.

Certa feita, ao vê-la triste porque uma amiguinha tinha ganhado um anelzinho, brinde que acompanhava uma bala, e que essa ostentava a tal aquisição com certo ar de soberba, saiu em busca de uma solução. No dia seguinte, apareceu com dez aneizinhos, um para cada dedo, e aconselhou-a a ir brincar com a tal amiguinha. E lá, de longe, ficou a rir com a surpresa da tal guria. Dias depois, a neta acabou dando alguns anéis para a amiga, pois ganhara além da conta.

Esse era o meu avô. Ainda bem que eu, segundo a própria mãe, sempre fui uma criança cordata, não exagerada nos pedidos.

Às tardes, saíamos a passear pela vizinhança. Muito falante, como um bom italiano, e já conhecido de todos, ia cumprimentando quem encontrava pela frente. E se o convidassem para um cafezinho, lá íamos nós, casa adentro. A cozinha, com certeza, era o nosso destino.

Seguidamente íamos, também, ao armazém do seu Nico, onde comprávamos um rocambole “inesquecível”.

Soube pela minha mãe que, numa dessas estadas por aqui, estivera em Palácio visitando Dona Ana Niederauer Jobim, esposa do Governador Walter Só Jobim. Mantinham relações de amizade desde quando o Dr. Walter estivera por Santa Maria, investido do cargo de Juiz, posteriormente de Promotor e ainda à frente de uma banca de advocacia, antes de tornar-se Governador do Estado. E nada mais coerente, na sua ótica, do que ele a visitasse, levando recados da esposa, que não o acompanhava nessas viagens, pois não era minha avó, já falecida.

Contou, posteriormente, que fora recebido por Dona Ana com um sonoro: Como está, seu Noal? Ele teria interrompido uma reunião da 1ª Dama com senhoras de uma associação benemerente, que lá estavam reunidas para um chá. Segundo ele, teria ela se levantado e ido, gentilmente, atendê-lo, desincumbindo-se ele, assim, do pedido da esposa.

Ele, que se alfabetizara aos dezoito anos, incentivava meus estudos, pois eu já iniciara o Curso Primário. Dizia, já naquela época, que o mais importante para uma mulher, bem antes do casamento, era a sua formação acadêmica e a consequente independência econômica. Era um sujeito muito avançado para aqueles tempos.

Vez por outra, cometia até algumas transgressões quando cantarolava, em bom italiano, em voz baixa, por razões óbvias, o estribilho de “La Giovinezza”, o hino fascista. Um dia, até escrevera o tal refrão para que eu pudesse, também, acompanhá-lo. Era assim:

“Giovinezza, Giovinezza

Primavera di bellezza,

Della vita nell’asprezza

Il tuo canto squilla e va!” 



Acredito mesmo que seu fascínio era mais pelo intérprete do famoso hino, Beniamino Gigli, do que pelas ideias ali contidas. Adorava óperas e esse tenor, à época, era o maior, mundialmente conhecido e respeitado. 


Lembro-me dele cantando Santa Lucia, conhecida canção napolitana, também gravada pelo mesmo tenor. Anos mais tarde, eu executaria essa peça ao acordeom. Ele, porém, não estava mais por aqui para ouvi-la. 


Meu avô era, também, às vezes, meio irreverente, escandalizando quem estava por perto com suas “tiradas”. Certa feita, ao ver uma das filhas toda empolgada com o glamour que Hollywood exportava naqueles antigos anos, chamou-a assim: “Ó tu, de olivorkis”, não se importando com o falar errado. Era pura brincadeira quando fazia essas investidas. Todos riram, menos, é claro, a tiete hollywoodiana. 



Tinha bom humor, confiança em si próprio e fé Naquele que nos guia. 

Tinha, permanentemente, acesa uma chama que o acompanhou por toda a vida. Era um entusiasta do belo, da música, da vida. 

Foi essa mesma chama que me alimentou durante a infância, que me impulsionou sem temor ao desconhecido, e que me fez ingênua o suficiente para não sofrer tão fortemente com as agruras que a vida adulta certamente me reservaria. Essa alegria interior que nós crianças, todas, exercitamos durante a nossa infância. E que se deve manter acesa. Só assim conseguiremos superar momentos de dificuldades e de perdas. 

Pois, um dia, ao se despedir da neta, para retornar a sua cidade, não entendeu porque ela desandou num choro convulsivo, inesperado, como nunca fizera antes. Mesmo prometendo que voltaria no ano seguinte, como de costume, não foi capaz de fazê-la conter-se. 

Ele não sabia que não mais voltaria. 

Ela também não sabia. 

Mas ela sentiu: como só as crianças costumam sentir.





Cultivemos nossa chama. 


Que ela acesa nos mantenha adultos mais alegres, mais criativos, mais destemidos, mais solidários. 
Tão solidários como aquela menininha que ofertou alguns anéis à amiga, diante dos tantos que ganhara.

Que o entusiasmo ronde nosso agir.

Que nossa criança interior se mantenha para sempre presente no nosso dia a dia.

E que não apenas nos lembremos dela no Dia das Crianças.

Que os anjos nos protejam tal qual na infância.

Que continuemos acreditando neles.

E que recebamos um toque angelical nas ações que constroem nosso caminho.

É o meu pedido nesse dia especial.






Algumas peças musicais na voz de Beniamino Gigli:



 Non Ti Scordar Di Me



Nessun Dorma


O Sole Mio


Torna A Surriento





terça-feira, 20 de setembro de 2011











PAZ


O fogo atrai naquela gélida noite.

Todos ao redor como se estivessem absolutamente ligados àquele ritual ancestral. Os gravetos, habilmente dispostos ao derredor de uma lenha mais robusta, prendem o olhar do chiru. Os olhos de Teobaldo, peão de estância, fixam-se na chama que crepita.

Que tonteria querer saber o que se passa com o peão do lado! Está, também, ele preso pelo olhar ao fogo que arde. E assim estão todos por ali: aquerenciados, irmanados, seduzidos pela chama que propaga luz e calor.

Um latido próximo desperta os homens. O cusco veio se juntar aos companheiros de tropeada.

No descampado, hoje, não zune o minuano. Só o frio se espalha pelo campo.

Esta noite, Teobaldo está pensativo. Na roda do tempo volta à infância: aos tempos de guri. Vê-se encilhando um petiço e iniciando um arremedo de doma dentro do cercado da fazenda, onde morava. Lembra-se de dar voltas e voltas, no mesmo lugar, como se estivesse domando de verdade. E o poço redondo em que buscava água! O balde, pendurado por uma corda, se sumia numa escuridão também redonda, lá embaixo, longe dos seus olhos.

Estão por ali, agora, vários peões da estância. Lentamente, os causos começam a despontar e a cuia, de mão em mão, vai celebrando a união fraterna que a cena traduz.

Teobaldo, sentado num resto de tronco, com os ouvidos bem atentos, vai escutando tudo o que pode. Com a mão estendida, pendente ao seu lado, traça no chão um círculo dentro de outro círculo e, nesse, outro círculo menor e, daí em diante, vai se perdendo em pensamentos.

No alambrado da vida, vai escancarando desejos, peleando vivências, tropeando o dia a dia. Como um bagual, que não se entrega, desperta das lembranças com o passar da cuia às mãos pelos companheiros do fogo de chão. Ao lembrar-se do seio da mulher amada, no gesto de pegar a cuia, fixa o olhar no verde da erva.

Descobre, naquele momento, ao sorver o mate, sua ligação ao seio materno, aos olhos da amada, aos companheiros da roda de chimarrão. Dá importância à chama de um amarelo intenso, à lua cheia, toda branca, pendurada lá em cima, ao calor que cerca todos que ali estão. Em plena harmonia e paz, Teobaldo permanece sorvendo, de olhos fechados, aquele mate bueno. Solito, em seus pensamentos, vê o pampa sem aramados, sem fronteiras, com o minuano zunindo e as melenas seguras pelo chapéu de beijar santo em parede.

O certo é que essa sensação de paz é o encontro do ponto de equilíbrio: ele e o mundo. Teobaldo está ciente de que, nesse labirinto da vida, cada um tem uma entrada e uma saída. Sem esquecer, é claro, do PATRÃO que, da porteira, a todos vigia.

 E a Terra, toda redonda, vestida de azul, que a todos nutre e conserva, agradece o belo quadro que com ela foi construído naquela noite.



Que nesse vinte de setembro, relembremos nossas façanhas, nossos ideais, nossa visão libertária, mas, sobretudo, busquemos, sempre, acima de tudo, a paz. Que entre nós, paisanos, reine a justiça, o entendimento e a solidariedade: ingredientes saudáveis para uma coletividade que se quer modelo para outras.




Uma viagem pela música gauchesca:



terça-feira, 30 de agosto de 2011

PAI DOS MEUS BONECOS













Agachada em frente ao armário, com a mãozinha, ainda juvenil, vou armazenando, vou empilhando alimentos. São pacotes de arroz, feijão, massa, açúcar, bolacha, café, latas de azeite e tudo o mais que pudesse ser estocado por algum tempo. Todos estavam a fazer o mesmo. 

Afinal, aquela situação de incerteza poderia ainda perdurar por um bom tempo. Avizinhava-se, talvez, uma revolta. Meu pai andava, ultimamente, sempre de prontidão. Embora não fosse militar, trabalhava junto ao Hospital do Exército, sendo responsável pelo bom andamento de todas as oficinas que compunham o complexo hospitalar, e que davam suporte àquela Unidade. 


Quem diria! Aquele que povoara meu universo infantil, agora conclamava a população para empunhar a bandeira da Legalidade. 

Naqueles tempos em que se brincava de boneca, de casinha, de comidinha, essa figura representava para mim “o pai de meus filhos”, aquele que saía todas as manhãs para trabalhar. Parece mentira, mas era tão presente a figura desse líder nas conversas em família, que eu o havia incorporado como um membro da minha “família de mentirinha”. Todas as manhãs, portanto, preparava, naquele pequeno galpão, em meio ao fogãozinho, às panelinhas e às bonecas, um gostoso café. Tudo de mentirinha. 

Quando ocorreu o levante, eu, já uma jovenzinha, não me surpreendi com o alvoroço que tomara conta das ruas. Era quase uma coisa normal para mim, tal a familiaridade com o líder. Aliás, estudara em uma das escolas criadas por ele: as conhecidas brizoletas. Em uma delas concluí o Ensino Primário (o Fundamental). Em 1959, ainda não possuía nome essa escola, conforme foto de Boletim Escolar, constante abaixo. No ano seguinte, em 1960, a escola recebeu o nome de Grupo Escolar Dr. João Batista de Lacerda, denominação já impressa no Boletim Escolar. Essa foi a escola que me abrigou por primeiro. 







Em 1995, a antiga brizoleta foi demolida, erguendo-se uma nova construção em alvenaria. Nesse período de construção, a escola deslocou-se para o Educandário Dom Luiz de Guanella, lá permanecendo até março de 1997. Em novembro do mesmo ano, a nova escola foi inaugurada. Passou a chamar-se Escola Estadual Dr. João Batista de Lacerda, oferecendo o Ensino Fundamental e o 1º Grau Completo. O nome permanece o mesmo, os sonhos e as expectativas dos pequenos talvez tenham se modificado. Com certeza, porém, a garra, o envolvimento, a dedicação e o olhar dos mestres estão ainda presentes. E isso é que faz toda a diferença: tanto ontem, quanto hoje. 


Esse homem, decididamente, fizera parte do meu imaginário infantil. E ainda, naquele momento, era o centro das conversas em família. Todos prestando a ele um sincero respeito e uma total coesão em torno de seu nome e de sua causa. 

Lembro que, estando a faltar apenas dois anos para completar o Curso de Música, tocava com meu instrumento o Hino da Legalidade. Que tempos diferentes! 

Lia-se mais, refletia-se mais. Livros, jornais e revistas eram lidos, discutidos, comentados. A televisão ainda era incipiente. Tinha-se mais tempo para formular nossos próprios juízos sobre os assuntos, sem que houvesse direcionamento nas análises e conclusões. Acredito que existia mais conhecimento, reflexão, mais capacidade de crítica: fundamentos que repousam numa educação básica de qualidade. Algo que, na época, o nosso Estado ainda orgulhosamente ostentava. Embora, reconheça-se que, também, naqueles idos tempos, os professores tivessem seus salários aviltados, considerando-se a grandeza da função. Hoje, com todos os meios disponíveis, por que não mais nos conservamos no topo? São indagações que precisam ser respondidas no mais curto espaço de tempo possível. E medidas devem ser tomadas em um tempo mais curto ainda. 

Nós que defendemos, historicamente, a Constituição, o regime legalista, as instituições, a liberdade como bem maior, temos a obrigação cívica de lutarmos por uma educação compatível com a grandeza da nação brasileira. Uma educação de excelência para todos, principalmente para aqueles que dependem da escola pública para se tornarem cidadãos: capazes, conscientes, éticos e solidários. Dessa maneira, a inserção, no mercado de trabalho, far-se-á ao natural. 

Nesse mês de agosto, lembro-me daqueles tempos. Época que me traz gratas recordações. 
Lembranças de um universo infantil recheado de sensações, emoções, figuras e valores. 

Que coisa! 

Os bonecos daquela pequena menina tinham um pai: um líder admirado por seus pais e demais familiares. Quão grande valor ela atribuía a ele! 

Acho que não se fazem mais líderes como antigamente. Ele nunca soube dessa admiração profunda. 

Portanto, minha homenagem póstuma ao pai dos meus bonecos, meu primeiro marido.