sábado, 29 de setembro de 2018

ESTAÇÃO DAS CORES




Beleza era tê-las em profusão. Pelos campos por onde Belinha passava, indo para a escola, as flores que adornavam as árvores pelo caminho são lembradas até hoje. Sem falar, é claro, das hortênsias sob a janela de seu quarto.

Como esquecer as variadas cores que acompanharam sua infância. Três cores, porém, sempre foram suas preferidas. O azul, porque seus olhos e as hortênsias eram dessa cor; o verde, porque as árvores sempre a acompanhavam pelo caminho até a escola e o amarelo porque era lindo ver o sol, bem cedinho, despontando com força, justamente, pelo lado onde ficava a janela de seu quarto.

No pátio, também, muito verde havia. Eram pés de árvores frutíferas, folhagens e um gramado no jardim, de frente para a rua. Sob o sol, as laranjas disputavam o amarelo em variados tons. Além disso, havia um “amigo” de pelo amarelo chamado Caramelo.

Já na escola, quando pediam que desenhasse uma paisagem, a figura que surgia era composta por essas três cores, conforme desenho abaixo





Bem mais tarde, quando desfilava na Parada da Juventude, que existia à época, a bandeira que abria o desfile era a nossa Bandeira do Brasil com suas cores verde, amarela e azul.

Curiosa sobre a importância dessas cores no nosso cotidiano, descobriu, bem mais tarde, que elas são portadoras de aspectos relevantes no nosso equilíbrio emocional, de acordo com o Feng Shui.

Ah! Essas três cores, preferidas de Belinha, fazem parte de sua história de vida.

O verde do gramado seguia junto com Belinha pelo campo afora, até a escola. Era revigorante e, ao mesmo tempo, calmante ser acompanhada por espécies tão variadas, porém tão iguais na força que delas emanava.

De azul fartava os olhos, também azuis, de tanto olhar para o céu, quando buscava inspiração para singelos poemas rabiscar, enquanto sonhava, ainda jovenzinha, outros olhos um dia encontrar.

Agora, pelo amarelo tinha especial predileção. Buscava no mais representativo amarelo que conhecia, o Sol, uma força que, hoje acredita, estivesse ligada ao astro regente de seu signo, o poderoso Leão.

Infância e juventude cheias de forças, todas externas, mas que reverberavam num interior esperançoso e promissor.

Mais ou menos como nosso país apresentava-se naquela época.

Ah! Ia esquecendo as roseiras do jardim. Todas floridas, de variadas cores, enfeitando o caminho até o portão de entrada de sua casa.

Era Setembro e, claro, também chovia. Mas, vez por outra, ao findar do aguaceiro, um arco-íris despontava no infinito. Aquele arco arredondado e luminoso enchia os olhos da garota com todas aquelas cores alinhadas. Às vezes, surgia um arco-íris primário e outras, um secundário simultaneamente, pois existe diferença na distribuição das 7 cores em cada um dos tipos. O chamado primário apresenta as cores vermelha no exterior e violeta no interior. E o secundário apresenta a ordem inversa. Isto ocorre quando há uma reflexão múltipla da luz solar, possibilitando esta visualização conjunta.

O que intrigava Belinha é que seus olhos nunca conseguiam chegar até onde ela achava que seria a origem daquele arco brilhante. Ela não entendia, naquela época, dessas coisas de refração, gotas de chuva, luz solar, olhar humano. Aliás, até hoje não entende. Também, não importa. O que ficou foram imagens guardadas na memória de “primaveras” cercadas de muita luz, cores e a expectativa de um verão que se aproximava, trazendo as férias escolares.

Naquele tempo, a passagem de ano era só lembrada pela chegada de Papai Noel, alguns dias antes.

Hoje, esta passagem tem significado muito mais relevante e determinante para as ações que nortearão o novo ano que se aproxima.

Este ano, em especial, Belinha tem visto bandeiras do Brasil espalhadas por todos os cantos deste país.

Sua esperança é que a estação das cores espalhe todas as cores do arco-íris, como eram as rosas de seu jardim. Que a letra da música Over The Rainbow, seja inspiradora para que ainda tentemos voar em busca dos nossos sonhos. Mesmo que sejam apenas nossos olhos a enxergar essa possibilidade.

Confessa que, desde pequenina, adorava o amarelo. E ainda, hoje, CONFIRMA seu gosto por esta cor.

Agora, não suportaria ver a junção do vermelho com o amarelo. De laranjas, só as comestíveis. E as “do céu”, que é pra não irritar o estômago.

Boa Primavera a todos!

Fiquem, agora, com a bela letra de Somewhere Over The Rainbow, versão adaptada da música Over The Rainbow (título original), em que o cantor havaiano Israel Kamakawiwo’Ole, com sua suave voz, faz com que nos transportemos, graças às imagens que a letra oferece, para um lugar onde nossos sonhos podem tornar-se realidade. Onde até os problemas serão derretidos como balas de limão.

Lá, acima do arco-íris, onde os pássaros azuis voam.

Até lá, nossos sonhos também podem voar.

Ou até bem além do arco-íris.

Por que não?

 Somewhere Over The Rainbow – cantado por Israel Kamakawiwo’Ole





terça-feira, 18 de setembro de 2018

AS CAVERNAS



Com os olhos semiabertos, Chico aguardava os primeiros raios de luz por entre as persianas. Uma delas ficava meio entreaberta e era por ela que Chico se esgueirava indo espreguiçar-se na beirada da janela.

Elegeu este lugar, todas as manhãs, como seu. Não era chegado a sombras. Queria luz. Queria espiar os transeuntes que se deslocavam, cedinho, para o trabalho. Até os cumprimentava, sacudindo o rabinho. Claro, quando brincavam com ele, enviando miaus miaus a torto e a direito.

Paulinho, seu dono, também não era chegado a sombras. Entendia bem o comportamento de Chico naquela janela, todas as manhãs.

Aliás, Paulinho, que começava a estudar Filosofia no Ensino Médio, sentiu um estranhamento quando soube da existência daquela alegoria que Platão, filósofo a quem admirou desde o início, criara para explicar o que seria um Estado ideal. O Mito da Caverna despertou em Paulinho, desde o início, muita curiosidade.

Estudando Platão, descobriu porque nunca fora chegado a sombras. Aquela caverna, que Platão criara, com toda aquela “manada” olhando para sombras que se movimentavam, pensando que aquilo era uma realidade, nos deixa a pensar sobre os momentos atuais.

Como Platão bem demonstrou apenas o conhecimento representado pela luz, que se encontra fora da caverna, é que pode trazer o mundo real para quem nele sempre esteve inserido. Apenas, porém, ofuscado pelas sombras do desconhecimento, da perda da linguagem e da educação em seu sentido lato: fatores relevantes na formação do Estado ideal.

Hoje, estaremos, através da tela de um celular, vendo a realidade?

As sombras não estarão ali presentes?

A parede da caverna não se terá transformado numa telinha?

A educação e o conhecimento terão que ser dimensionados de uma forma bem mais profunda.

Um novo comportamento, de quem não dispensa a telinha, é o atual FOMO, sigla em inglês (Fear of Missing Out) que significa “medo de estar por fora” e que pode tornar-se uma patologia, considerando já os altos índices de ansiedade entre os internautas. Uma telinha que fornece, inúmeras vezes, versões idealizadas e não o real.

E a Caverna de Platão?

Lá, a alegoria serviu para apontar o efeito “manada”. A ignorância levada, pelos interessados da época, às massas.

Hoje, é claro, a telinha tem aspectos positivos relevantes. Abre-se um mundo de possibilidades e de intercâmbios. A checagem, porém, tem que ser constante. E, convenhamos, o leitor de um livro impresso com autor, editor, prefaciador tem, nestas pessoas, uma maior certeza da veracidade e correção de tais escritos, pois têm eles um nome a zelar.



E a caverna do Ali Babá e os 40 Ladrões?

Como se sabe, Ali Babá é um personagem fictício, baseado na Arábia Pré-Islâmica. Há algumas versões diferenciadas. Faz parte das Mil e Uma Noites, obra clássica da literatura árabe.

Em uma das versões simplificadas, Ali Babá viajando pelo reino da Pérsia, a serviço do rei, um dia encontra 40 ladrões que, pronunciando a frase “Abre-te, Sésamo”, em frente a uma grande pedra, entram em uma caverna. Ali Babá, escondido, fica ali a observar. E constata que, ao saírem, pronunciam a frase “Fecha-te, Sésamo”.

Então, seguindo este roteiro, entra na caverna e constata que lá estão escondidos verdadeiros tesouros. Pega o que pode e leva-os como dote, oferecendo ao rei para que este consinta no casamento com a sua filha. E, claro, o rei aceita aquele valioso dote.

Mas, agora, Ali Babá precisava comprar um palácio para a sua amada com quem iria casar-se. No seu retorno à caverna, Ali Babá foi visto por um dos ladrões que contou aos demais o que estava acontecendo. Planejaram, então, comparecer à festa de casamento, escondidos em tonéis de vinho vazios. Só que, durante a festa, o vinho acabou. Ali Babá foi à adega e lá ouviu um sussurro e o acerto dos ladrões para o ataque contra si. A partir daí, Ali Babá convocou alguns guardas, sob a desculpa de que os vinhos estavam estragados e que precisava jogá-los fora, despenhadeiro abaixo. Ao perceberem que seriam mortos, entregaram-se aos guardas. E Ali Babá ficou com todo o tesouro. Ele e sua amada, então, viveram felizes para sempre com a fortuna encontrada.

Ou roubada?

Acho que, se os ladrões conhecessem, à época, a Delação Premiada, teriam usado dela.

Daí, com certeza, todos restariam felizes para sempre.

Afinal, conforme diz o provérbio, “ladrão que rouba de ladrão tem cem anos de perdão”. Não é assim?

Cavernas que dão o que falar desde sempre.

Nas telas, com os olhos fixos da manada em cenas muitas vezes irreais, como as sombras projetadas na parede da caverna de Platão, ou em apartamentos/cavernas, onde o Abre-te Sésamo expõe tesouros. As cenas se repetem.

Ah, Platão! Temos que continuar perseverando no bom caminho.

Que Chico continue procurando a luz. Que ele movimente o rabinho, agradecendo o contato daqueles que já são seus admiradores diários naquela janela iluminada pelo sol da manhã.

Que Paulinho abra as persianas e continue pelo caminho do saber, do comparar, do refletir, do criar, do transformar e do fazer diferente. Que suas aulas de Filosofia lhe tragam uma esperança nesta sua caminhada.

Força, Paulinho!



Enquanto isso, ouça o belo samba Esperanças Perdidas do compositor Délcio de Carvalho.

Ele, o samba, que serve de corda para alçar a caçamba que é o próprio autor e seus sonhos mantidos vivos.

Agora, por favor, esqueça um outro significado para o verbo caçambar que é delatar, denunciar.

Com certeza absoluta, não foi este o significado da palavra usada pelo compositor. É! Rir ainda é um bom remédio para tantas mazelas que nos afligem, que nos cercam.





Samba Esperanças Perdidas – Grupo: Os Originais do Samba






sábado, 8 de setembro de 2018

CORTES... E CORTES

















Este corte valeu a pena. Foi um corte metafórico e sensual: inesquecível.

Agora, quando Dona Isaura deu-se conta de que suas mãos estavam muito enrugadas, assustou-se. Seu invólucro parecia já não valer grande coisa, dizia ela. Mas, como era uma mulher de fibra e batalhadora, enxugou as lágrimas e procedeu a um inventário de suas realizações e, para sua surpresa, readquiriu sua autoestima, considerando a importância do que resgatou de sua memória. Também chegou à conclusão de que o importante não é o invólucro, mas o conteúdo. E cortou, pela raiz, aquela sensação de menos-valia.

Outro corte que valeu ter sido dado. Também ele gerou um recomeço interno, inesquecível: um divisor de águas.

Estes são cortes metafóricos que se dão muito bem com a poesia e com nossas vivências interiores que, via de regra, também se tornam poesia.

Cortes que registram rupturas com situações-limite em relacionamentos insustentáveis. Cortes que só nos fazem bem. Cortes que nos abrem novos caminhos a serem trilhados. Cortes que melhoram e reforçam o nosso conteúdo, porque o invólucro não é o principal.


Agora, como podemos entender cortes de verbas na preservação da nossa cultura? Naquilo que representa um patrimônio não somente nacional, mas também da humanidade?

Mais uma vergonha nacional soma-se a outras tantas. O Museu Nacional é apenas mais um na lista, agora, daqueles que já foram consumidos pelo fogo.

É desalentador saber que cantores, bandas e outros nomes da esfera artística recebem polpudas verbas para que usem na montagem de shows.

Agora, museu é lugar só de velharia, dirão alguns.

Pra que memória? Pra que pesquisa?

Os antepassados “já eram”...

Como podemos nos desenvolver como cidadãos conscientes de nossa importância hoje, vivenciando o século 21, se não mantivermos a nossa memória viva, conhecendo a nossa trajetória neste planeta desde remotas eras?

Foi com comoção que assistimos à devastação do Museu Nacional em chamas.

Algum culpado? Não.

Foi uma fatalidade!

E, ainda, para maior vergonha foi aceitar doações em dinheiro, de países estrangeiros, para reconstruir-se o que jamais poderá ser reconstruído. Claro que a contribuição dos cientistas e estudiosos, no levantamento das pouquíssimas peças que restaram, sempre é válida.

Neste caso, como os outros citados no início, o invólucro não é o importante. Suas paredes não são o repositório da história da humanidade.

O importante era o CONTEÚDO: um verdadeiro tesouro.

Um tesouro que exigia PRESERVAÇÃO CONSTANTE.

Assim como cada um de nós possui um tesouro interno, que tem que ser preservado, porque o invólucro não é o principal.

O principal é o conteúdo.

E este conteúdo do Museu Nacional está EXTINTO PARA SEMPRE.

Este “CORTE” foi fatal; este DESCASO, INACEITÁVEL E INESQUECÍVEL.