Chegam devagar. O banco, vazio, os recebe. Lado a lado, acomodam-se. Não se falam. Ele, olhar perdido, respira apenas. Nada parece interessar. Nem suas mãos movimentam-se. Ela, vez por outra, fala algo.
Que pena! Não dá pra ouvir. Do banco ao lado, Helena observa o casal. Têm aproximadamente a mesma idade. São diferentes, porém. No olhar feminino há mais luz, mais brilho, mais vida. Acompanha com visível interesse o entorno. O rapaz que panfleta alcança um pedaço de papel colorido com alguma propaganda. Ela, habilidosa, de imediato vai construindo um barquinho. Um barquinho de papel, aprendido na infância. Timidamente, mostra ao companheiro. Ele olha com olhos de absoluta indiferença. Ela, por sua vez, fala palavras que se perdem por entre as árvores da praça onde se encontram.
Que lástima não poder ouvir! Helena fica a conjecturar sobre pensamentos e sentimentos transbordantes daquela cena. Com certeza, haverá tantas coisas pra falar. Tanta vida! Helena navega mais além e imagina, por exemplo, que aquela senhora se acostumou a sentir prazer em doses esporádicas. Lembra-se de si própria quando regava as plantas que se espalhavam pelo apartamento, encontrando nisso única fonte de prazer: o prazer do encontro com o outro. Não importando que o outro fosse uma planta ou, como agora, um barquinho de papel. Com esses pensamentos, Helena vê aproximar-se outro casal de idades aproximadas.
A mulher adianta-se e vem cumprimentar a conhecida: aquela do barquinho. O homem, por seu turno, mantém-se à distância. Depois, muito lentamente, aproxima-se. As mulheres, a esta altura, já conversam animadamente. Parecendo sentir-se obrigado, o recém-chegado cumprimenta com a cabeça e troca umas poucas palavras com o cidadão: aquele do olhar perdido.
Helena observa o entusiasmo com que as duas mulheres conversam. Parecem sugar uma da outra toda a seiva de que ainda dispõem. Parecem alimentar-se de “pura vida”. É comovente observar-se esse esforço mútuo.
Porém, aproxima-se o companheiro da “loquaz visitante” e, com um olhar e um toque no braço, sinaliza o fim do encontro.
Visivelmente contrariada, a mulher encerra a conversa. Lança, ainda, um muxoxo para a amiga, que sorri. Que vontade de “quero mais”!
Ele, afastando-se, encara a mulher que, prontamente, despede-se e o acompanha. E lá se vão... Lado a lado, mudos.
No banco da praça, o barquinho, nas enrugadas mãos, permanece. Com carinho, a senhora completa a última dobra.
Em frente, no laguinho, outro barquinho navega: daqui pra lá, de lá pra cá. Vai e volta...
Que pena! Esse não navega mais. Atracou no banco. Sucata virou.
Helena observa o casal que se levanta. Por sua vez, acredita que ainda haja tempo e força para lançar o seu próprio barco e virar “timoneira”.
O sino da igreja próxima desperta Helena para o instante que se foi.
Do seu banco, ainda enxerga o barquinho de papel. Resta caído no chão, levado pelo vento.
E àquelas mulheres o tempo também expirou.
Que pena!
Helena, porém, ainda acredita num recomeço: o seu.
*Conto que recebeu Menção Honrosa no Concurso de Contos promovido pela Câmara Literária de Pomerode/SC, em setembro/2018.