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segunda-feira, 18 de março de 2019

UMA PAUSA...



Uma euforia tomou conta de todos. De repente, parece que foi ontem. Novamente, uma necessária pausa instalou-se.

Quem não precisa de uma pausa?

O Carnaval existe para isso.

Uma pausa para esquecer, para cantar, para requebrar, para deixar levar-se pelos variados ritmos que nos identificam como um povo alegre e festeiro.

Multidões dançando e cantando ao som de ritmos bem nossos. O Carnaval de rua, cada vez mais, recupera sua importância. Um cantor levando multidões a cantar, a acompanhar o ritmo com o próprio corpo, com as mãos, com os pés.

Parece que não é mais suficiente assistir, de uma arquibancada, ao desfile de sua escola de samba.

Não! Decididamente, não!

É preciso pular, dançar. Ter ao lado outro igual a si. Fazer par.

Uma pausa para o virtual. Pular ao lado de outro, ouvir sua voz, fazer evolução para encantar a si e ao outro. Uma pausa para o encantamento. Uma pausa para o esquecimento.

Como encantar-se sendo cercado por tantos problemas?

Não é para qualquer um.

É uma possibilidade, porém, para um cidadão brasileiro. Neste sentido, somos privilegiados. Criatividade é conosco. Isto traz junto uma capacidade de superação frente aos problemas cotidianos.

Uma pausa, portanto, é necessária, é desejável, é aguardada durante um ano inteiro. E, depois de instalada, quem quer voltar?

Haja fôlego para tanto gingar, tanto pular, tanto cantar...

Ah! Quanta diversidade, tantos Brasis, mas somos todos brasileiros. Que sorte!

A nossa pausa anual reforça esta nossa característica, que é única: a alegria. A alegria de conseguirmos extrair tanto de uma única pausa anual.

É uma lástima que um povo tão criativo e alegre não tenha a sorte de possuir governantes a sua altura.

Somos trabalhadores, sim. Não somos vagabundos. Aquele cidadão, já idoso, continua a passar assobiando, todas as manhãs, pela minha rua. Puxa um carrinho com materiais recolhidos pelo bairro. Descarrega o conteúdo em um depósito que o encaminha para uma firma de reciclagem. Ele faz parte da história de meu bairro.

Assim, também, o Carnaval faz parte da história e da cultura brasileira.

Através dos sambas-enredos de nossas escolas de samba, a história desse país é recontada. Por vezes, mais real e verdadeira. Mesmo estando sob o manto da beleza, não é suficiente para encobrir os momentos mais dramáticos. Mesmo querendo denunciar fatos, situações e tragédias anunciadas, este povo consegue revestir com suavidade e beleza o que, num primeiro impacto, foi chocante e dilacerador.

Que belo povo!

Oxalá, consigamos manter pausas que nos aliviem e, ao mesmo tempo, nos unam para o desfrute de momentos alegres e criativos.

Afinal, pausas servem para que as emoções aflorem. E nós, seres humanos, somos por elas constituídos.

E é bom quando podemos demonstrá-las de forma criativa e agregadora.

Desejar mais o quê?

Que nossas pausas sejam mais de encantamento do que de alívio. Que oportunizem atos criativos ao invés de apenas serem momentos de descompressão. Que as mãos encontrem outras para o cumprimento afetivo e de solidariedade. Que as pausas deste tipo sejam permanentes em cada encontro.

Que o olhar perdido, no azul do céu, seja uma pausa em nosso viver diário. E que, mesmo sob chuva intensa, enxerguemos, através da vidraça, a importância dela como equilíbrio da Natureza e como espelho que representa nossas próprias lágrimas.

Acredito, firmemente, que o ano, que nos separa desta pausa tão aguardada, seja preenchido por encontros que nos aproximem mais de movimentos culturais que, também, são momentos de ruptura com os males que nos afligem, pois o horizonte se amplia nos possibilitando sonhar.

Afinal, o nosso Machado de Assis, afirmava que “a arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal”. (livro “Iaiá Garcia”, Editora Ática, SP, 1998)

Acredito que a cultura, num sentido amplo, é a mola propulsora para a melhora pessoal e da sociedade que nos cerca. Que mais pausas surjam para que exercitemos o poder de reflexão, pois somente dessa forma sairemos do atoleiro em que nos encontramos.













sexta-feira, 25 de julho de 2014

A BOMBA



“A bomba abriu um belo buraco no teto, por onde o céu azul sorri para os sobreviventes.” 

Mário Quintana (Caderno H – p. 143)


Será este um pensamento poético sobre a dureza da guerra? Vamos adotá-lo como abertura para as tragédias diárias, que se sucedem nas guerras fratricidas mundo afora.

É difícil mantermos a esperança de que o céu ainda sorria após tanta atrocidade.

Talvez, apenas um poeta, como tempos atrás escrevi, possa:


...mergulhar o olhar no avesso do belo e ao final,

Com seu poetar,

Entregá-lo menos feio do que o original.

É pousar o olhar sobre este mundo

E devolvê-lo, em versos, mais iluminado e puro.



Torna-se, porém, cada dia mais difícil poetar.

Quintana já percebera isso quando escreveu o seu POEMA OUVINDO O NOTICIOSO.


Os acontecimentos tombam como moscas sobre a minha mesa:

z...z...z...z...z...z...z...z...

De junto a mim, 

- len-ta-men-te -

A Presença Invisível afasta-se

Deixando

Um rastro

De silêncio...

A página aguarda

O Poeta aguarda, mudo...

Em vão!

(O limite do poema é uma página em branco).

(Baú de Espantos, p. 92)



Cabe ao artífice da palavra, porém, como sempre fez ao longo dos séculos, perseverar na transposição de imagens e sensações para o universo escrito, poético ou não.

Há que se perceber o fato, mas não só ele.

Quintana assevera que “o fato é um aspecto secundário da realidade” (Caderno H, p.124). Devemos buscar a realidade, digo eu. Será isto possível?

O porquê dos olhos lacrimosos de Eunice? O poeta não saberá qual o motivo daquelas lágrimas. Construirá sobre elas um quadro cheio de sonoridades, ritmo, cor, talvez rima, para fixar o momento através da palavra escrita. Ele estará criando, neste instante, sobre uma realidade por ele imaginada. Uma realidade com cheiro de adivinhação. Isso dá ao poeta possibilidade de voos próprios de seu fazer literário.

Quando, porém, o olhar choroso é de uma criança em meio aos destroços de uma guerra insana, o fato não permite realidades imaginárias. A realidade está colada ao fato. Ao poeta caberá poetar sobre a realidade da guerra, por todos os aspectos, abominável. E todo o arsenal poético será trazido à tona sob a forma de figuras de linguagem e figuras de pensamento. Tudo para fazer menos dramático, se isso é possível, o olhar de desespero ou o rosto marcado pela tragédia da guerra. 

Porém, nem sempre acontece assim.

Quintana já alertava em O BERÇO E O TERREMOTO:

“Os versos, em geral, são versos de embalar, como eu às vezes os tenho feito, não sei se por simples complacência... ou pura piedade.

Contudo, os verdadeiros versos não são para embalar – mas para abalar. 

Mesmo a mais simples canção, quando a canta um Garcia Lorca, desperta-te a alma para um mundo de espanto”. 

(Caderno H, p. 125) 


Eu diria que os verdadeiros versos abalam sempre. Sejam eles cheios de lirismo ingênuo, quase infantil, pois esses calam fundo em quem os lê com a alma ainda de criança, que deve existir em cada um de nós. Ou, também, aqueles outros versos que fustigam os senhores das guerras. Senhores dissimulados em ideologias de todos os matizes, em fanatismo religioso, em etnias marcadas pela história dos tempos, em interesses econômicos devastadores ou até na pura ganância, própria do gênero humano.

Exemplos de versos tão abrangentes foram escritos por Carlos Drummond de Andrade que, usando da figura de repetição, que é a linguagem da emoção, reforça, pela reiteração, o horror da “bomba”. Uma ameaça latente que paira sobre todos nós. O poeta, hoje, provavelmente, acrescentaria mais algumas nacionalidades na enumeração que faz dos centros de poder.

Acredito, porém, que manteria os últimos versos desse famoso poema A BOMBA, transcrito abaixo. Tinha ele esperança de que o homem liquidaria com a bomba, não permitindo que houvesse a destruição da vida. Da vida no Planeta, acrescentaria eu.

Tal qual Vinícius de Moraes, que poetou sobre a devastação de cidades japonesas ao escrever A ROSA DE HIROSHIMA, poesia ao fim transcrita, que se tornou uma canção musicada por Gerson Conrad, também esta criação poética, que denunciou aquela tragédia atômica, abalou profundamente todos aqueles que a leram ou que a ouviram, já musicada.

Poesia, sim, serve para descrever o que de pior pode o ser humano criar: um artefato de extermínio em massa.

A Poesia nem sempre consegue, como afirmei inicialmente, devolver ao leitor uma visão bonita, iluminada, mais pura desse mundo.

Na maioria das vezes, faz-se necessário devolver a imagem em toda a sua monstruosidade, sem retoques, para que a poesia se afirme também como uma arte transformadora: com mais ou menos lirismo. Uma arte que denuncia, alerta, mas, sobretudo, aposta no ser humano como último guardião do Planeta.

O lirismo superou a realidade em A BOMBA de Quintana.

Nos dias atuais, precisamos de vozes capazes de nos fazer despertar, sem deixar que o sonho nos desabite.

Precisamos, como Quintana, enxergar um céu azul que sorri para quem ainda sobrevive em meio a tanta tragédia.



Receita perfeita para a paz dá-nos o reconhecido compositor gaúcho João Chagas Leite, em sua canção SEIVA DE VIDA E PAZ, quando seus últimos versos assim terminam:


Se os senhores da guerra

Mateassem ao pé do fogo,

Deixando o ódio pra trás,

Antes de lavar a erva, 

O mundo estaria em paz!






A Bomba - Carlos Drummond de Andrade



A Rosa de Hiroshima -Vinícius de Moraes


Seiva de Vida e Paz – João Chagas Leite (cantor)