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terça-feira, 20 de outubro de 2020

COMO SE FOSSE HOJE... SERÁ, AINDA, POSSÍVEL?

  

A busca, a cada dia, torna-se mais presente. No balançar das folhas do arvoredo, no solitário passarinho pousado no telhado, no cheiro do capim cortado há pouco, no casal de pombos em dança de acasalamento, eis que o passado retorna nestas cenas atuais. E o som das folhas secas sob os pés daquele, ainda, pequeno ser é o que lembra Belinha quando pisa na calçada do vizinho: um verdadeiro tapete florido. Algumas flores já estão a cair para que outras surjam, pois ainda há tempo para que outras nasçam e floresçam naquela bela árvore. As estações sucedem-se, tal como nós que guardamos lembranças que se acumulam.
 
Caminhar por entre árvores, esconder-se no porão da casa só de brincadeira, arrastar os chinelinhos sobre o assoalho só para ouvir o barulho que faz.

Hoje, ainda, o olhar que busca: encontra.

Os mesmos cheiros, os mesmos sons, o mesmo passeio entre árvores, os sabores que permaneceram são a prova de que necessitamos de uma infância preservada daquilo que não expõe os nossos sentidos. Precisamos ouvir, ver, observar, trocar brincadeiras com outros iguais a nós, em idade, para que tais experiências alojem-se em nossa memória e, de lá, encontrem eco durante a caminhada pessoal de cada um.

Na ampulheta do tempo, o nosso olhar infantil mantém-se pleno de imagens que encontram hoje, em essência, os mesmos sinais reveladores de que somos o produto daquelas cenas e, portanto, nos sentimos acolhidos pelos momentos presentes.

Claro, isso para quem conheceu e reconhece ainda hoje, embora com algumas alterações, este meio sonoro e visual que ainda nos cerca.

Será que uma telinha é capaz de despertar todas essas sensações?

Uma formiguinha carregando uma folhinha, uma joaninha escondidinha entre as folhas daquele arbusto no meio-fio da calçada; ver o sabiá ou o bem-te-vi pousado, cantando, sobre o telhado da casa do vizinho.

Buscar com o olhar tudo o que nos cerca, mergulhando naquelas imagens que nos causam estranheza, deslumbramento, curiosidade, emotividade. Sensações que captamos quando aprendemos, ainda na infância, a nos deter frente a tantas cenas que permanecem em nossa memória. Lembranças que não se perdem no tempo.

Agarrem-se às emoções de ontem porque elas podem tornar-nos mais resilientes aos tropeços, acaso existam, durante a caminhada individual.

Emoções captadas em instantes que se mantiveram no baú da memória.

Caminhar por entre as roseiras do jardim, pousar o olhar no caramanchão de trepadeiras, na goiabeira com seus frutos tão cheirosos...

Talvez, não mais encontremos tais cenas, porque vivemos pendurados em blocos, frios, de cimento.

Como restaurar tais sensações?

Acredito que, ainda, haja tempo. Ouçamos o cantar dos passarinhos que teimam em permanecer nos brindando com sonoridades bastante diversas, conforme a espécie que visita as árvores de nossas ruas.

Há que se conduzir nossas crianças a que aprendam a observar, a captar imagens e sons que serão patrimônio interior de cada uma delas. Fazemos parte da natureza e com ela temos que conviver em harmonia, preservando-a.

Caso contrário, apenas botões a serem acionados é o que terão.

E se, repentinamente, aquele mecanismo falhar, o vizinho do lado, um ilustre desconhecido, talvez nem lhe atenda, pois nunca lhe deram um bom-dia.

Aproveitando o belo poema MEU CORAÇÃO DE POETA da poetisa Ilda Maria Costa Brasil, publicado no livro A Essência da Poesia, temos a demonstração da importância do olhar infantil, bem como daquele olhar poético que transforma simples gotículas de água em mensagens que permitem revermos o filme particular de cada um de nós nesta jornada que se chama VIDA.




Portanto, cultivem essas gotinhas mágicas, pois se transformarão em lembranças especiais que nos permitirão rever o filme de nossas vidas.

Quanto aos anjos, que são nossos constantes protetores, que possamos revê-los com aqueles olhos infantis que, digo eu, veem, em suas asas, a proteção estendida da mãe. Acredito que possamos ver o mundo, ainda hoje, com olhos infantis desde que preservemos nossas crianças cultivando imagens, sons, cenários que possam torná-las, num futuro, adultos resilientes, embora em harmonia com os semelhantes, conforme prevê o olhar poético da autora do belo poema.






domingo, 3 de fevereiro de 2019

IMAGENS... SENSAÇÕES... LEMBRANÇAS...



Quando pequena, ainda uma menininha, a escada onde se colocava, sob o olhar da mãe zelosa, era fora do pátio. Sua casa ficava abaixo do nível da rua.

Depois, mais grandinha, eram os vãos da cerca que fazia divisa com a casa da melhor amiga de infância.

Bem mais tarde, vieram os campos por onde se deslocava até a escola.

Sabe, hoje, que aprendeu, naquela época, que o olhar sobre as coisas e as gentes é um legado que permanecerá na memória como algo extremamente importante. As imagens deixam marcas durante a nossa caminhada. Elas estão presentes, são pessoais e intransferíveis. São criações próprias em parceria com o outro e com a Natureza.

Bem depois ainda, as manhãs, tarde e noites, cada uma delas, do jeito com que as enfrentamos, foram acumulando mais imagens.

Confesso que as imagens de hoje são bem diferentes das de ontem, mas não menos importantes. Muitas delas, ainda belas. Imagens vividas, sentidas ao vivo e a cores. O real é, ainda, o melhor meio de fixá-las na mente, pois contam com nossa emoção ao vê-las, ao participar delas. Fixam-se na memória para sempre. A nossa história de vida, pelo nosso visual, é plena de significados. E com tantas imagens poderíamos traçar o trajeto que percorremos desde o momento em que percebemos o nosso entorno até, tardiamente, quando resgatamos estas imagens e acrescentamos outras tantas, sempre diferenciadas das anteriores. Por isso, sempre ricas de conteúdo.

Todas as imagens que nos acompanham deixam um legado. Alegria, tristeza, desespero, medo, surpresa, perplexidade, afeto, carinho, amor, paixão e tantos outros sentimentos.

Imagens como este corredor de árvores que me acompanham, há algum tempo, em breve desaparecerá. Um pátio arborizado com muitas árvores cederá lugar para um prédio de apartamentos. Mas esta imagem permanecerá em minha memória visual, assim como faz parte da capa de meu livro, recém-publicado. Ao fundo, acompanho uma árvore plantada no último andar de um prédio. Parece querer alcançar o céu, tamanha a vontade com que cresce.

Bela imagem que permanecerá como uma referência do desafio da Natureza em meio a tantos obstáculos. Um ser vivo se impondo pela grandiosidade e pela admiração que inspira. Tal qual um ser humano, obra do Criador, apresenta-se como um ser ainda sobrevivente neste universo de concreto.

Como se esquecer daquele pátio onde imagens se sucediam, ano após ano, com uma interação sempre pessoal com a Natureza, embora se vivesse na cidade.

O afiador de facas e seu chamado com o apito não mais assusta. A imagem ainda é a mesma. Continua passando pelas ruas do bairro atual.

Já o assobio do catador de latinhas é algo novo. De uns tempos para cá, começou a assobiar. Acho que para tornar seu caminhar mais leve. São imagens que se encontram com as antigas. Todas presentes numa interação ser humano/ser humano. Não há barreiras, nem telas a separar. Tudo é tangível. Esta interação é primordial em algum momento da vida. E a infância é o melhor momento para que isto se sedimente na memória de cada um de nós. Esta interação nos acompanha já na fase adulta. Uma amiga bem próxima revelou que, durante suas viagens, não tem mais registrado no seu celular paisagens pelas quais passa. Tem dado preferência a fixar as imagens através de seus olhos, guardando-as naquele compartimento secreto que aciona quando quer lembrar ou sentir aqueles momentos desfrutados junto à Natureza. Tem pensado, inclusive, em voltar a bater fotografias com sua máquina fotográfica tradicional, revelando após estas imagens. Com certeza, elas não se perderão na nuvem. As imagens fixadas em sua mente serão confirmadas pelas fotos que guardar nos álbuns que possui. E olha que esta afirmação é de uma pessoa jovem.

Hoje, com uma bagagem suficiente de belas imagens parceiras, pergunto como não chocar-se com as recentes imagens de devastação que se abateu sobre um lugar considerado ponto turístico, envolto pelas brumas da região, daí a origem de seu nome.

Como fazer frente a tantas imagens chocantes que nos cercam hoje?

Acredito que o caminho é buscar, no fundo do baú da memória, imagens que nos deem algum alento e que possam fazer frente a cenas tão esvaziadas de amor: amor ao próximo, amor à Natureza.

Quem ainda consegue buscar a beleza que existe no céu estrelado, no sol que acorda ou que se põe, nas nuvens que bailam, na chuva mansa, no voejar dos pássaros, no canto do bem-te-vi? Todo aquele que ainda se importa consigo, com o outro e com a Natureza.

A comunidade aguarda que os poetas, os escritores, os compositores, os músicos instrumentistas, os pintores, os paisagistas, todos aqueles cuja sensibilidade clama pela apreciação do belo: se manifestem. É um pedido de socorro, em forma criativa, que deve chegar aos que administram as cidades, o país.

Se nada for feito pela preservação e respeito à Natureza: todos perecerão.

Estaremos envolvidos pelas brumas que escondem as tragédias, pela devastação de nossa Natureza, pela poluição de nossas fontes hídricas.

Mostremos a importância dos sons que nascem das fontes, da luz que repousa, ao entardecer, no horizonte dos rios, dos animais que compõem a Natureza.

Preservemos estas belas imagens para que nossas crianças também possam tê-las como lembranças de uma infância saudável.

Que seus olhos infantis guardem imagens, sons, cheiros e tantas outras sensações que lhes servirão de referenciais para um caminhar suave sobre a terra em que nasceram. Que esta terra sirva a seus filhos como uma mãe zelosa que cuida para que nada falte ao seu pleno desenvolvimento, tornando-os cidadãos responsáveis.

Tudo para que nossos olhos não se turvem com as lágrimas diante de cenas de devastação que se estão tornando corriqueiras.

Que imagens estamos deixando para olhos infantis que assistiram cenas de tamanho impacto?

Somos seres vivos carentes de outros seres vivos. Sobrevivemos nesta cadeia de interação, bem como perpetuamos a espécie.

Tudo o que avassala os nossos bens, oriundos da mãe Terra, nos torna vulneráveis física e espiritualmente.

Desastres possíveis e alguns previsíveis não podem ser mais tolerados.

É! O tempo dos campos floridos, do cheiro do jasmim no jardim, do leve piu-piu ao longe, do rom-rom na calçada, do grasnar no telhado, do leve som que cai sobre as pedras, abaixo da cachoeira... Tudo isto está fadado a desaparecer? Será?

Acordemos dessa letargia.






Apesar de tudo...

Fixemos o olhar no que ainda resta.

E ainda resta o bastante para que nos empenhemos em sua preservação.

Que as imagens, sensações e lembranças dos que sobreviveram possam ser superadas por novas imagens que se sobreponham e indiquem a possibilidade de construção de novos modelos para a economia da região.

Talvez os olhinhos infantis daquela bela região possam ainda usufruir de novas e belas imagens que façam parte de suas lembranças. Porque lembrar faz parte de nossa caminhada. E é muito bom quando estas lembranças só nos fazem bem.



Ah! A Banda São Sebastião, fundada em 13 de maio de 1929, formada por músicos da região devastada, encontra, nas músicas que continuam a executar, lenitivo para tanto sofrimento que se abateu sobre a cidade. (Depoimento prestado por um de seus músicos ao Fantástico neste domingo, dia 3 de fevereiro)














sábado, 24 de novembro de 2018

ADIANTA, SIM!


Pela rua, com uma pequena mochila às costas, caminhava e falava. Não gesticulava. Apenas falava. Às vezes, num tom mais alto. As palavras eram repetidas à exaustão. Tive minha atenção despertada, pois eu caminhava alguns passos atrás. Ao ultrapassá-lo, lentamente, pude observar que não portava celular, nem fones de ouvido. Questionava o fato, demonstrando não se conformar com o ocorrido.

E o que ocorrera?

Parece que haviam roubado um verso. Mais precisamente o 5° verso.

Exasperado, repetia e repetia:

-Roubaram o quinto verso. Não adianta escrever!

Incrível ter ouvido esta frase de um transeunte sozinho, andando por uma calçada do bairro onde moro, longe de onde eles, os versos, flutuam por entre os jacarandás da praça que os acolhe.

Quem teria roubado o tal 5º verso?

De qual poema?

Quem seria o seu autor?

O próprio transeunte?

Ou estaria ele impregnado pela atmosfera de magia, própria daquela praça “dos livros”, que foi capaz de torná-lo tão imaginativo a ponto de transformar-se em um poeta.

Estaria nascendo um novo poeta?

Afinal, cantar e escrever, dizem, é só começar.

E quem teria roubado o seu 5º verso?

Seria apenas imaginação sua?

Quem sabe, uma desculpa para não escrever. Teria tentado escrever um poema, mas ao ver-se sem ideia alguma para tanto, alardeava, agora, que não escreveria mais. Seria apenas uma desculpa para encobrir a sua incapacidade.

Pessoalmente, não creio nessa possibilidade.

Um poema pode nascer desse seu caminhar que se deixa acompanhar pela sua própria voz. Basta sentir desperta esta vontade de expressar-se. E o verbo roubar, talvez, esteja tão em moda que o usou querendo dizer que este 5º verso sumiu da publicação. Um problema da editora.

Brincadeiras à parte, talvez o poema INSPIRAÇÃO represente, de forma plena, o amálgama entre o poeta e a sua criação. Uma completude que o sustenta, que o alimenta e que dá frutos para quem de sua obra puder sorvê-la.

Imagine se, acaso, sumisse o meu 5° verso da estrofe que segue. Ficaria ela, a Poesia, sem a definição do que ela é pra si mesma. Raciocínio que se completa no verso seguinte.

Ela, com certeza, é muito pra mim mesma, pois ela própria reforça a certeza de ser tudo pra mim.

Acompanhe a segunda estrofe e seu 5º verso:


Eu sou tua amada transfigurada.

Eu sou tua inspiração.

Então, vê se, qualquer dia,

Busca, em outra amada, mais do que sou:

Porque eu sou apenas POESIA.

Mas sou TUDO pra ti.


E se esta aprendiz de poeta, neste outro poema, descobrisse o sumiço do 5º verso que encerra a última estrofe do seu poema POETAR. Veja a falta que faria.


É saber-se artífice da palavra,

Mas não seu dono.

Pois essa arte de sua lavra,

Se a muitos puder encantar,

Aí, sim, valerá a pena poetar.



Agora, impensável seria o sumiço dos 5ºs versos do poema ISTO, do poeta/maior Fernando Pessoa. Imaginem a falta da confissão poética que tudo esclarece ao final.



(Poesia Completa, página 165)




Por isso, meu conselho ao transeunte/poeta é que persevere porque de uma perda poderá nascer uma ideia que resgatará esta frustração. Uma nova inspiração, um novo olhar, outro ângulo, outro enxergar.

Tenho pra mim que a atmosfera da Feira do Livro desceu sobre esta cidade uma aragem renovada, plena de emoções afloradas.

Todos ganharam. Os que escrevem, aqueles que leem, aqueles que apenas circulam, timidamente, por entre as bancas, mas absorvem as sensações que encontram pelo caminho, bem como as conversas que despertam a atenção.

Alguns, quem sabe, sentirão despertados em si o poder criador pela necessidade de exprimir suas emoções, preenchendo aquela folha em branco que há tempo jaz sobre a escrivaninha.

Outros se perderão no meio de tantos livros comprados, mas que serão apreciados pela leitura rotineira.

Aos que habitualmente escrevem, com certeza, terão seu prazer recompensado pela leitura e exposição de seus livros àqueles muitos que puderem encantar.

E ao nosso transeunte/poeta, que vive “off-line”, parece este mês de novembro ter trazido a ele a possibilidade de sentir-se poeta: o que não é de todo mau negócio.

Dizem alguns que “de poeta e louco todos têm um pouco”.

E isto ficou provado neste encontro inusitado com alguém que perdera o 5° verso.

Acredito, porém, que tenha ganhado momentos de êxtase com sua criação mental: o que já é um bom início para o nascimento de um poeta.

Portanto, siga em frente!

Afirmo com convicção, meu caro transeunte/poeta:

ADIANTA, SIM!


Pois, saiba que versos, mesmo sendo “Simples Versos”, feitos de coração, são um presente para quem os recebe. Veja o que a música VERSOS SIMPLES, cantada por uma das componentes do Grupo Chimarruts (vídeo abaixo), deixa como recado a todos nós.



Versos Simples - Chimarruts









sexta-feira, 10 de outubro de 2014

UMA SOMA VALIOSA

Uma parede de hortênsias adornava a janela do quarto. Belas flores azuladas também cobriam a parede lateral da casa, que se enfeitava ao longo de praticamente o ano inteiro. Tudo para contrastar com a cor da parede verde-musgo e com uma janela de cor verde-clara, parecendo mar. Vez por outra, apareciam algumas florzinhas cor-de-rosa, para ainda mais bonito ficar o conjunto. 

Uma imagem fotografada pelo olhar ao longo dos anos. Registrada para sempre ficou. Tornou-se repetida em desenhos com paisagens que Aninha reproduzia, quando solicitada pela professora nas aulas de desenho. Seus desenhos de céus e morros verdejantes primavam pelos azuis e verdes intensos, embora as hortênsias não aparecessem. Restara apenas a combinação de cores e a sua intensidade.

Aninha e a Natureza sempre dialogaram muito bem. Embora citadina, a sensibilidade para o movimento seu e de outros seres a sua volta sempre esteve presente. Os sentidos aguçados sempre tiveram lugar na primeira classe de suas observações e sensações.

Como explicar o ouvido tão apurado a ponto de ouvir uma folha seca bater de encontro ao chão? 

E os barulhos e sons facilmente percebidos e diferenciados por ouvidos tão despertos?

E o cheiro de terra molhada a prenunciar chuva próxima, detectado a tempo de correr a recolher as bonecas para lugar seguro?

E o constante colocar-se na ponta dos pés como se uma dança estivesse por iniciar-se a qualquer momento? O pediatra reconhecera, à época, que a tal menina seria uma boa dançarina, tranquilizando a mãe preocupada com este gesto habitual da filha. Tal ritmo à flor da pele seria fundamental nas aulas de música, que se sucederiam anos após.

E o que dizer da Mindinha?

Entre frutas, hortaliças e galinhas, ela, a Mindinha, sobressaía como a preferida da menina. De tão velhinha, um dia desapareceu. Ao que parece, foi entregue a uma vizinha para que não fosse sacrificada pela família de Aninha. Lá, deve ter se transformado em um suculento prato.

As emoções iam-se somando e capacitando Aninha ao enfrentamento com o inesperado.

E a Isabel, vizinha de cerca, com quem trocava aneizinhos que acompanhavam as balas azedinhas da época? 

E a colmeia de abelhas, bem no fundo do pátio? Aquele zumbido que Aninha respeitava, não chegando próximo por cautela?

E o canto do galo junto à cerca do vizinho? Altissonante, esbanjando charme, com aquela crista bem vermelha, não deixando dúvidas de quem era o mandachuva por ali? Parecido com alguns humanos. Aninha até lembrou-se daquela música chamada Bicho Gente, do CD Arca de Noé, de Kleiton e Kledir, que diz:

“Todo mundo é um pouco bicho, todo bicho é um pouco gente, tem olho, tem nariz, tem dente, tem pai e mãe e até parente, tem amor que nem a geeente!” 

E o que dizer da habilidade de andar de bicicleta de duas rodas pelo pátio, em meio a tudo isso?

E o jardim com rosas plantadas, que abrigava uma gruta com a imagem de Nossa Sra. Aparecida?

E a mãozinha que sentia a aspereza do salpique de cimento que revestia o poço?

E a figueira, que dava figo de verdade todos os anos, com um balanço bem ao lado que oferecia colo para Aninha, enquanto ela dava o seu para a boneca Mariazinha nanar bem devagarzinho?



Imagens, sons, cheiros, sensações: um universo real que se tornava lúdico a cada amanhecer.

Experiências que sedimentam lembranças, permitindo manter olhares sempre renovados sobre o que nos cerca. Tudo, a cada dia, será novo se o lúdico permanecer em nós. Ao que parece, a interação entre Aninha e todo o universo ao seu alcance continua capaz de fazê-la alçar voos para aquele outro, não visível, mas que a acompanha durante o sono daquela criança, que ainda persiste.

Emocionar-se com a melodia de uma sinfonia, ou com uma nuvem que desliza ao sabor do vento, é produto de sensibilidade despertada bem antes, ainda na época em que o olhar se detinha nas imagens oferecidas no seu entorno.

Neste conjunto de vivências, caberá aos pais fornecerem orientação sobre justiça, caráter, honestidade e demais valores necessários ao bem coletivo. 

Daí a importância de que às crianças sejam fornecidos meios e situações vivenciais que, juntos, formarão uma soma valiosa, capaz de propiciar elementos de qualidade para o futuro que a elas pertence.

A rua poderá tornar-se menos perigosa se conseguirmos buscar no lastro de qualidade, cultivado na infância, os passos corretos para encontros que valham a pena.

Quanto aos elementos modernos de comunicação, caberá, novamente, aos pais a dosagem adequada, pois a interação pessoa/pessoa deverá priorizar o diálogo à frieza e ao automatismo das máquinas. Ainda não se inventou nada melhor do que o homem. Devemos continuar apostando em seu potencial humano, para que se torne mais humanizado a cada dia.

Um Feliz Dia das Crianças para nós todos que ainda conseguimos manter um espírito brincalhão: apesar de tudo.



E, agora, um haicai pra Aninha comemorar este já tão distante O PÁTIO, guardado na lembrança, mas ainda presente no seu universo lúdico: como se fosse hoje.




Bicho Gente – Kleiton e Kledir





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Amelia Mari Passos: "Tornar o cotidiano lúdico é uma tarefa e tanto." Uau. Gostei. Conheci teu blog. Bravo!