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sexta-feira, 25 de julho de 2014

A BOMBA



“A bomba abriu um belo buraco no teto, por onde o céu azul sorri para os sobreviventes.” 

Mário Quintana (Caderno H – p. 143)


Será este um pensamento poético sobre a dureza da guerra? Vamos adotá-lo como abertura para as tragédias diárias, que se sucedem nas guerras fratricidas mundo afora.

É difícil mantermos a esperança de que o céu ainda sorria após tanta atrocidade.

Talvez, apenas um poeta, como tempos atrás escrevi, possa:


...mergulhar o olhar no avesso do belo e ao final,

Com seu poetar,

Entregá-lo menos feio do que o original.

É pousar o olhar sobre este mundo

E devolvê-lo, em versos, mais iluminado e puro.



Torna-se, porém, cada dia mais difícil poetar.

Quintana já percebera isso quando escreveu o seu POEMA OUVINDO O NOTICIOSO.


Os acontecimentos tombam como moscas sobre a minha mesa:

z...z...z...z...z...z...z...z...

De junto a mim, 

- len-ta-men-te -

A Presença Invisível afasta-se

Deixando

Um rastro

De silêncio...

A página aguarda

O Poeta aguarda, mudo...

Em vão!

(O limite do poema é uma página em branco).

(Baú de Espantos, p. 92)



Cabe ao artífice da palavra, porém, como sempre fez ao longo dos séculos, perseverar na transposição de imagens e sensações para o universo escrito, poético ou não.

Há que se perceber o fato, mas não só ele.

Quintana assevera que “o fato é um aspecto secundário da realidade” (Caderno H, p.124). Devemos buscar a realidade, digo eu. Será isto possível?

O porquê dos olhos lacrimosos de Eunice? O poeta não saberá qual o motivo daquelas lágrimas. Construirá sobre elas um quadro cheio de sonoridades, ritmo, cor, talvez rima, para fixar o momento através da palavra escrita. Ele estará criando, neste instante, sobre uma realidade por ele imaginada. Uma realidade com cheiro de adivinhação. Isso dá ao poeta possibilidade de voos próprios de seu fazer literário.

Quando, porém, o olhar choroso é de uma criança em meio aos destroços de uma guerra insana, o fato não permite realidades imaginárias. A realidade está colada ao fato. Ao poeta caberá poetar sobre a realidade da guerra, por todos os aspectos, abominável. E todo o arsenal poético será trazido à tona sob a forma de figuras de linguagem e figuras de pensamento. Tudo para fazer menos dramático, se isso é possível, o olhar de desespero ou o rosto marcado pela tragédia da guerra. 

Porém, nem sempre acontece assim.

Quintana já alertava em O BERÇO E O TERREMOTO:

“Os versos, em geral, são versos de embalar, como eu às vezes os tenho feito, não sei se por simples complacência... ou pura piedade.

Contudo, os verdadeiros versos não são para embalar – mas para abalar. 

Mesmo a mais simples canção, quando a canta um Garcia Lorca, desperta-te a alma para um mundo de espanto”. 

(Caderno H, p. 125) 


Eu diria que os verdadeiros versos abalam sempre. Sejam eles cheios de lirismo ingênuo, quase infantil, pois esses calam fundo em quem os lê com a alma ainda de criança, que deve existir em cada um de nós. Ou, também, aqueles outros versos que fustigam os senhores das guerras. Senhores dissimulados em ideologias de todos os matizes, em fanatismo religioso, em etnias marcadas pela história dos tempos, em interesses econômicos devastadores ou até na pura ganância, própria do gênero humano.

Exemplos de versos tão abrangentes foram escritos por Carlos Drummond de Andrade que, usando da figura de repetição, que é a linguagem da emoção, reforça, pela reiteração, o horror da “bomba”. Uma ameaça latente que paira sobre todos nós. O poeta, hoje, provavelmente, acrescentaria mais algumas nacionalidades na enumeração que faz dos centros de poder.

Acredito, porém, que manteria os últimos versos desse famoso poema A BOMBA, transcrito abaixo. Tinha ele esperança de que o homem liquidaria com a bomba, não permitindo que houvesse a destruição da vida. Da vida no Planeta, acrescentaria eu.

Tal qual Vinícius de Moraes, que poetou sobre a devastação de cidades japonesas ao escrever A ROSA DE HIROSHIMA, poesia ao fim transcrita, que se tornou uma canção musicada por Gerson Conrad, também esta criação poética, que denunciou aquela tragédia atômica, abalou profundamente todos aqueles que a leram ou que a ouviram, já musicada.

Poesia, sim, serve para descrever o que de pior pode o ser humano criar: um artefato de extermínio em massa.

A Poesia nem sempre consegue, como afirmei inicialmente, devolver ao leitor uma visão bonita, iluminada, mais pura desse mundo.

Na maioria das vezes, faz-se necessário devolver a imagem em toda a sua monstruosidade, sem retoques, para que a poesia se afirme também como uma arte transformadora: com mais ou menos lirismo. Uma arte que denuncia, alerta, mas, sobretudo, aposta no ser humano como último guardião do Planeta.

O lirismo superou a realidade em A BOMBA de Quintana.

Nos dias atuais, precisamos de vozes capazes de nos fazer despertar, sem deixar que o sonho nos desabite.

Precisamos, como Quintana, enxergar um céu azul que sorri para quem ainda sobrevive em meio a tanta tragédia.



Receita perfeita para a paz dá-nos o reconhecido compositor gaúcho João Chagas Leite, em sua canção SEIVA DE VIDA E PAZ, quando seus últimos versos assim terminam:


Se os senhores da guerra

Mateassem ao pé do fogo,

Deixando o ódio pra trás,

Antes de lavar a erva, 

O mundo estaria em paz!






A Bomba - Carlos Drummond de Andrade



A Rosa de Hiroshima -Vinícius de Moraes


Seiva de Vida e Paz – João Chagas Leite (cantor)