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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

VAGA GARANTIDA
                           OCUPAÇÃO PERMANENTE

CINZAS?

O melhor mesmo é soprá-las ao vento sobre parques, rios, lagos e lagoas: sobre a Mãe-Terra, testemunha ocular dessa nossa tão breve passagem.

Na entrada, alguns são como que jogados nesse mundo. A sua vaga poderá resumir-se a um vão de escada ou a uma laje embaixo de uma ponte. A vaga estará garantida naquele local ou em outro qualquer, pois é ela gratuita. Não precisa ser comprada. E vai sendo trocada quando houver necessidade. E haverá, com certeza.

Obstáculos aparecerão. Mas com todos os pertences juntos ao corpo, será mais fácil encontrar outro lugar. Afinal, dessa forma, com quase nada, esse ser veio ao mundo. Isso se torna “quase” natural.

Mas e quem tinha vaga garantida, fixa, de sua propriedade, e perdeu?

Será diferente?

Em princípio, a situação é absolutamente a mesma. A vaga é gratuita e, certamente, quem vier a precisar de uma a encontrará em algum lugar.

A indagação é: o que vai fazer com ela?

Vai ocupá-la apenas? Ou vai construir sobre ela alguma coisa?

Há quem se insurja contra tão reles condição humana. E passe a construir do nada algo para sobreviver, pensando não só em seu próprio benefício como ainda estendendo aos seus iguais um alento nessa caminhada.

Foi o que fez Robson Mendonça, o conhecido “Bigode”, gaúcho que perdeu tudo: bens e família. Os bens, vítima que foi de um sequestro onde perdeu todas as economias, e a família, esposa e dois filhos, mortos em um acidente de trânsito. Quer pior estória?

Foi jogado às ruas da cidade de São Paulo, tornando-se um morador de vielas até então totalmente desconhecidas.

Mas da vaga, que lhe é assegurada pela Mãe-Terra, quis sua fé, vontade e persistência criar uma bandeira em favor dos desvalidos. E ela materializou-se no Movimento Estadual da População em Situação de Rua, da qual é Presidente.

Este Movimento existe, na cidade de São Paulo, desde o ano de 2005. Adquiriu tal visibilidade que várias entidades associaram-se ao líder do Movimento, o ex-morador de rua Robson Mendonça, que coordena a entidade. O aluguel da pequena sala, onde funciona a sede, é pago pelo escritório em que atua um grupo de advogados. Há ainda a ajuda de vários ex-moradores de rua, como voluntários. Ao que se tem notícia, nenhum órgão público tem qualquer ingerência ou presta qualquer apoio ao Movimento. Pelo contrário, usam-se da entidade para encaminhar moradores de rua que necessitem de documentos, de orientação jurídica, de encaminhamento para cursos profissionalizantes e para instituições que atendam dependentes químicos.

Além disso, Robson percebeu, a certa altura da vida, a importância da cultura e criou a já conhecida “bicicloteca”, um projeto que já se estende a vários bairros da cidade de São Paulo. Tudo feito a partir de doações de cidadãos e de entidades civis.

Para melhor entendimento do projeto, seu autor, seus colaboradores e seus protagonistas, é interessante que se acessem os vídeos abaixo, bem como as matérias que encerram essa crônica.

A Revolução dos Bichos, de George Orwell, segundo palavras de Robson, foi decisiva na tomada de posição como cidadão. Hoje, ele mantém saraus em que participam moradores de rua, capazes também de poetar.

Igualmente nós, por aqui, segundo Celso Gutfreind (p.2, ZH de 16/02/13), na Vila de Passagem, temos um projeto e voluntários que auxiliam crianças a representarem o que conhecem no dia a dia, mas também aquilo com que sonham. Um exercício perfeitamente possível de se tornar realidade, desde que alguém as ajude a manterem vivo o sonho e a possibilidade de mudança e transformação.

Como diz Celso, mesmo a partir do meio inóspito. Para que adquiram instrumentos para “agarrar a vida”.

Até quando seja possível.

O fato é que nossa ocupação, por aqui, é permanente. Depois que aqui caímos, daqui não mais saímos. E estamos a falar da matéria, apenas.

Alguns continuarão ocupando uma vaga visível e onerosa. Outros, nem tão visível, nem tão onerosa. Mesmo assim, o Estado encarregar-se-á dessa indigência que permanecerá por todo o sempre.

O bom mesmo é que essa permanente ocupação se resumisse, de forma invisível, a uma nuvem que se espalhasse por esses pagos. Mas isso também é oneroso.
 




O importante é que nossa passagem, enquanto seres vivos, é transitória, mas nossos restos e, em especial, nossa presença,  na lembrança dos mais chegados, é permanente.

Poeticamente falando, somos um sopro de cinzas que alimentará qualquer praça que nos abrigou um dia. Ou recolhido sobre um banco, como se cama fosse, ou trilhando seus caminhos, sorvendo um bom mate. Ou na indigência ou na plenitude das nossas conquistas.

Que essas cinzas voem ao sabor do vento. Porque, com certeza, cairão por aqui mesmo. Essa ocupação é permanente, meus amigos.

Portanto, façamos algo de útil antes que nos transformemos em cinzas. Ocupemos nossa vaga com dignidade, como faz Robson Mendonça.

E, finalmente, que ainda nossas cinzas alimentem as veredas desse chão.

 E que a poesia nos inspire, trecheiros ou não, a seguir em frente. Sempre em busca de um sonho. Porque sonhar é preciso. Porque, também, é preciso cantar, mais do que nunca é preciso cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade, como diz o mestre Vinicius de Moraes e seu parceiro Carlos Lyra, na conhecida “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas”.




Robson Mendonça conta sua jornada de agropecuarista a líder - TV Cultura