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quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

 



 
ESSE TAL “DEVIR”

Pois o taura Juvenal andava preocupado. Já nem pregava o olho direito à noite.

Escutara, lá nos galpões, a peonada falando umas doidices. Que estaria tudo por acabar! Que não iria sobrar ninguém pra contar história. Dos detalhes não se falava. A coisa, diziam, ia ser feia! Mas como estava acostumado a enfrentar qualquer entrevero, não se assustava tão fácil.

O problema é que essas conversas estavam se alongando demais. E isso estava deixando Juvenal mais nervoso que potro com mosca no ouvido.

Então, nada melhor para se tranquilizar do que ir se aconselhar com Theobaldo, um antigo patrão. Aquele gaúcho macanudo sabia tudo de tudo e de todos. E o tal era auxiliado pelo filho, o patrãozinho Ricardo, guri que estudava na cidade grande e que estava de férias, casualmente. Pois foi ele que dissera que Theobaldo, seu pai, tinha até uma certa parceria com Deus, pelo menos no nome. Imagina que Theo queria dizer Deus, numa tal língua antiga, chamada dos gregos.

O que Juvenal buscava era explicação para essa conversa que corria pelos galpões. Uma história que o estava deixando mais assustado que guri na zona. Na verdade, depois desse encontro saiu mais bem informado que dono de funerária e, claro, mais tranquilo que vaca na Índia.

Pois o tal guri estava presente quando Juvenal foi ter com Theobaldo. E foi aí que começou o enrosco na cabeça do vivente. Quando parecia que começava a entender a explicação do patrão Theobaldo, lá veio Ricardinho e conseguiu deixar a coisa mais enrolada que namoro de cobra.

O que o patrão tinha falado é que Juvenal não precisava ficar preocupado. Notícias desse tipo já tinham surgido muito antes. Não era de hoje que se falava que o mundo iria acabar. Mas, até hoje, nada acontecera. Começou, então, a lembrar de vários momentos, no passado, em que essa notícia também surgira e nada acontecera. O dia seguinte amanhecera igualzito ao anterior, com as mesmas vacas no pasto, com os peões mateando cedito no galpão, antes das lides campeiras. Tudo parecendo igual ao dia anterior. Esse igual é que era diferente.

Pois foi aí que o Ricardinho resolveu dar o ar da graça. E começou uma conversa difícil de entender, mais complicada que fala de gringo.

O guri foi dizendo que tudo, todos os dias, é diferente. Nada se repete duas vezes. Falou de um tal de Heráclito, da turma dos gregos, que ele tinha estudado. Juvenal não entendeu muito bem o exemplo que o guri tomou emprestado do filósofo. A tal corrente de um rio que a gente toca quando entra n’água. E, quando se entra de novo, já é outra água. Daí em diante, quando o patrãozinho falou em devir, a coisa complicou mais ainda para Juvenal.

Theobaldo, nessas alturas, olhou de atravessado para Ricardinho. Mas o guri resolveu dar a volta por cima e apelou para o que Juvenal conhecia muito bem: os “bate-coxas” na casa de Siá Maria. E disso Juvenal entendia.

Daí o guri lembrou a preferida de Juvenal, a Maricota do bolicho. Pois, a cada bailanta, Juvenal dançava com Maricota, mas era sempre diferente. Ou não era? As vaneiras nem sempre eram as mesmas. Às vezes, eles começavam a dançar de um jeito, às vezes de outro. O taura concordou que era isso mesmo. Só que acrescentou, com olhar de capivara, que geralmente terminavam sempre do mesmo jeito.

O guri, com essa, resolveu fazer-se de desentendido.

Enquanto isso, Theobaldo começou a achar que o filho tinha dado conta do recado. Juvenal parecia que ia entendendo melhor essa história de que nada se repete, de forma totalmente igual.

E isso ia ajudando Theobaldo a chegar onde queria, isto é, demonstrar ao Juvenal que, embora ele nunca tenha percebido, as coisas nunca se repetem. Assim, tudo se acaba num dia e recomeça no seguinte, de outra forma, embora pareça tudo igual.

Dessa forma, o patrão foi tranquilizando Juvenal, ao retirar do vivente aquela sensação de fim de mundo, de terra arrasada.

Portanto, tudo, todos os dias, acaba. E nada, no dia seguinte, é exatamente igual. Mesmo assim, tudo permanece existindo. Inclusive, é claro, Maricota.

E Juvenal, confirmando ter entendido a lição, acrescentou que, com certeza, Maricota amanhecia diferente depois de um bate-coxa num surungo bem bagual. Diferente, mas sem deixar de ser a Maricota, aquela do Bolicho do Guedes. Ela que, a cada baile, terminava a noite nos pelegos de Juvenal. Aliás, os pelegos estavam na hora de serem trocados, pois já não eram os mesmos também.

Satisfeito foi-se Juvenal embora, achando que esse tal devir tinha saído melhor do que a encomenda.



Quanto ao fim do mundo, o bicho não era tão feio, conforme estavam pintando.

E Theobaldo, acolherado assim com Deus, ia saber das coisas bem antes. Não ia?

Diante disso, o vivente saiu despacito, mais devagar que tropa de lesma, pensando na última frase do patrão:

“Deus sabe o que faz; o homem não sabe o que diz”.

 


 

 
 
 
 
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