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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011








O HOMÔNIMO


Coqueiro! Eu te comprehendo o sonho inattingivel;

queres subir ao céu, mas prende-te a raiz...
O destino que tens, de querer o impossivel,
é igual a este meu, de querer ser feliz.
.........................................................................

Consolou-se depois: “O Senhor jamais erra...
Vae! Esquece a emoção que na alma tumultúa.
Juca Mulato! volta outra vez para a terra,
procura o teu amor, numa alma irmã da tua.

Esquece calmo e forte. O destino que impera,
um reciproco amor ás almas todas deu.
Em vez de desejar o olhar que te exaspera,
procura esse outro olhar, que te espreita e te espera,
Que ha por certo um olhar que espera pelo teu..."
(versos finais do poema JUCA MULATO)

(excertos extraídos do livro original, autografado pelo autor, publicado pela Companhia Editora Nacional em 1937, em sua 16ª edição)


Chovia quando o avião aterrissou. Chuva de verão que, dali a instantes, deu lugar a um luminoso Sol, rei da estação. Não tardou e seus raios acomodaram-se no horizonte, já sonolentos, prontos para darem vez à bela da noite. E, naquela noite, ela se fez bela por demais.

Luísa, embalada por essas imagens, acabara de hospedar-se no hotel. Da janela do quarto, viu acenderem-se as luzes da Ponte Hercílio Luz, cartão postal tão conhecido. E foi num hotel, perto dessa ponte, que Luísa, com um pouco de sorte, um ouvido atento e muita curiosidade, encontrou uma pessoa cuja história bastante curiosa vale a pena contar. Aliás, esse é seu ofício no momento. É uma contadora de histórias.

Com a agenda lotada para o dia seguinte, tratou de jantar no hotel e recolher-se rápido.

Na manhã seguinte, pronta para os compromissos, desce ao saguão do hotel à procura de um táxi. O atendente da recepção prontamente apresenta-lhe o taxista que serve ao hotel. Um táxi executivo que, por quatro dias, lhe conduzirá aos lugares mais distantes, que fazem parte de seu roteiro. O condutor, um cidadão educado, discreto, gentil, bem apessoado a quem todos chamam de senhor Menotti.

Luísa, pessoa bastante comunicativa, mantém com o senhor Menotti extensas conversas durante as “corridas”, algumas mais longas, no decorrer de sua estada na cidade. Na verdade, estava na ilha para tratar de papéis relativos a um imóvel de sua propriedade, que seria posto à venda. Comentou, na oportunidade, que estava tendo dificuldade com a correta avaliação do imóvel, considerando-se todas as benfeitorias nele existentes. Parece que, ali na ilha, só valia mesmo a metragem do imóvel para fins de avaliação.

Ficou sabendo, então, que o taxista, quando vendera seu apartamento, depois da separação, também encontrara dificuldade na avaliação correta para a venda, pelo mesmo motivo. Não adiantara coisa alguma as melhorias que fizera no imóvel quando lá morava, ainda casado.

Nessas idas e vindas, depois de um certo tempo, Luísa, curiosa, faz pequena observação sobre o nome com que é chamado o taxista. Acredita ela, até aquele momento, que Menotti seja o sobrenome do cidadão. Todos, no hotel, o chamam dessa forma. Ela própria, observando mais atentamente as feições do taxista, acha que ele seja de origem italiana: daí o sobrenome.

À pergunta de Luísa, o senhor Menotti, sorrindo, responde que Menotti é o seu prenome e não sobrenome. Mais curiosa, ainda, Luísa faz referência ao poeta Menotti Del Picchia, perguntando ao taxista sobre a admiração e o gosto pelas poesias que, com certeza, a mãe dele deveria ter tido.

O senhor Menotti, então, informa que era o pai e não a mãe o grande admirador do poeta.

A corrida encerra-se ali, naquele instante, e a curiosidade de Luísa aumenta. Na verdade, gostaria de mais detalhes, mas se contém. O taxista é discreto.

As corridas se sucedem e as conversas também. Tendo Luísa resolvido todos os assuntos que a levaram até a ilha, e já conformada com as poucas informações que conseguira acerca do nome do taxista, combina com ele o horário para levá-la ao aeroporto na manhã daquela quarta-feira, dia do embarque.

Ao despedirem-se, o taxista passa-lhe o seu cartão pessoal, para novamente atendê-la quando retornasse à ilha.

E qual a surpresa! O nome do taxista é: Menotti Del Picchia.

Luísa, incrédula, com o cartão na mão, encara o taxista. Ele, então, educadamente, acrescenta seu sobrenome ao Menotti Del Picchia: Braga Pinho.

Nesse instante, Luísa esquece o avião. Acha mesmo que até perderia o avião, se fosse o caso. Felizmente, isso não aconteceu.

A conversa, porém, alongou-se, dando tempo a que ele explicasse como surgira o tal nome em sua vida. Na verdade, seu pai trabalhara como secretário particular, mais precisamente como calígrafo para o reconhecido poeta paulistano. Ele próprio também nasceu em São Paulo, estando radicado em Florianópolis há mais de vinte anos. Seu pai nutria um profundo respeito e admiração pelo poeta. A tal ponto que lhe colocou o prenome usando o nome de Menotti Del Picchia. Acrescentou, ainda, que se tivesse nascido uma menina teria o nome da governanta do poeta. Infelizmente, não soube o taxista dizer qual seria esse nome.

A chamada para o embarque desperta Luísa daquela viagem no tempo. Despede-se do senhor Menotti, agradecendo todas as informações obtidas.

Na agenda vão todos os apontamentos acerca dessa história que teve origem ao tempo do poeta Menotti Del Picchia, eleito, em 1943, para a Academia Brasileira de Letras e, em 1982, proclamado Príncipe dos poetas brasileiros, mais um dentre os poetas que compõem o reino da Poesia Brasileira. Ele, que foi estudado por Luísa no Curso de Letras, é fonte inspiradora, hoje, através de seu homônimo, na elaboração dessa crônica.

O que o homônimo não sabe é que também o nome do poeta foi uma homenagem que o pai dele, Luís Del Picchia, fez à memória do revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi na pessoa do filho nascido de Anita, sua companheira brasileira, chamado Menotti. Essa opção foi considerada, à época, demais ousada pelo padre que, na hora do batismo, impôs um nome cristão antes do nome Menotti. Dessa maneira, o poeta, nascido na antiga Ladeira São João, hoje, Avenida São João, em São Paulo, foi registrado como Paulo Menotti Del Picchia, ficando mais conhecido mesmo como Menotti Del Picchia.

Menotti Del Picchia, nascido ainda no século XIX, no ano de 1892, viveu 96 anos, teve sete filhos com a primeira esposa, sua namorada de infância, Francisca Avelina da Cunha Salles, de tradicional família de Itapira, cidade natal do poeta. Considerado um vanguardista em ideias e atitudes, ferrenho defensor de causas polêmicas, como o divórcio, manteve-se ligado à primeira família, embora tenha escolhido, a partir dos anos 30, uma nova companheira, a pianista Antonieta Rudge Miller, com quem viveu durante quarenta anos. Foi um revolucionário na militância cultural, sem trair suas raízes parnasianas e simbolistas, como observam alguns estudiosos. Participou ativamente da Semana de Arte Moderna em 1922.

Mas o que hoje interessa à Luísa não são os aspectos acadêmicos, já sobejamente estudados. O que interessa é a existência de um homônimo, vivendo em Floripa, exercendo sua profissão com elegância, discrição, amabilidade e, claro, competência.
Descoberto por quem costuma ir a fundo quando fareja uma bela e inusitada história.

Vale lembrar que ambos os Menotti nasceram da grande admiração de seus pais por figuras importantes, que se sucederam na grande teia que é a Vida.

Luísa espera, sinceramente, que, como no último verso do poema Juca Mulato, de Menotti Del Picchia, transcrito acima, o senhor Menotti, o de Florianópolis, encontre

“... um novo olhar que espera pelo seu...”






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