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segunda-feira, 17 de março de 2014

O PRAZER DO TOQUE, A FORÇA DAS IMAGENS, UM SABOR DE QUERO MAIS...


Todos ao redor queriam tocá-lo. Sua dona surpreendeu-se com o interesse despertado. Queriam saber onde ela tinha adquirido aquele exemplar.
Os colegas, já adolescentes, cercaram-na para melhor poder visualizar aquele belo livro. Tinha ele, inclusive, a assinatura do seu autor na capa. Uma edição especial, preparada pela tradicional agência de publicidade MPM, para a Editora Record, na quantia numerada de 0001 a 11000 livros. E aquele era o exemplar de nº 1061. Tal livro tinha sido solicitado pela Professora de Português, para leitura programada ao longo do ano.
O primeiro impacto foi fornecido pelo olhar, seguido pelo toque, pelo folhear, pelo manuseio do livro com suas letras bastante graúdas a cada início de capítulo, acompanhadas por desenhos ilustrativos referentes ao texto que, aos poucos, ia se compondo. Uma obra impressa com cuidado e carinho, como merecia seu autor, o baiano Jorge Amado.
No ano de 2012, comemorou-se o centenário desse reconhecido autor. Portanto,  vale muito a pena ter em mãos uma obra, impressa em 1981, para comemorar os 50 anos de um fenômeno literário que, à época, já fizera 70 anos de vida.
E o livro escolhido foi O MENINO GRAPIÚNA de Jorge Amado, um livro de memórias, uma autobiografia, com ilustrações de Floriano Teixeira e o retrato do autor por Carlos Bastos. A importância dessa obra revela-se com a sua leitura, pois ali estão presentes todas as influências do meio onde o autor nasceu e desenvolveu-se e da grande contribuição que recebeu do Padre Luiz Gonzaga Cabral, Professor de Português, no colégio dos jesuítas, onde Jorge Amado esteve internado por dois anos.
É importante a leitura desse livro, pois nos auxilia a entender a extensa obra de Jorge Amado, toda ela fundamentada nas suas primeiras impressões, quando ainda criança, passando por uma adolescência entre jagunços, aventureiros, jogadores e recheada por sensações experimentadas junto às casas de “mulheres da vida”, como ele próprio relata. Foi lá onde, segundo o autor, acalentaram seus sonhos, protegeram sua indócil esperança, deram-lhe a medida da resistência à dor e à solidão, alimentaram-no de poesia.
Revela, a certa altura, que:

“Na literatura e na vida, sinto-me cada vez mais distante dos líderes e dos heróis, mais perto daqueles que todos os regimes e todas as sociedades desprezam, repelem e condenam.” (páginas 57 e 58)

Vale transcrever o capítulo 9, páginas 61e 62, em que o autor afirma:

“Os líderes e os heróis são vazios, tolos, prepotentes, odiosos e maléficos. Mentem quando se dizem intérpretes do povo e pretendem falar em seu nome, pois a bandeira que empunham é a da morte, para subsistir necessitam da opressão e da violência. Em qualquer posição que assumam, em qualquer sistema de governo ou tipo de sociedade, o líder e o herói exigirão obediência e culto. Não podem suportar a liberdade, a invenção e o sonho, têm horror ao indivíduo, colocam-se acima do povo, o mundo que constroem é feio e triste. Assim tem sido sempre, quem consegue distinguir entre o herói e o assassino, entre o líder e o tirano?
O humanismo nasce daqueles que não possuem carisma e não detém qualquer parcela de poder. Se pensarmos em Pasteur e em Chaplin, como admirar e estimar Napoleão?”

O caráter universal de sua obra faz-se dos relatos de miséria, ambição e poder que desconstroem a liberdade, bem como daqueles em que o bem, a doçura e o humanismo fazem-se presentes. São tipos humanos que perpassam pelas obras a demonstrar, por vezes, um profundo humanismo e, por outras, a face obscura de que muitos são construídos. Isso é bem entendido por todos que o leem, não importando a que parte do mundo pertençam. Seus livros foram traduzidos em 55 países e para 49 idiomas.
Sua obra inicial tratava dos problemas sociais, das injustiças, da política, das crenças e tradições de parte do Brasil e da sensualidade de seu povo.
A partir de 1959, com GABRIELA, CRAVO E CANELA, sua produção literária ateve-se não tanto mais aos temas sociais, pendendo para um enfoque na crônica de costumes, nos tipos populares, nos poderosos coronéis, nas mulheres sensuais e nas prostitutas.
Em seguimento, passaram seus personagens a retratarem características bem brasileiras, como a contradição entre a seriedade e a irresponsabilidade, o prazer e o dever, a regra e o famoso jeitinho.
Jorge Amado nasceu em Ferradas, povoado do município de Itabuna, ao sul da Bahia, a chamada terra grapiúna. Sofreu essa várias transformações, tendo passado pelo ciclo da cana-de-açúcar e, por último, pela opulência do ciclo do cacau. Uma região, desde sempre, habitada pelos seus nativos e por toda a sorte de desbravadores e comerciantes, gente de fora e de outras regiões do país (sírios, libaneses, sergipanos, suíços, capixabas), num caldo de cultura perfeito para um “escritor” que desabrochava aos 11 anos, segundo o Padre Cabral.
Quando lhe deram como tarefa escolar a descrição tendo o mar como tema, o mar de Ilhéus foi o seu escolhido. Na aula seguinte, vejam o que o Padre Cabral anunciou, conforme palavras do próprio autor às fls. 118:
“Na aula seguinte, entre risonho e solene, anunciou a existência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala de aula. Pediu que escutassem com atenção o dever que ia ler. Tinha certeza, afirmou, que o autor daquela página seria no futuro um escritor conhecido. Não regateou elogios. Eu acabara de completar onze anos.”

Daí em diante, o menino Jorge Amado, graças aos livros da estante pessoal do Padre Cabral, pôde conhecer “As Viagens de Gulliver”, por primeiro, depois os clássicos portugueses, ingleses e franceses.
Origina-se dessas experiências de leitura seu amor aos livros, o que forneceu substrato à sua própria criação literária.
Para conhecer esse autor, nada melhor do que estudá-lo com mais profundidade. E nisso o acerto da Professora Neide ao indicar essa obra em especial, pois ela, pela própria voz do autor, revela as bases de tão profícuo escritor.
Como o autor relata, às páginas 112 e 113, o Padre Cabral não se importava com a pura análise gramatical do poema OS LUSÍADAS. Ele se detinha, para deleite e encantamento dos alunos, no poder da declamação, da força do verso e da prosa, despertando a sensibilidade “para a sedução da literatura feita de palavras vivas e atuantes.”

Agora, além disso, o que a nós, também, interessa nessa crônica é demonstrar a importância da apresentação daquilo que se vai ler, para que se aprenda a gostar de ler. E, igualmente, de quem vai motivar e de que maneira fará isso. Esses adolescentes são leitores em potencial, mas que não aprenderam, ainda, a gostar de ler. Essa tarefa é árdua, mas vale muito a pena abraçá-la.
Ter em mãos um livro e poder lê-lo em um lugar escolhido, aconchegante, folheá-lo, fazer anotações, quando se fizer necessário, é vivenciá-lo de forma profundamente íntima, tão íntima quanto às anotações que o leitor vai sobrepondo às ideias do autor e que revelam, muitas vezes, a importância de determinadas passagens à sensibilidade de quem está lendo.
Ler um livro é também tocá-lo, senti-lo, encantar-se com as imagens. E quando tudo isso se junta a um texto de traços universais, a leitura deixa, com certeza, um sabor de quero mais.
Parabéns ao Centenário de Jorge Amado!
Parabéns à Professora Neidi que escolheu a obra O MENINO GRAPIÚNA!

Todos nós, no fundo, temos um tanto desse menino, pois ele tem traços universais de rebeldia, encantamento, imaginação, lembranças, medo, audácia, esperanças, aventura, curiosidade, inquietude, solidão, tristeza, alegria e muitos sonhos. Sonhos que acalentava e que deixa claro, já como escritor, no último parágrafo do capítulo 16, página 108, do citado livro.

“Sonho com uma revolução sem ideologia, onde o destino do ser humano, seu direito a comer, a trabalhar, a amar, a viver a vida plenamente não esteja condicionado ao conceito expresso e imposto por uma ideologia seja ela qual for. Um sonho absurdo? Não possuímos direito maior e mais inalienável do que o direito ao sonho. O único que nenhum ditador pode reduzir ou exterminar.”

E para demonstrar a versatilidade do escritor, ouçam a música É DOCE MORRER NO MAR, composta em parceria com Dorival Caymmi.




PS: As últimas informações dão conta de que o livro vem sendo emprestado aos colegas por ordem de chegada do pedido. 

Sua dona anda arrasando...





É Doce Morrer no Mar – Cesária Évora e Marisa Monte