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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

BABÁ-ELETRÔNICA



- Leco, onde estás?  Não te podes desarrumar... Hoje é o grande dia. Tua amiguinha, logo, logo vai chegar...
Era os dengues de dona Aidê. Ela e seu marido, na faixa dos cinquenta, viviam como se fossem hóspedes de Leco. Eram como estranhos naquele ninho, que mais pertencia a Leco do que a eles.
A sala da morada era praticamente de Leco. Todos os pertences, decoração e atmosfera indicavam que Leco era ali o rei.

- Filhinho, cuidado com o tapete! Não derrames nada aí.

Bah, mas que coisa! Não largam do meu pé, pensava sonolento. Às vezes, dava vontade de ser até desaforado. Que chatice! Nem namorar podia sossegado. Ficavam em cima, segurando a vela... Dessa vez, ia ser diferente. Das outras, tivera plateia o tempo todo. Que frustração! Não dera em nada. Mas, agora, já sentia no ar um cheiro diferente, um frêmito se avizinhava...

De repente, um barulho de campainha ecoa no ar.

- Calma, querido, mamãe já vai abrir a porta.

- Vilma querida, como estás? Que linda garota trazes!  Que filha mais bonita!

- Leco, querido, Laísa chegou... Veio para brincar con-ti-go...

Vilma, ao ver a cena, achou meio engraçado o cerimonial montado. De qualquer forma, adentrou na sala onde Leco, empertigado, sobre o tapete aguardava a frágil Laísa.

Vilma querida, meu menino será um verdadeiro cavalheiro. Não te preocupes.

Vilma achou tudo meio estranho, isto é, pareceu estranho o comportamento dos ditos racionais. O fato é que o marido de dona Aidê concordava com toda aquela ambientação meio kafkiana.

Feitas as apresentações, olhares, narizes e o resto, tudo em cima, restava à Vilma ir-se. E assim fez. Não sem antes observar alguns fios atravessados sobre o assoalho, próximo ao tapete, que a deixaram intrigada. Mas...

Ao fim do dia seguinte, passada a primeira noite, Vilma ligou.

- E daí, “rolou”, Aidê?

-Nada. E olha que fiquei observando a noite inteirinha, Vilma querida.

Vilma já começava a se preocupar. Por que Aidê ficara acordada a noite toda? E o seu marido? E por que só à noite deveria “rolar”?

Na segunda noite, conforme informação, o mesmo resultado. Nada... Dona Aidê fizera, de novo, plantão.

Ao fim do quarto dia, Vilma soubera pela mãe zelosa, que, em sua ausência, rolara uma verdadeira batalha. Os vizinhos assustados teriam procurado por dona Aidê, buscando informações mais precisas sobre o acontecido.

Dizem que dona Aidê, ao saber do ocorrido, teria esboçado um sorriso meio amarelado, misto de vitória e frustração. Afinal, Leco não a desapontara (já andava meio desconfiada dele), embora pudesse ter sido mais cavalheiro, poxa! Educação ela lhe dera bastante. Mas, no fundo, estava meio frustrada, pois quisera ter participado como “voyeur” de tal cena. Talvez isso pudesse reacender, no quarto ao lado, um fogo já quase apagado. Achava, sinceramente, que Euclides teria também gostado de assistir. Ou não?

O fato é que Leco recuperara sua autoestima. Sua fama, que já andava meio comprometida, graças à ausência da mãe, voltara ao que era. Bons tempos aqueles em que vagava pela redondeza, exibindo garboso passo, sedutor como só ele, passando todas no beiço, ou melhor, nos bigodes.

Isso até o dia em que foi adotado por dona Aidê. Triste dia! Dali em diante, iniciou-se seu calvário. Liberdade, nunca mais. Nem para namorar... Mas, agora, após seu desempenho, acha até que, de quando em vez, com jeitinho, poderá dar uma voltinha fora daquela horrenda sala. Que pessoa mais irracional essa dona Aidê!

Vilma, algum tempo após, recebeu por telefone votos de uma “boa hora” para Laísa, com o que teria se mostrado estupefata. A que ponto chegara dona Aidê.

A propósito... Aqueles fios esparramados pela sala eram parte de uma babá-eletrônica, para que a mamãe de Leco pudesse, a cada “miau-miau” estranho, certificar-se do que estava ocorrendo. A geringonça fora instalada de há muito. Tudo em prol do Leco.

Dizem que na noite do parto, que foi normal, segundo o veterinário, o Leco miou, miou e miou, pondo dona Aidê em polvorosa. Deve ter sido o stress de pai de 1ª viagem. Com certeza...

Ultimamente, dona Aidê tem pensado em mandar um whats de Leco para Laísa, coisa simples, só para saber da prole, novas visitinhas de fim de semana, quem sabe...

Ah! A propósito, quem sabe a Internet possa dar uma mãozinha: um acasalamento virtual e tal e coisa. Até que isso seria interessante... Acredita que Euclides adoraria.

Tem pensado nisso...

Ah, meus senhores! Que tempos estamos a viver!


Agora, assistam aos vídeos abaixo e vejam a importância de um miau e, principalmente, quantos miaus são necessários para um dueto, diferenciado, cantar, ao som de miaus, um extrato da cabaletta¹ da ária Ah, come mai non senti, cantada por Rodrigo, no 2º ato de Otello. Na realidade, o Duetto Buffo di Due Gatti, ou Dueto dos Gatos, não foi escrito por Gioacchino Antonio Rossini. É, segundo estudiosos, uma compilação escrita em 1825, com passagens retiradas de sua ópera Otello, de 1816. Seu autor acredita-se que tenha sido o compositor inglês Robert Lucas Pearsall, sob o pseudônimo de G. Berthold.

1. A Cabaletta, numa ópera, é a parte final de uma ária, onde, geralmente, observam-se movimentos alegres e virtuosos.

Miau, Miau – Floribella
Dueto dos Gatos - Um dueto diferente, baseado em ópera de Rossini