segunda-feira, 6 de outubro de 2008



O RETORNO DOS DESGARRADOS

Nada como dar uma esticada até o Nordeste, não é?

Pois os jovenzinhos saíram, como sempre fazem, em busca de alimento. Só que as águas estavam tão quentinhas, e tão repletas de comida, que ficou difícil resistir à tentação de esticar mais um pouquinho a viagem anual que realizam.

Aqueles mais afoitos acabaram morrendo lá pras bandas de Sergipe e do Espírito Santo. Mas, os que permaneceram pela Bahia, foram mais sortudos. Eles bem que quiseram deixá-la, mas a Bahia com seu encanto, seu axé, seu mar piscoso, não os deixou sair.

E lá ficaram eles: brincando em suas águas. Dizem que foram vistos. Denunciada sua presença, foram capturados, com toda a garantia de sua integridade física. Após, embarcados em avião da FAB num voo de Salvador até Pelotas. Aqui, no Estado, serão acomodados em um caminhão refrigerado e levados ao Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM), em Rio Grande. Nesse local, serão tratados e, posteriormente, liberados para voltarem ao lar: as colônias do Sul da Argentina (Patagônia) e do Chile. A soltura dos animais no oceano tem o apoio da Petrobrás e do Exército.

Lá, então, darão continuidade à espécie.

Que coisa maravilhosa! Perder-se e ter gente sempre atenta a guiá-los de novo ao lar. Gente que se preocupa com os animais.

Pois, os pinguins-de-magalhães voltaram para casa.

Agora, o que preocupa é o indivíduo que pediu para voltar ao Presídio Central. Embora até tivesse conseguido um trabalho, estava foragido. Portanto, precisava cumprir a pena imposta. Daí, sua decisão de retornar.

Pelo que disse, andava passando fome. Então, resolveu entregar-se, cumprir a pena para, depois, voltar a trabalhar.

Considerando-se a atitude sensata do condenado, paira a preocupação acerca de seu retorno ao Central.

Imaginando-se aquele local como provisório, está ele muito longe de ser aquilo que representou o Centro de Recuperação de Animais Marinhos para os pinguins: a morada ideal para alguém se recuperar. Pelo contrário, segundo manifestação do Exmo. Senhor Juiz, responsável pela Fiscalização de Presídios na Região Metropolitana, as condições do Central deixaram-no, quando de sua visita ao estabelecimento, perplexo e envergonhado de ser gaúcho.

Portanto, quando de lá sair, o cidadão referido não estará recuperado. E a sociedade, que o espera, não tem com ele compromisso algum de ajudá-lo na busca de emprego e de melhores condições.

Talvez o problema seja mais complexo que o dos pinguins. Jogá-los ao mar, próximo à sua região de origem, é o bastante. Eles viram-se sozinhos. E, em suas colônias, sabem proteger-se dos demais predadores. Afinal, podem contar com os da sua espécie.

Parece que não é o que acontece conosco. Somos predadores de nós mesmos.

Precisamos, na verdade, aprender mais com os animais.

Já imaginaram? Se nós, os humanos, colocássemos todo o nosso potencial construtivo e de solidariedade em favor dos da nossa espécie?

Infelizmente, o acolhimento dos pinguins, tanto por nós, quanto pelos de sua espécie, causa inveja!


Leia também as notícias:

- Pinguins resgatados na Bahia...

- Conheça o Presídio Central de Porto Alegre


domingo, 28 de setembro de 2008



 
TALHADO PRA COISA!

Pois Paulo, por ser do tipo franzino, virara Paulinho. O que perdia no vigor físico, ganhava no raciocínio rápido, na esperteza, na quase audácia. Por vezes, excedia-se.

Como naquela vez, no colégio, em que, por detrás da porta, ouvira Irmã Beatriz confidenciar a uma colega sua simpatia pelo Professor Moacir, de Matemática. Interpretando as palavras da freira, a seu bel-prazer, achou que tinha descoberto um segredo. Guardou-o, portanto, para, no momento certo, usá-lo em seu favor.

Lá pelas tantas, numa prova de final de semestre, cometeu tantos erros que estava por um fio para ser reprovado. Daí, o pirralho pretendeu usar o tal segredo para ser aprovado. Ao ser inquirido pela irmã Beatriz, vice-diretora, demonstrou saber da tal conversa. Com isso, pretendia safar-se modificando a nota final.

Quase foi expulso por comportamento danoso a si e aos que com ele conviviam. E, claro, teve que repetir o ano. A irmã, coitada, que sentia simpatia pelo Professor, por ser ele um vocacionado para a profissão, quase já não se dirigia ao colega. Tinha até medo que os demais professores ficassem pensando coisas e loisas... Um absurdo!

Mas o guri não se emendava.

Certa feita, inventou uma tal de rifa, cujo prêmio não existia. Os pais foram chamados a devolver o dinheiro recolhido.

Conforme ia crescendo, tornava-se mais habilidoso no trato com os colegas. Mas o fato é que ninguém depositava muita confiança nele.
Acabou por concluir o 2º Grau, embora não gostasse de estudar. Essa era a verdade.

Mas lá pela casa dos vinte e poucos anos, conseguiu passar num concurso, tornando-se um funcionário público de nível médio.

Nesse novo ambiente, pôde exercitar essa sua índole nada recomendável. Aliás, antes trabalhara numa borracharia, onde lá, também, metera-se em alguns “rolos” com os colegas. Portanto, o problema não era onde ele trabalhava, mas, sim, o seu perfil.

Não se sabia exatamente o que ele pensava sobre as coisas. Nem o que pretendia. Os colegas da repartição já comentavam que Paulinho era meio muçum. Ensaboado, pra piorar.

Nessa marcha, conseguiu meter-se na associação de classe, onde obteve votos suficientes para dela fazer parte. Os colegas reconheciam que, para percorrer alguns caminhos, fazia-se necessário ser, digamos assim, habilidoso.

A essas alturas, ele ficara sabendo do apelido que lhe haviam posto: Muçum

Mas isso não lhe incomodava. Pelo contrário, dava-lhe um renovado estímulo. A cada tento obtido, ficava provado ser de grande utilidade, no seu dia-a-dia, essa sua característica.

Sim, porque ela transformara-se em algo desejável. Não mais abominável, como na juventude. Os tempos da Irmã Beatriz eram coisa do passado.

Paulinho, agora, é o Paulinho Muçum.

O fato é que já tem conseguido para o Posto de Saúde, onde trabalha, algumas melhorias. Os “coitados”, que lá buscam atendimento, têm até esperança que Muçum consiga um novo aparelho de Raios X. As comadres já cochicham que Muçum prometeu “furar” a fila dos transplantes. Ninguém sabe como ele fará isso. Também, não importa.

O que interessa é que ele vai se candidatar a um cargo no Legislativo. E conta com o apoio de todos aqueles “infelizes”, a saber: os necessitados que nele acreditam.

Dizem até que anda metido num tal de “negócio da china”. Essa “china” é aquela dona, conhecida no bairro, que, nas horas vagas, é uma sacoleira de mão-cheia. Costuma trazer, às escondidas, uns remédios Made in China, via Paraguai.

Que dupla! Esses vão longe...

Aliás, como lema de campanha já está pensando em algo tipo:

“Vote em Paulinho Muçum. Aquele que não é apenas mais um".

Todos da comunidade estão esperançosos. Paulinho já prometeu atender a todas as reivindicações. São pedidos e mais pedidos...

Mas, sempre paira a dúvida.

Tomara que ele não vire um “daqueles quitandeiros”. E ainda convença um ou outro de seus eleitores a se tornarem “laranjas”. Já pensou?

Sabe como é: uma mão lava a outra.
Favores prestados, favores cobrados...


sábado, 13 de setembro de 2008



MATEANDO...


- Terta, é uma dinheirama! Não é? Dava pra resolver muitos problemas por aí afora.

- Mas bah, tchê! Nem dá pra imaginar.

- O Dr. Siqueira, lá na fazenda, falou que é uma tal de máquina que pode revolucionar o mundo. Já pensaste?

- O que é revolucionar?

- Acho que é mudar. Só não sei se será pra melhor...

- Será que a gente pode melhorar?

- Quem sabe...

- Tem gente que diz que, quando uma borboleta bate asas na China, muda alguma coisa do lado de cá! E é só um bater de asas. Agora, imagina essa geringonça, mais enrolada que namoro de cobra. Já pensaste? Milhares de canos e fios, todos enroscados lá embaixo.

- Valha-me Deus!

- Pois é Dele mesmo que eles andam atrás, Terta!

- Será que o Patrão-Velho vai mostrar a cara? Vem sem intermediários? Acho tudo muito arriscado. Estão metendo os bedelhos onde não deveriam. Acho que isso não vai dar um quilo.

- E vai que acontece, Terta? Aqueles que estão perto da geringonça vão ser os privilegiados. Vão falar primeiro com o Patrão.

- E nós aqui, nesse fim de mundo!

- Sabes, das duas uma: ou esses caras estão só tirando um tempo, ou estão esperando o cavalo passar encilhado.

- Que nem político?

- É, isso... Todo mundo sabe que todas aquelas baboseiras não vão dar em nada. Mas todo mundo ouve, acompanha, fica esperançoso. E, no final, eles ficam por cima da carne-seca e a gente dá com os burros n’água. Será que lá, como aqui, também não teve gente que levou por baixo do poncho? Afinal, é um dinheirão.

- Pra que tudo isso, Zé?

- Não sei... Passa o mate.

- Zé, olha... A gente já conversa, há muito tempo, com Ele. E Elenunca nos faltou.

- Todos os dias, Terta.

- Todos. Nesse fogo, nesse amargo, no silêncio: a gente está mais grudada Nele que barro em tamanco.

- Pois é...Deixa os moços tentarem.

- Deus tem mais para dar do que o diabo para tirar, Zé.

- Vão acabar dando a mão à palmatória, Terta.

- É, Zé... Nesse pealo, Ele não cai.