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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

DE VOLTA? SÓ A BACIA...


Do interfone uma voz masculina perguntava se a calopsita, que caíra no pátio de sua casa, era de alguém do edifício. Aninha, atendendo ao celular com uma das mãos, informou que não conhecia alguém do prédio que tivesse uma calopsita. A bem da verdade, havia um vizinho, recém-chegado, que talvez fosse o dono da tal ave. Quem sabe? Forneceu o número do apartamento, então. Poderia, também, ter referido outro edifício bem próximo, com apartamento térreo e pátio, além de uma casa com um quintal imenso, também próxima, de onde poderia a calopsita ter escapado. Diante da impossibilidade de falar, ao mesmo tempo, com um celular e o interfone preferiu apenas mencionar o novo vizinho, por absoluta economia de tempo.

No dia seguinte, soube pelo tal vizinho que a calopsita fora entregue a ele dentro de uma bacia, para que se informasse ou descobrisse de onde ela partira e quem seria seu dono. Que empreitada!

Aliás, o Roberto, nome do novo vizinho, contou a Aninha que a calopsita já se encontrava na casa de sua sogra. Ao que parece, até já teriam dispensado a bacia e adquirido uma gaiola. Eh! O afeto já tinha tecido alguns fios de acolhimento ao pequeno ser.

A calopsita é um pequeno papagaio da família Cacatuidae, descrita como espécie, pela primeira vez, em 1792. Originariamente, é uma ave das áreas úmidas da Austrália.

Quando da entrega, ficou a dúvida se a calopsita tinha se perdido por aí ou se o dono não mais a queria. Pelo menos, foi esta a sensação extraída pelo Roberto do encontro com o suposto salvador, homem forte de cabeleira vasta.

Aninha sabe que comida para uma calopsita exige certo cuidado. Basicamente, são grãos misturados. Cuida-se, porém, que a porcentagem da mistura seja 20% de alpiste, 50% de painço, 15% de arroz com casca, 10% de aveia e 5% de girassol. Mas não mais de 5%, porque o dito engorda e não é muito bom para animais em cativeiro. Muito menos para calopsitas que são pequeninas em tamanho (12.8cm até 32cm de comprimento incluindo a cauda) e leves no peso (78g a 125g). Mas claro, há os alimentos balanceados para melhor controle de peso. Olha só o gasto!

O que deve ter acontecido com a calopsita? Ninguém sabe. Talvez, seu dono tenha resolvido propiciar alguns minutos de liberdade a ela, soltando-a pela casa. Bastou um descuido e ela sumiu por encanto. É o que pode ter acontecido. Que mão de obra!

Agora, Aninha tem outra versão sobre a entrega da calopsita. O tal homem de cabeleira vasta pode ter usado o expediente para livrar-se da ave.

Tempos atrás, Aninha adentrou no mundo das calopsitas, quando andava às voltas com a crônica O DONO DO ASSOBIO, publicada em 14/02/14. Na oportunidade, encontrou dois vídeos muito elucidativos. Num, a calopsita repetia frases tipo:

Papai é meu amigo...

Papai me ama...

Deus é bom pra mim...

Papai chegou...

Bate o pé, bate o pé...

Nana, nenê...



Já pensaram bem?

O indivíduo chegando em casa, exausto, e sendo cobrado “sutilmente” por atenção com a frase Papai é meu amigo, repetida à exaustão? Esta calopsita, a do vídeo, fala e não se aninha aos pés de seu dono como um cachorrinho ou um gatinho. E olha que a palavra é uma ferramenta poderosa!

Agora, quando ela é treinada para assobiar o Hino Nacional Brasileiro, o bicho pega!

Aquilo que, cantado na hora certa, é pura emoção, torna-se algo enfadonho, até irritante, dependendo do humor e das dificuldades enfrentadas, no dia a dia, pelo dono da casa e, por óbvio, da calopsita. Este assobiar, convenhamos, cheira mais a provocação do que incentivo.

E há quem esteja já treinando as calopsitas para cantarem a letra do Hino Nacional do Brasil! Já pensaram?



Se a versão da Aninha vingar, o dono verdadeiro da calopsita nunca mais vai aparecer.

De todo este imbróglio, parece que o Roberto apenas foi questionado sobre a bacia, que se encontra na casa da sogra, e que o dono virá buscar, oportunamente.

Agora, para quem não dispensa uma calopsita engaiolada em casa, Aninha pede que a deixem emitir o seu som característico, o seu arrulhar que pode transportar o seu dono para o mundo das calopsitas, ou para qualquer outro, podendo fazê-lo viajar em pensamento. Desta mesma forma é que Aninha viaja com os papagaios que habitam o Bairro Menino Deus. Todos livres, leves e soltos a marcarem local e hora: ao amanhecer e ao entardecer, especialmente. Junto a eles variados pássaros que os acompanham em voos circulares e que oferecem seu bailado como pano de fundo para os alegres papagaios.

Como Aninha poderá manter a imaginação fluindo se prenderem os papagaios?



Ah! Para finalizar, os estudiosos das calopsitas afirmam que o penacho sobre suas cabeças é tão expressivo quanto o rabo é para o cachorro. Penacho para cima significa estar nervosa ou atenta; quando emitem um som parecido com uma tosse é porque estão bravas; se for um grito, pode ser carência. 

Agora, se puderem, de vez em quando, sair da gaiola e voar por dentro de casa, será melhor ainda. Afinal, não lhe cortem as asas, pois com elas poderão voar por sobre os móveis e, talvez, seu dono possa apreciar melhor a beleza exuberante desta ave que não canta como um sabiá, mas que voa com graça. Ação esta que é própria de sua natureza.

Pois em gaiola, nem sendo dourada, os coitados dos passarinhos gostam de estar.

Olavo Bilac em O PÁSSARO CATIVO retrata bem a tristeza e a angústia que a gaiola representa para os pássaros, conforme poema transcrito abaixo.

E para ficar pela metade do século passado, um pouco após o falecimento do grande poeta parnasiano, ocorrido em 1918, a música SABIÁ LÁ NA GAIOLA, um dos hits do ano de 1950, dá o tom alegre e infantil, num vídeo animado, ao desejo de liberdade do sabiá.



Sinceramente, acho que de volta só querem mesmo é a bacia. Ainda bem! Acho que a calopsita já encontrou um novo lar. Nesta nova morada, acredita-se que a portinhola da gaiola todos os dias abrir-se-á, por um tempo, para que ela desfrute de uma liberdade protegida. Não é a ideal. Mas... 

Parece, pelo que soube Aninha, que, na nova morada, a calopsita já é a rainha do pedaço.



É! Até o momento, o único dono, que se apresentou como tal, é o dono da bacia: que virá buscá-la. Virá buscar a bacia, é claro. Será?






SABIÁ LÁ NA GAIOLA – Grupo Anima/Letras 




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Comentários via Facebook:

Rosangela Guerrieri Pereira: Ah, Soninha, que bonitinho o vídeo, a menininha chamando o pássaro com a mãozinha. O texto está muito lindo. Afinal, o dono virá ou não buscar a bacia? Bjo

Amelia Mari Passos: "O afeto já tinha tecido alguns fios de acolhimento ao pequeno ser" AiiI!!!que delicia de ler , escutar e assistir. Soninha Athayde tu nos faz bem. Um abraço

Anninha Simioni: Texto maravilhoso carregado de leveza, sensibilidade, amor e poesia, Parabéns e um abraço, Soninha!


domingo, 9 de novembro de 2008


 

GESTO REVELADOR


A exteriorização de certos comportamentos sociais pode revestir-se de um racismo exacerbado, sem aparentemente sê-lo.

Aqui, reporto-me a uma cena, contada por minha tia Carolina, ocorrida lá pelos idos de 1950.

Na época do chamado “footing” na Rua da Praia, sua irmã mais nova passeava com amigas em uma tarde outonal. Pela rua, circulavam inúmeras pessoas.

De repente, numa virada de esquina, um homem, de cor preta, esbarrou na dita senhorita, encostando, de leve, seu braço contra o ombro dela. A cena que se seguiu, a mim contada, jamais desapareceu do meu olhar de adolescente, ouvinte atenta das histórias de família. Pois, não é que aquela moça, rapidamente, levara sua mão ao ombro, fazendo um gesto, como a retirar de si uma sujeira que caíra sobre ela. Esclareça-se que esta cena foi contada à tia Carolina pela própria autora do gesto, que revelou raiva e nojo pelo inusitado “encontro”.

Esse episódio relatado, já àquela época, indignara-me profundamente. E assim manteve-se tal cena, como que congelada ao longo dos anos, servindo de mote, hoje, para esta exposição sobre tão delicado tema: o do racismo.

Sabe-se que o racismo é uma das formas de violência mais sub-reptícia, por vezes de difícil percepção, mas nem por isso menos violenta.
Entre 1798 e 1872, conforme apontamentos históricos, os afro-brasileiros, escravos e livres, eram duas vezes mais numerosos do que a população branca. É claro que a elite se preocupava, pois em menor número temia insurreições, que já se instalavam em alguns redutos. Sendo os negros, na sua maioria, de temperamento dócil, seria muito mais proveitoso economicamente libertá-los, mantendo-os sob um tacão tão cruel quanto antes, porém politicamente mais ao gosto de nações ditas desenvolvidas, com as quais o Brasil já começava a se tornar parceiro.

Portanto, libertar os escravos, “abrandar” a visão sobre o negro, mantendo-o na condição de negro, pobre e trabalhando nos campos dos brancos, é o que pareceu mais conveniente à época. Somadas essas circunstâncias ao caráter dócil do homem africano, foi fácil libertá-los apenas “pro forma”.

Sabe-se, por outro lado, que um racismo “inconsciente” perpassa, inclusive, por textos escolares, onde, muitas vezes, a composição étnica de um determinado povo é apresentada com laivos de inferioridade. Isso está presente em excertos, que podem ser lidos e bem apreciados no capítulo Raças e Povos da Terra, do livro Mentiras que Parecem Verdades, escrito por Marisa Bonazzi e Umberto Eco (edição de 1972).

Particularmente, no referido capítulo, os exemplos fornecidos por esses pequenos textos apontam o caráter sutil da discriminação racial, presente em todas as raças e povos (páginas 55 e 56).

Esse livro, escrito a partir da análise de textos escolares italianos, traz, em seu bojo, críticas severas a vários tipos e formas de discriminação e, principalmente, à forma como é imposta uma espécie de submissão ideológico-curricular, onde determinadas“imbecilidades solenes”, como diz o apresentador da obra, Samir Curi Messerani, “nos inculcaram nas escolas, abusando da ingenuidade do leitor infantil”.

Os textos Páginas Belas, O Negro é Estúpido e o Destino da África tratam do racismo contra o negro.
Esclarece-se que, na mesma abordagem, outros tantos textos referem-se a outras etnias como os chineses, os alemães, os árabes e os próprios italianos miseráveis.

O racismo é como um cancro que corrói tudo em volta, acabando por exterminar seus gestadores em finais de vida violentos, encerrando períodos históricos de forma sangrenta.

Quando os níveis de tensão chegam ao ápice, ele explode de forma violenta. O que, até certo ponto, é preferível, pois possibilita, como na sociedade americana, a reconstrução do indivíduo e sua consequente inclusão no cenário mundial (por ex. políticos americanos, Secretários de Estado, etc).

No caso brasileiro, a situação é muito mais delicada, porque mais sutil. Aqui também existe racismo não apenas contra negros, e sempre de forma velada, escamoteada. A diferença é que com os negros é mais explícita por razões históricas. Hoje, essa prática já sofre sanções. É o que dispõe a Constituição Federal de 1988, através de seus incisos XLI e XLII, bem como leis e decretos posteriores relativos ao tema.

Assim, racismo é um sentimento existente desde há muito. Dir-se-ia desde sempre. Talvez, tê-lo seja próprio de alguns seres humanos.
É a pequenez da alma, a soberba da intolerância, o pisotear sobre o seu semelhante. É a incapacidade de ver-se no outro.
É, por exemplo, não convidar um colega negro para a festinha de aniversário, pois, talvez, ele não seja bem recebido pelos parentes mais velhos, ranço de um passado não tão distante, mas deveras vergonhoso.

Logo, a discriminação disfarçada, dissimulada, que se exterioriza sutilmente, é a pior de todas. É aquela que se revela num gesto despercebido, banal, corriqueiro. Às vezes, até numa palavra aparentemente jocosa, mas não menos ofensiva.

E, quando essa discriminação se instala, é de difícil extração.
São pequenos gestos reveladores, que não mais chamam a atenção.
Por isso, parafraseando Martin Luther King:
- É melhor surpreender-se, defrontar-se com o grito dos maus, do que com o silêncio dos “ditos bons”. Silêncio eivado de latente desprezo pelo outro, acrescente-se.


OBS: Este artigo foi escrito no ano de 2007, a partir de temas abordados em encontros de Produção Textual, realizados na Faculdade de Educação da PUC/RS.


Hoje, retomando o assunto, penso que a sociedade americana superou-se. Elegeu para seu Presidente um negro.
Foi um gesto que revela uma efetiva mudança e atesta a grandeza do país.
Tomara que, como disse o escritor uruguaio Eduardo Galeano, em entrevista publicada por Zero Hora na data de ontem, o presidente recém-eleito “não esqueça que a Casa Branca foi construída por escravos negros. Chegou a hora de os Estados Unidos se libertarem da sua pesada herança racista”.
Por aqui, um dia, ainda chegaremos lá.
Mas as dificuldades de ascensão do negro, na escala social, continuam enormes.

Urge que uma educação pública de qualidade se instale, cumprindo papel relevante para o desenvolvimento pleno de todos os cidadãos, indistintamente. É o que se almeja.

E o exemplo do novo presidente, com uma sólida educação formal, atesta a importância do saber na ascensão do indivíduo em sociedade. Mas só isso também não basta. É necessário que um novo olhar se detenha nas diferenças culturais em que estamos todos inseridos. É algo bem mais profundo. Exige de nós a capacidade de ver-se no outro, apesar dessas diferenças: de sentir-se humano. E, como tal, único ser vivo capaz de promover mudanças, pois detentor de livre-arbítrio.

Talvez, Barack consiga unir o que há de melhor na cultura africana com a filosofia dos povos nativos americanos. Desse caldo, que diz não existir “dualismo”, e de que a vida é um ciclo contínuo e somos um todo com a natureza, talvez consiga ele romper com a tendência ocidental de estabelecer, sempre, um conflito de opostos. Pois isso, na essência, não existe.

Lembremo-nos de Rubem Alves, educador emérito, que disse:
“Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido”.
Utopia?
Mas é bom sonhar...

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