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sábado, 28 de setembro de 2013

A MUSA INSPIRADORA





Pois, depois da última Bienal de Arte do Mercosul, visitada por Dona Mercedes, ela não mais visitou outra. À época, deslocara-se de Novo Hamburgo, numa bela tarde de sábado, para conhecer, na Capital, o que estavam apresentando de arte por essas bandas.
Estivera circulando por vários locais naquele dia. Já, ao final da peregrinação, deparou-se com uma obra de arte que a perturbou de tal maneira, deixando-a até com certo mal-estar ao se defrontar com a dita.
Contou, dias depois, a uma sobrinha, professora de Literatura, que saíra quase correndo do salão onde a exposição acontecia. A má impressão fora tão forte que Dona Mercedes chegou a afirmar para a sobrinha que nunca mais voltaria a visitar tais exposições.
Gabriela tentou explicar à tia o que ela própria também sentira, quando estivera dias antes a visitar a mesma exposição.
Dissera à tia que arte não é para entender. Na realidade, é para sentir. E a tia sentira algo desagradável, sob o olhar dela. Outros, talvez, não tenham tido essa mesma sensação. Sabe de uma coisa, tia: Arte é Arte. Tu podes encontrar com a arte andando pela tua cidade. Nela existem, com certeza, vários tipos de arquitetura sob a forma de monumentos, igrejas, etc.
Dona Mercedes, por outro lado, parecia crer que arte é apenas a expressão do belo. Então, Gabriela, tentando desfazer aquela sensação desagradável que a tia sentira, disse que aquela peça de madeira, que ela achara tão feia, poderia ser vista também como um pedaço de nós. Temos nós, igualmente, uma parte bela e outra não tão bonita assim. Olhando sob esse ângulo, talvez possamos nos ver naquela peça ali exposta.
Diante da incompreensão de Dona Mercedes com a feiura daquela obra de arte, Gabriela arriscou criar um poema demonstrando à tia o que estava tentando explicar. E escreveu:
 
 
NO MUSEU
 
Descubro que me observas.
Pelos cantos, vejo um madeirame tosco, torto, em primitivo arranjo.
És um espectro a espreitar-me.
Sinto-me estranhamente tocada por tuas formas.
Acho que mil olhos me fitam.
Devo voltar às raízes do ser, que já me esqueci de ser?
Sou refinada, burilei minhas emoções.
Choro com o belo.
Aqui, por instantes, grito o grito do selvagem.
Cores primitivas renascem em mim a fúria.
Com seus olhos ameaçadores, a obra busca satisfazer-se.
Corro, fujo.
Já fora, piso sem cuidado.
Afinal, são apenas maravalhas que adornam o passeio.
Quero flores, seus delicados matizes.
Quero a criação estética, ainda a torre de marfim!
 
Porém, acredita, não te posso olvidar.
Também, te quero, corroída madeira, pois ornada pelo criador.
Confesso: sou bela, sou feia.
Percebo-me com novo olhar.
Reconheço-te em mim.
Sou como tu:
Nem mais, nem menos.
 
 
Diante dessa leitura e com os esclarecimentos a respeito do que era a torre de marfim, Dona Mercedes percebeu uma das possíveis interpretações dadas àquela madeira tosca e retorcida.
Gabriela sabe que, em geral, as pessoas buscam o belo na arte. O mesmo que os parnasianos buscavam: a Arte pela Arte. A eles não interessava o sentido utilitário, social ou engajado da arte. A interioridade do artista não interessava. Ele apenas observaria e reproduziria as coisas, os objetos, a natureza, tudo como se fosse real, concreto.  E quanto mais real, mais belo. As vicissitudes do dia a dia ao artista não interessavam. Daí a expressão “torre de marfim”, local onde o artista se isolava dos problemas cotidianos, consequentemente, do próprio público leitor. O seu “sentir” tornava-se ausente.
No caso da poesia, buscavam, na Antiguidade Clássica (gregos e romanos), deuses, personagens, bem como termos de difícil compreensão para um leitor menos aparelhado para esse tipo de leitura. Muita retórica, erudição, deuses e impessoalidade atestavam um consequente desprezo pelo drama dos mortais. Abdicando da participação do eu e do social, sobrava apenas a descrição, aí sim, perfeita de cenas da natureza, de objetos, etc.
Portanto, aquela madeira tosca tem a alma do artista, ali posta. Pode não ser bonita, mas é real, é autêntica.
 
E Gabriela, ao que parece, convenceu Dona Mercedes a retornar à Bienal este ano.
Soube, dias atrás, que ela esteve na 9ª Bienal de Arte do Mercosul, que acontece até o dia 10 de novembro.
E que, dessa vez, Dona Mercedes deparou-se com algo impressionante. Nada mais, nada menos, do que uma banheira borbulhante. E o que é mais incrível: cheia de lama.
Agora, o que a deixou estupefata foi o nome da instalação: MUSA DE LAMA.
Como Dona Mercedes já sabe, porque a sobrinha explicou, o Parnaso é um monte localizado na Grécia Central, onde, segundo a mitologia, residiam o deus Apolo e as Musas.
E musa sempre foi algo inspirador.
Quem não gostaria de tornar-se uma?
Dias depois dessa visita à instalação, Dona Mercedes contou à sobrinha que ficou bastante impressionada com essa obra de arte. Isso se deu porque ela vislumbrou, naquela banheira, a necessidade, considerando a idade em que já se encontra, de procurar um esteticista e começar a tomar uns banhos de lama para manter-se jovem por mais tempo. Quem sabe, assim, o Artur, aquele viúvo que mora na esquina, lhe lance algum olhar convidativo. E possam, finalmente, bater um papo. Já pensou?
Pois, ela encontrou, num relance, o caráter utilitário daquela obra de arte. Outras pessoas, com certeza, terão encontrado algum significado mais estético, mais artístico. Os significados podem ser inúmeros, dependendo do olhar do visitante e do seu próprio sentir. Haverá, com certeza, interpretações mais bem elaboradas, dependendo da bagagem cultural de cada um.
Gabriela, nesse encontro, forneceu à tia alguns dados sobre o autor da obra que é o artista norte-americano Robert Rauschenberg (1925-2008).
Essa obra foi composta em parceria com os engenheiros da empresa Teledyne, construtora de aviões e componentes, que descobriram formas de ativar a lama por ondas de som, reunidas a um sistema de ar e válvula. O lodo é estimulado a partir dessas ondas de som.
O artista, em suas obras, “faz a ponte entre o expressionismo abstrato e a arte pop”, é o que disse David White, assistente do artista nos últimos 30 anos.
São famosas suas “combine paintings”, onde mistura pintura aos objetos cotidianos. Igualmente, destacam-se obras da série “Glut” (aglomerados), onde busca, em restos encontrados no lixo, especialmente metal, a beleza presente nesses refugos.
O Leão de Ouro, ganho na Bienal de Veneza, em 1964, tornou suas pinturas referência obrigatória.
Em 1966, funda com o engenheiro eletrotécnico Bill Kluver o E.A.T. (Experiments in Art and Technology), que se destina a promover a colaboração entre artistas e engenheiros. Desta parceria resultou Oracle, que se encontra no Centro Georges Pompidou, e Soundings no Museu Ludwig, em Colônia.
Gabriela tem certeza que, agora, a partir dessa Musa de Lama, a tia Mercedes não mais se surpreenderá com nada, tirando sempre algum proveito desse novo olhar despojado.
Entendeu, rapidamente, através dele, o caráter utilitário da obra de arte. Foi para ela um despertar.
E, quando Gabriela ia mencionar que os viadutos, pontes, túneis, são também consideradas obras de arte pela engenharia civil, levando-se em conta a complexidade desse tipo de obra, Dona Mercedes já se levantara. E da porta, já de saída, perguntou:
- Quando é a próxima Bienal?
É! Essa ficou “freguesa”!
 
 
Então, fica o convite para a visita, gauchada amiga!
E pra terminar, que tal ouvir Da Laia do Lama, com uma letra cujo significado possibilita mais de uma interpretação, ou, quem sabe, uma só.
Ou, sei lá...
 
 
 
 
 

 
Da Laia do Lama – Ana Carolina e Antonio Villeroy
 
 
 



 
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Comentário via Facebook:
 
 
Sensacional!!! Soninha! Amei a culminância com a bela música!
 


Muito bom, Soninha! Abraço