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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A VIAGEM


Um dia, aquela desastrada viagem teve um final feliz. E a crônica recebeu o nome de O RETORNO DOS DESGARRADOS. Começava, assim:

Nada como dar uma esticada até o Nordeste, não é?

Pois os jovenzinhos saíram, como sempre fazem, em busca de alimento. Só que as águas estavam tão quentinhas, e tão repletas de comida, que ficou difícil resistir à tentação de esticar mais um pouquinho a viagem anual que realizam.

Aqueles mais afoitos acabaram morrendo lá pras bandas de Sergipe e do Espírito Santo. Mas, os que permaneceram pela Bahia, foram mais sortudos. Eles bem que quiseram deixá-la, mas a Bahia com seu encanto, seu axé, seu mar piscoso, não os deixou sair.

E lá ficaram eles: brincando em suas águas. Dizem que foram vistos. Denunciada sua presença, foram capturados com toda a garantia de sua integridade física. Após, embarcados em avião da FAB num voo de Salvador até Pelotas. Aqui, no Estado, foram acomodados em um caminhão refrigerado e levados ao Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM), em Rio Grande. Nesse local, após tratamento, foram liberados para voltarem ao lar: as colônias do Sul da Argentina (Patagônia) e do Chile. A soltura dos animais no oceano teve o apoio da Petrobrás e do Exército.

Lá, então, deram, com certeza, continuidade à espécie. 

Que coisa maravilhosa! Perder-se e ter gente sempre atenta a guiá-los de novo ao lar. Gente que se preocupa com os animais.

Pois, os pinguins-de-magalhães voltaram para casa.

Uma viagem que teve um final feliz.

Agora, na viagem em que o mar jogou à praia aquele ser absolutamente indefeso, o final trágico marcou, a ferro e fogo, para sempre, a visão e a consciência de todos os que assistiram à cena. A imagem é por demais impactante, chocante, de profunda emoção e tristeza.

Pátrias deixadas para trás por absoluta impossibilidade de sobrevivência de seus cidadãos. Cidades destruídas, terras arrasadas por revoluções em nome de ideologias, religiões e etnias que se digladiam. Regiões espoliadas de suas riquezas naturais, bem antes, pelos detentores do poder local em arranjos espúrios com outras grandes potências. Venda de armas, que alimentam o terrorismo, encontram nestas áreas terreno fértil. Resta aos seus cidadãos o inquestionável direito de buscarem a sobrevivência a qualquer preço, sob qualquer sacrifício. Seguem, porém, reféns de abjetos “mercadores de sonhos” que os empilham em pequenas embarcações, onde até o ar que respiram será cobrado. Seres vis que são a escória dessa espécie, chamada humana.

Aqueles, que conseguirem chegar ao destino, sofrerão toda a série de dificuldades. Porém, estarão vivos, sobreviverão. Novas terras, novas línguas, novos costumes, novas culturas serão alguns dos desafios que enfrentarão. 

A viagem terá valido a pena, acredita-se.

Ah! Os países que os acolherem não estarão fazendo favor algum. Muitas destas terras, de onde vieram estes milhares de refugiados, foram espoliadas de suas riquezas naturais pelas grandes nações que, agora, os acolhem.



Talvez o problema seja mais complexo que o dos pinguins. No nosso caso, jogá-los ao mar, depois de tratamento, próximo à sua região de origem, foi o bastante. Eles viraram-se sozinhos. E, em suas colônias, sabem proteger-se dos demais predadores. Afinal, podem contar com os da sua espécie.


Parece que não é o que acontece conosco. Somos predadores de nós mesmos.

Precisamos, na verdade, aprender mais com os animais.

Já imaginaram? Se nós, humanos, colocássemos todo o nosso potencial construtivo e de solidariedade em favor dos da nossa espécie?

Infelizmente, o acolhimento dos pinguins, tanto por nós, quanto pelos de sua espécie, causa inveja!

A viagem do pequeno Aylan Kurdi não se completou. Assim como, também, a de seu irmão e sua mãe.

A imagem não se apagará dos nossos olhos.

Também não se apagará a constatação da necessidade de que olhemos com mais humanidade para o nosso semelhante.

Aylan buscava com sua família melhores condições de vida. O seu país de origem não lhe propiciou este direito inalienável de qualquer ser humano.

Da mesma forma, o jovem morto por uma bala perdida ou aquele que jaz inerme de fome e frio são credores do Estado por mais segurança, educação e saúde. Segurança para que possam ir e vir; educação de qualidade para que possam igualar-se aos melhor aquinhoados e saúde para que a geração que os suceda possa levar a frente o projeto de um país grande por natureza, mas, também, de homens dignos e honrados por opção.



Por ora, a nossa viagem, pelos meandros da vida, continua.

A de Aylan, mal tinha começado.

Terminou nas areias de uma praia distante. Seu corpo, entregue pelo mar, repousa, agora, na sua pátria: aquela que não lhe soube dar amparo, que não cumpriu seu papel.

Assim como tantas outras, que conhecemos tão bem.


Que o poema AS FLORES, de Ígor Begossi, aluno da 5ª série da Escola Estadual de Ensino Fundamental Reinaldo Cherubini, do Município de Nova Prata/RS, algum dia possa confirmar-se pela prática efetiva e planetária da generosidade do ser humano para com o seu semelhante.





Por ora, um TOQUE DE SILÊNCIO é o que cabe, o que resta a nós todos.


No vídeo abaixo, descobre-se a inutilidade das guerras na própria história da descoberta da letra deste hino ao silêncio: um verdadeiro pranto a todos aqueles que tombam lutando e àqueles que nem ainda viveram o suficiente para entenderem os horrores da guerra, sendo já vítimas.






Toque do Silêncio





Em tempo:

O RETORNO DOS DESGARRADOS – crônica publicada em 06/10/08.

- Pinguins resgatados na Bahia...













segunda-feira, 26 de agosto de 2013

CHAPEUZINHO VERMELHO E O LOBO QUE MORREU PELA BOCA (nova versão)


Era uma vez uma guria, bonita que nem fruta de amostra, que adorava animais. Costumava andar pela floresta, buscando comunicar-se com eles. Era uma grande conhecedora da mata, portanto.
Um dia, sua mãe pediu-lhe que fosse à casa de sua avó, a fim de levar-lhe uma encomenda. Como toda boa mãe, disse-lhe que se cuidasse. Isso era mais para aquietar-se do que outra coisa, pois confiava que sua filha saberia conduzir-se pela floresta.
Já pelo caminho, Gabi, que costumava vestir um chapeuzinho vermelho, encontrou-se com o lobo Ildefonso, o Il, sabidamente matreiro, acostumado a ficar à espreita, um perigo. Chapeuzinho sabia que ele já devorara outros animaizinhos menores que ele. Ao que parece, era meio covarde.
Mas de uns tempos para cá, Il estava se aventurando por alguns petiscos até maiores que ele, no que vinha se saindo muito bem. Ouvira dizer que ele até já comera uma pessoa: pequenina, é claro, uma espécie de anãozinho.
Meu Deus! Que coisa horrorosa!
Chapeuzinho, sentindo-se já em maus lençóis ao vê-lo, quis saber do lobo para onde estava indo ele. Prontamente, respondeu-lhe:
- És tão linda que pretendo acompanhar-te para onde fores. E, rapidamente, colocou-se ao seu lado, medindo-a de alto a baixo. Ah, pensou ele, que petisco! Não imaginava, nem de longe, o que o aguardava.
A guria era maneirosa e foi levando o lobo de compadre até chegar à casa da avó.  E conversa vai, conversa vem, começou a elogiar o porte, o garbo de Ildefonso que, todo bobo, ia meneando a cabeça, com jactância, concordando com os adjetivos que se iam somando. Já parecia mais estufado que peito de pomba. E isso que ela nem começara a falar de suas qualidades como predador. Ah! Ele era um senhor predador! Ela sabia disso. Mas, ela, também, era bastante ardilosa. Quem pode menos tem que se safar do jeito em que é competente. E Gabi sabia, já por instinto, acho que vinha de avó pra neta, que as fraquezas dos outros têm que ser bem aproveitadas. Quando necessário, é claro. E esse lobo, ao que parecia, ia morrer pela boca.
E, pelo caminho, ia arquitetando o plano que a livraria das garras do temível Il.
Mal sabia Gabi que sua avó tivera um mal-estar, e que isso viria bem a calhar, por sorte, nos seus planos.
É que lá chegara, antes dela, o caçador mais conhecido daquelas bandas: o Juvêncio. Pois ele estava passando pela casa da avó, quando ouvira um forte barulho que vinha de dentro da casa. Preocupado, pois conhecia Dona Ge, resolvera entrar para verificar o que havia. Pois não é que Dona Ge estava caída no chão? Coitada da velhinha!  Assustado, colocou-a na cama, ficando ao seu lado. Acabou por recostar-se na cama, quando viu que ela se reanimava após alguns instantes.
E adormeceu.
Dona Ge, quando viu Juvêncio ao seu lado, ficou um tanto quanto assustada. Ela o conhecia, sabia quem era. Por que ele estaria ali? E ela? Pareceu lembrar-se do momento de sua queda.
Levantou-se, imediatamente, não sem antes cobri-lo completamente, pois era seu hábito desde os tempos de Custódio. Ai! Que saudades do Custódio, sua cara- metade. Ficou, assim, por um tempo, pensativa.
Embora ainda enlevada pelo momento, foi em direção à cozinha para preparar um chá. Depois, trataria do Custódio: ou melhor, do Juvêncio. Ele devia estar muito cansado, coitado.
 De repente, batidas à porta acordaram-na por completo daquele devaneio em que se metera. Então, ao abri-la, deparou-se com sua neta acompanhada por aquele espécime, que vinha junto a ela, mais grudado que barro em tamanco, olhando de viés. Já os olhos de Gabi revelaram-lhe a sinuca em que estava metida a pobre neta. E como avó é uma segunda mãe, sacou, de cara, o imbróglio que tinham as duas que resolver. Falando alto, perguntou à neta se aquele não era o Il. Aproximando-se, começou a desmanchar-se em elogios a ele por ter trazido, sã e salva, sua neta tão amada. E com a astúcia de quem, em época passada, já teve que salvar a própria cria, achegou-se mais para perto de Il e segredou-lhe:
- Salva-nos! Vem comigo! Sobre minha cama há um animal grande, que acaba de aqui entrar e que, tenho certeza, vais, com tua força e valentia, abocanhar, levando-o daqui para bem longe, onde possas saboreá-lo. Vem, vem!
Ildefonso, puxando lá do fundo dos pulmões o uivo mais forte que já dera, pois tinha que impressionar aquelas duas, correu em direção à cama, jogando-se sobre ela com o bocão bem aberto.
Mas é claro que Juvêncio dormia sempre, como bom caçador, com um olho só e com a arma engatilhada. E não deu outra. Ildefonso caiu de boca sobre outra boca, a da espingarda de Juvêncio, vindo a estrebuchar com os miolos à mostra e com o rabo entre as pernas, que nem um guaipeca. Ficou ali estirado, inerme. Logo ele que pensava ser tão astuto.
 Pois é, com essa o caçador virou herói, saiu de braço com Gabi, por quem já arrastava as asinhas há algum tempo. E a avó? Bem, essa se esqueceu de tudo, quando se viu frente a uma caixinha de quindins que a filha mandara.
Pois, meus caros, estou convencida que nunca, na história dessa floresta, teve tanto bicho fazendo festa, pulando de galho em galho, brincando livre, leve e solto.
Claro, que há sempre os que se mantêm descrentes, achando que a coisa não melhorou. Mas se não melhorou, pior não ficou, ou ficou? O caçador, que se casou com Gabi, que o diga. Aliás, dias atrás, Juvêncio manifestou-se, no Congresso Anual dos Caçadores, com muita propriedade.  Acho mesmo que tem ele razão quando, durante sua participação, disse:
- Meus senhores, estão faltando caçadores para tantos predadores!

 
Ouçam, agora, a letra da música IMAGENS, de Guilherme Arantes, que, já há bastante tempo, dizia:

O homem predador não pensa no que faz.
Desmata, queima, estraga a vida e quer viver.
Com tanta estupidez e crime no poder,
A última esperança não pode morrer.
Que a juventude assuma logo o seu lugar.
E saiba que o perigo agora é pra valer.
 
  


IMAGENS – Guilherme Arantes