quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

MAIS AZUL!

Que verão mais estranho!

Todo dia, ou quase todos, meus olhos observam pesadas nuvens, por todos os lados, acompanhando o amanhecer. Em meio a alguns raios de Sol, tímidos, como a se desculpar por essa intromissão sempre tão buscada por quem divide com ele a energia necessária para o cumprimento de rotinas, por vezes, enfadonhas.

A cor cinza acompanha os movimentos que pairam nos olhos de quem, ainda, consegue deter-se a olhar o céu que nos obseva. Nós, os caminhantes que buscamos a indicação de como estará o humor do irmão Sol. O que não acontece com quem não desgruda do celular. Este não vê nada, nem mesmo o automóvel nos seus calcanhares.

Ao longo do dia, tudo pode se transformar, rapidamente, confirmando o azedume de quem acordou cinza e que já se transformou em chumbo, com pingos grossos que despencam do alto.

Muitas vezes, a chuva desiste de se jogar das nuvens. Fica por lá, guardando rancores. Isto não deve ser legal para ela. Nem para nós, acredito. Resolve, então, pintar de cinza o cenário, só para incomodar. E assim permanece o dia todo.

Onde estão as cores do amanhecer?

Ultimamente, os dias têm acordado de cara amarrada, com aquele ar de enfado.

Nuvens ameaçadoras espalham-se por todos os lados. Eu diria que muitos mais do que 50 tons de cinza, centenas de tons de cinza, na acepção literal da palavra, apropriam-se do céu todos os dias.

E é com este humor diferente do habitual que o nosso verão tem transcorrido. Para quem estava acostumado a verões com dias ensolarados, belos, o céu manda dizer que os seus moradores não estão mais para brincadeira. As coisas por lá andam diferentes do que eram há tempos atrás. A turbulência instalou-se e nós, que dormimos em berço esplêndido, nos acordamos um pouco mais preocupados todos os dias

Afinal, parece que TODO DIA O DIA NÃO QUER RAIAR O SOL DO DIA, como diz a letra da música TODO CARNAVAL TEM SEU FIM de Marcelo Camelo, um dos integrantes da banda Los Hermanos, conforme vídeo abaixo.

Por sinal, durante a semana do Carnaval, a situação tem sido a mesma.

A manhã acorda de mau humor. Lá pelas tantas, ouve-se um arrastar de cadeiras e o conflito está formado. Deságuam-se todos os impropérios guardados.

Ao final do dia, a paz retorna, o sol abre um sorriso novamente e o céu todo feliz desfila o seu azul, cobrindo com seu manto todos os cantos até aonde a vista alcança.

Mal comparando, é tudo parecido com os festejos de Momo. Estes liberam todas as frustrações, os desejos e os sonhos, transformando-os em pura beleza, para, logo em seguida, retornarem seus foliões à vida tediosa, esquecida por um breve tempo. Ao findar os quatro dias, volta-se à realidade. O Carnaval é quem faz seus seguidores tornarem-se nobres, sendo tão populares em sua origem: a chamada nobreza popular, que faz tão bem. Não nos enganemos, porém.

Cecília Meireles expressou muito bem este sentimento de volta à realidade, quando escreveu:




Este período que a tudo e a todos transforma, porém, dura uma vez ao ano, apenas.

Já o nosso céu tem-se ocupado, diariamente, com mudanças radicais. Do feio, do instável, da cara azeda a um belo encerrar-se do dia com um Sol sorridente já quase pronto para deitar-se: sempre no fim do dia.

Depois de muito pensar, acho que descobri a razão para este proceder.

Ele, o Sol, enfeita o céu e libera toda a energia positiva ao final do dia para que guardemos na retina a esperança do raiar de um novo dia: mais prazeroso, mais estável e, quem sabe, repleto de boas surpresas.

DEIXA EU BRINCAR DE SER FELIZ, refrão da letra da música acima referida, é o que o Carnaval propõe. É o que também propõe este nosso céu, a cada final de tarde, com o Sol mostrando seu sorriso e o céu reivindicando todo o azul que é a sua marca maior.

Tudo a nos acenar para um novo amanhecer.

Quem sabe consigamos ser felizes de verdade, não apenas de brincadeira.

Estou pensando em sair à rua para reivindicar a minha quota de azul.

Por que não?

Afinal, no Carnaval vale tudo!

Inclusive sonhar acordado!




PS:

Só pra contrariar e com medo do meu protesto, as forças do tempo deram uma trégua. E eis o azul pairando sobre nós todos, porto-alegrenses, neste amanhecer deste último dia de Carnaval.

Como diz o ditado:

Quem espera, um dia, alcança. Aliás, de desejos e sonhos é feito o Carnaval.

Ah! O verão, hoje, redimiu-se. Pelo menos, neste belo amanhecer de um feriado tão tradicional.

Aproveitemos!

Epa! Acho que me enganei.

É meio da tarde e a briga instalou-se lá por cima. Devem ter exagerado na cerveja. Chove bastante na tarde desta 3ª feira de Carnaval. Pelo menos, no bairro onde moro.

Ah! Ia esquecendo de dizer que a chuva agora é por bairros. No seu, pode não ter chovido.

Até o próximo Carnaval!



E só para finalizar:

O amanhecer desta Quarta-Feira de Cinzas está MAIS AZUL do que nunca. No meu bairro, pelo menos. 

Acho que isto já é provocação!

É! Não se atreva a falar do tempo.

Nunca!

Viu?





Todo Carnaval tem seu Fim – Los Hermanos






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Comentários via Facebook:

Maria Odila Menezes: É verdade, Soninha! Onde estão as cores do amanhecer? A natureza está tímida por falta de expectadores. O sol, por vezes brinca de esconde esconde...para chamar a atenção, e seguidamente, o dia derrama-se em lágrimas ao encontrar-se com as carregadas nuvens tons de cinza. Quem sabe se tivermos um olhar mais sensível possamos vislumbrar novamente, através dos olhos da alma, aquele pôr do sol alaranjado, o belo arco-iris multicolorido, refletido em nossa vida e em tudo que nos rodeia. Parabéns pela crônica! Adorei!

Amelia Mari Passos: Soninha gosto de escolher algumas palavras que me chamam mais atenção na tua crônica, e aqui repetir, mas o passeio foi intenso, estavas realmente inspirada. A poesia se espalhou por todos os cantos de teus pensamentos e transbordou aqui, para nossa alegria. . Amei! Obrigada. Amei!



quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

DÊ UM ZUM!



Você consegue perceber o que escorre pela calçada até o meio-fio? Aquela mistura fétida, da cor do azeviche, com restos de comida que forma um veio que se espraia pela calçada e que, finalmente, alcança o meio-fio daquela rua? Amanhã, quem sabe, o tal veio será visto em outra calçada, próxima desta de agora. Ou, na mesma.

Não desvie o olhar. Dê um zum!

Observe os detalhes da cena. Acompanhe de onde parte o veio.

Existe logo ali um pé, descalço, magro, que se confunde com o líquido espesso, escurecido, fétido. Ele é parte de um ser humano que sobre a calçada, junto à parede, jaz inerte sob o efeito de alguma droga.

É pena que o zum não tenha um tanto de magia e que pudesse recuar no tempo e fornecer alguma outra cena que, talvez, explicasse o motivo daquele ser estar ali jogado. E são tantos em tantos lugares, já por tanto tempo.

O DNA é o mesmo, mas os lugares de origem são diversos. E será este último dado relevante no processo que se desencadeou até atingir a cena da calçada?

Não, necessariamente. De comunidades que sobrevivem de restos, mesmo aí temos seres que ascendem. O meio é importante, a genética, também. Há algo, porém, que se instala quando da formação de alguns seres e que deposita sobre eles um perfil psicológico diferenciado. São marcas que se impõem, mais fortes do que o ambiente que os cercam, tornando-os mais aguerridos, mais batalhadores.

Seres oriundos de uma mesma família reagirão de forma diversa às vicissitudes que a vida vai impondo. Alguns membros marcados pela violência doméstica zarparão, sem temor, mundo afora, buscando melhores condições de vida. Outros quedarão sem rumo. Arrastarão, pelos dias que se sucederem, a desesperança, o medo, a rejeição que, muitas vezes, se autoimpuseram. Para estes caberá o olhar atento da comunidade e o apoio de instituições de Estado que buscarão encaminhar os que quedaram pelo caminho, atropelados pelos infortúnios de origem.

Uma comunidade carente necessita de apoio de órgãos criados para realizar este trabalho. O objetivo é evitar que mais indivíduos se arrastem por calçadas e viadutos, levando seus parcos pertences, disputados entre si.

Para os que já fizeram a rua de morada, faz-se necessário o recolhimento para Unidades de Recuperação, pois, depois de certa involução na escala social, nada mais é possível fazer-se sozinho. A recuperação deverá ser feita dentro de instituição mantida com o dinheiro público, fruto dos NOSSOS IMPOSTOS, arrecadados e direcionados com HONESTIDADE por quem detém esta tarefa, visando ao BEM DE TODOS: ao BEM DA CIDADE, por ser ela uma célula única que a todos contém.

O objetivo maior deve ser evitar que mais criaturas se espalhem pelas calçadas, num ritmo cada vez mais veloz, direcionando todos os esforços para que elas se tornem úteis, capazes de sobreviverem de forma digna. O trabalho, em todas as esferas da sociedade, deve ser fomentado como único meio de preservar a autoestima, sendo o motor propulsor para uma socialização com ganhos para todos os moradores da cidade.

É utópico? Talvez!

Agora, está mais do que na hora de que algo aconteça nesta direção. É absolutamente necessário ter a esperança de mudança.

E é a própria utopia que dará origem ao movimento de constante caminhar na solução dos problemas.

Que haja força e boa vontade em nossa aldeia para que se consiga direcionar, por outros caminhos, milhares de carentes a arrastar-se pelo lixo.

Que uma conscientização crescente da comunidade proteste por direitos e garantias a ela sonegados.

Caso contrário, não será nem mais preciso dar um zum. Você, leitor, não conseguirá mais desviar o olhar, porque a calçada estará tomada. As ruas, os parques e os canteiros, também.

Ou, quem sabe, você também tão espoliado não terminará como estes seus irmãos, menos afortunados: na calçada.

Agora, se falarmos daqueles grupos bem menores, quero crer, mas extremamente danosos, os dos corruptíveis e os dos corruptores, eles não mais estarão por aqui, neste momento, para contar a história de ERA UMA VEZ UM PAÍS RICO...

Ah! Esqueça o zum!

Tudo terá se agigantado. Seus olhos não mais precisarão deste auxílio.


Sinceramente, quero acreditar, ainda, que aquela calçada, que conheço tão bem, possa conter, num futuro não muito longínquo, apenas os restos de chuva com as flores do jacarandá da esquina. E que a água depositada no meio-fio seja de um tom violáceo, que nem as flores do mesmo jacarandá.

Segundo Edgar Morin, sociólogo e filósofo francês:

A vida é suportável se nela for introduzida não apenas a utopia, mas a poesia, ou seja, a intensidade, a festa, a alegria, a comunhão, a felicidade e o amor. Há o êxtase histórico, que é um êxtase amoroso coletivo.


De ambas, utopia e poesia, Mário Quintana entende muito bem.

Eis, sua receita:





Agora, o samba MENOR ABANDONADO, cantado por Zeca Pagodinho, espelha bem a realidade que nos cerca e aquilo que pode ser feito para mudá-la.

Já o poeta Manuel Bandeira com seu poema O BICHO dá-nos um choque de realidade, quando verseja:






Fiquemos com os dois primeiros exemplos. São um alento e um alerta para que não se torne corriqueira a última cena, embora Manuel Bandeira a tenha descrito na década de 40.

Há que não se perder a esperança, porém.







Samba - Menor Abandonado – Zeca Pagodinho









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Comentários via Facebook:

Amelia Mari Passos: Soninha agradeço por me fazer refletir sobre este assunto. "apenas os restos de chuva com as flores do jacarandá da esquina. e que a água depositada no meio-fio seja de um tom violáceo, que nem as flores do mesmo jacarandá. Soninha Athayde também por este bálsamo que nos alivia desta dor . Um forte abraço

Zaira Cantarelli: Amiga, tu investes visceralmente na palavra, tuas letras ñ precisam de retoques, já chegam prontas para a reflexão. Aprecio estes teus achados tão atuais, tão próximos de nós q habitamos esta selva de pedra. Belo texto.



quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

TUDO A VER

Combinar elementos desconexos exige certo grau de coragem. Para quem escreve este é, talvez, um desafio constante que anima a criatividade, tão necessária para que o texto atinja o seu objetivo com um diferencial. 

Quando os assuntos são cotidianos, rotineiros, escrever sobre eles pode significar apenas informar, comunicar. E a carga emocional, que os acompanha, é repassada sem nenhuma vestimenta que os tornem menos dramáticos, aflitivos, desconcertantes. E nem poderia ser diferente. Este é o objetivo de informar: relatar, sem devaneios, o que se passa.

Diante de tantas questões aflitivas que nos cercam, caberá a quem escreve por prazer escolher os assuntos e abordá-los sob as cores de uma prosa poética, ou de pura poesia. O leitor terá com este exercício de leitura uma visão mais próxima do essencial que é ver mais longe, que é ver o invisível, quem sabe, relacionando seu viver de forma mais abrangente e iluminada pela comunhão com os demais indivíduos, todos alcançados pelas mesmas questões.

Diante da grave questão energética, sob a iminência da falta de luz, transcrevo abaixo uma saída poética para o problema, que Mário Quintana não autorizaria usá-la de forma tão ingênua, sendo ela tão mais profunda do que uma simples falta de luz. Eis seu pensamento:



Delícia de fechar os olhos, por um instante e assim ficar, sozinho, fabricando escuro... sabendo que existe a luz!

(Caderno H, p.178)



Este escuro independe da luz, que, por sua vez, não depende de qualquer fonte de energia.

A luz do amanhecer, porém, está presente no dia a dia. É dádiva a nós oferecida, é um presente do Criador.

Contudo, quando o irmão Sol vai descansar, ficamos perdidos na escuridão. 

Quem sabe voltamos à época do fogo para iluminar os caminhos?

Talvez, um archote. O que é isto? Uma tocha. Coisa muito antiga!

Melhor um lampião. É mais romântico!

Os lampiões fizeram parte das nossas casas no século 19. Iluminavam bem mais do que as velas. Sobre eles muitos poetas debruçaram sua criatividade. Para apenas despejar sua prosa poética ou, muitas vezes, para tornar o tema motivo de preocupação com o social, como demonstram o texto de Mário Quintana e o poema de Jorge de Lima, que seguem:







Um dia, porém, esta luz começou a relacionar-se com aquela outra metade que decretaria para sempre sua dependência a ela: a água.

E a luz, que dependera do óleo de peixe ou baleia ou ainda do querosene para se fazer presente, achou por bem romper com um velho relacionamento e investir numa fonte jovem, inesgotável e cheia de charme: a água. Esta, por sua vez, corria despreocupada por todo o território, mantida abundante por obra da natureza e pela mão do Criador que abria as comportas sempre que necessário.

E era tanta água correndo mundo afora que a gastança se instalou. Águas que se desfaziam em cachoeiras, que se insinuavam por banhados, que deslizavam pelas pedras dos riachos, que formavam os rios, as praias, que se perdiam nos mares. Era muita gente desfrutando de um bem tão atraente, precioso e tão marcadamente necessário a qualquer ser vivo.



Pois é! Toda esta água vem do céu e ao céu volta, segundo o poema CANTO DOS ESPÍRITOS SOBRE AS ÁGUAS, de Johann Wolfgang Von Goethe, do livro Poemas.




Percebe-se de um bom tempo para cá que esta água não mais está vindo do céu na mesma proporção de sempre. O movimento cíclico está desajustado. O homem vem cometendo tantos desatinos como o desmatamento, o desvio de cursos d’água e a própria poluição, rompendo, desta maneira, a cadeia virtuosa capaz de nos manter autossuficientes de um bem essencial para a nossa sobrevivência.

A partir deste desajuste, a dobradinha luz/água, ultimamente, anda discutindo a relação. Parece que nada será como antes.

A luz reclama que a água não lhe serve mais com aquela dedicação de antes. A água, por sua vez, diz que a culpa é daqueles que da luz necessitam e que se metem na relação, não ajudando em nada. Pelo contrário, destroem os ecossistemas o que acaba acarretando um desgaste, já visível, nesta relação.

Aliás, a água até sugeriu que a luz dê um tempo. Quem sabe ela vai buscar uma nova relação, que lhe dê melhor energia, para continuar iluminando os caminhos.

Embora não pareça, elas têm tudo a ver. Elas sabem disso.

E só para manter acesa uma luz no fundo do túnel, a água promete que vai continuar colaborando por mais um tempo. 

Agora, já disse para a luz avisar aos seus dependentes para maneirarem com a destruição que vem acarretando tantos problemas para ela, a água. E manda uma advertência:

Se bobear, não vai sobrar nem para tomar, quanto mais para iluminar.

Cadê a chuva?

Aliás, como já disse o poeta:

A alma do Homem é como a água: do céu vem, ao céu sobe.



É! O Criador parece que anda dificultando este vaivém, o da água, tão essencial a nossa sobrevivência. Não tem aberto as comportas lá de cima tão facilmente. E nós somos os responsáveis. 

Para perceber a importância desta dádiva da natureza, assistam aos vídeos que seguem. Um, que usa da poesia, o outro, didático, que explica a comunhão entre o casal água e luz nos bons tempos: aqueles da fartura.






Planeta Água – Guilherme Arantes




Kika – De Onde Vem a Energia Elétrica