domingo, 10 de maio de 2020

AQUELA NUVEM...

Sempre foi inspiração. A cada paisagem desenhada, lá, estava ela. Era branquinha, nunca cinzenta e ameaçadora. Enfeitava o céu que cobria aquela paisagem de montes, em que o sol ao fundo também aparecia, despejando alegria para aqueles olhos infantis sedentos de imagens da natureza.

Assim, Belinha acostumou-se a ver naquele branco um repouso, mesmo quando aquela nuvem, levemente, seguia um rumo indefinido. Ao seu olhar aquela cor trazia tranquilidade. Ainda não sabia que era paz o que sentia.

Bem depois, passou a entender o que ela significava. Uma cor limpa que lembrava as cortinas que a mãe sempre mantinha alvas, porque, por serem brancas, qualquer sujeirinha, como costumava dizer, apareceria.

Muito tempo depois, soube que alguns entendidos diziam ser a soma de todas as cores. Sobre isto nunca quis adentrar.

O que percebe, ainda hoje, é que a mãe tinha razão. Essa cor exige limpeza. E disto todos nós precisamos. Veio à tona essa percepção da importância dessa cor em meio a este surto global que a todos atinge.

Os nossos profissionais da saúde têm nesta cor as suas vestimentas de trabalho. Todo o complexo hospitalar prima por apresentar o branco como uma constante em suas dependências.

Belinha, agora, lembrou-se das pombas que circundavam o pátio de sua infância. Os cuidados verbais da mãe com relação àquela pombinha branca que aparecia, vez por outra, entre as demais. Dizia que devíamos ter muito cuidado com ela, pois ela representava a paz. À época, não entendia muito bem isso, mas cumpria a orientação dada.

Símbolos que nos acompanham desde o abrir de olhos.

Se há paz é porque há harmonia.

Que tempos os nossos! Estamos carentes de ambas.

Sobre o que nos cerca, dizer o quê?

Um arco-íris representaria, nesta hora, um exemplo do que é convivência de todas as cores. Um espetáculo que deixou Belinha, quando visto pela primeira vez, extasiada.

Assim, pudéssemos nós, hoje, transpondo para a espécie humana, juntar raças, cores, vivências e estilos de vida num grande e deliberado esforço global de união. Seríamos fortes para enfrentar qualquer nova epidemia.

Belinha ainda permanece esperançosa de que esse dia chegará.

Pela necessidade de autossobrevivência? Pode ser.

Pela conscientização, quem sabe, de que não passamos de uma nuvem passageira que com o tempo se vai, conforme diz a letra daquela bela canção.

Aos olhos de Belinha aquela nuvem branca ainda mantém a sua magia e representa, em movimento, sua jornada rumo ao desconhecido.

Hoje, porém, representa bem mais. Através daquela cor branca, que atraía o olhar daquela menina de outrora, Belinha cumprimenta todos os profissionais envolvidos com a saúde da população.

Mais ainda:

Através dela, aspiramos que a paz nos acompanhe nesta caminhada. E que, diferentemente da nuvem branquinha no céu de Belinha, com repentina aparição e fuga contínua, essa cor, que simboliza a paz, permaneça nos céus de todos os continentes. Sempre, deslocando-se para outros céus, todos conhecidos, todos carentes de sua passagem e felizes pelo espetáculo que é oferecido àqueles que, ainda, acompanham essas maravilhas da Natureza.

Ah! A Terra e seus habitantes agradecem por esta conscientização global de porque estamos aqui.

Para nascer, viver, conviver em harmonia e saudar esta Mãe que nos acolhe, talvez reiteradamente, por um tempo indefinido, assim como o trajeto daquela nuvenzinha que ia e voltava.

Seria a mesma nuvenzinha?

Seria outra?

Belinha ainda busca esta resposta.





 Somewhere Over The Rainbown – cantado por Israel Kamakawiwo’Ole












domingo, 3 de maio de 2020

JANELAS...


Aquelas enfeitadas por hortênsias que quase alcançavam os braços de quem se debruçava para ver a lua, despontando ao anoitecer. Onde estarão?

Aquelas que não conheciam as grades e podiam ser abertas e deixadas escancaradas para que o vento entrasse e, quem sabe, até um sabiá ensaiasse um voo e um canto bem próximo de olhos curiosos que ali estavam sempre à espera. Onde estarão?

E outras tantas que, abertas, esperavam aquele olhar indiscreto, mas aguardado, que buscava aquele outro olhar promissor. Onde estarão?

Aquelas que não temiam o vento e nem a chuva, porque alguém delas cuidava para mantê-las resguardadas. Onde estarão?

Ah! Janelas da infância, da adolescência...

Aquela outra que fazia companhia à menininha que aguardava a chegada do avô, tão esperado. Onde estará?

Aquela que aguardava, ansiosamente, junto à mãe zelosa, a volta da menina, aluna de escola não tão próxima. Onde estará?

Será que não mais existirão porque o tempo as desfez?

Será que a lembrança de hoje é apenas pura imaginação?

Não, a lembrança é tão audível quanto o silêncio. E ele é audível tanto quanto a liberdade de abrir-se, de par em par, para uma realidade que não é pura imaginação.

Coitadas delas!

Hoje, apenas servem para que a luz entre. Por vezes, o ar. Paira, porém, sobre elas, sem solução, as grades que as impedem de abrir-se ao mundo como antigamente.

O mundo está lá fora. O que percebem, porém, é que o motivo de ali estarem restringiu-se apenas ao cerceamento da liberdade de receberem braços que se apoiavam nelas para conversarem, namorarem ou, simplesmente, sonharem com mundos distantes que a imaginação costumava buscar.

Coitadas! Percebem o motivo que as fez menos românticas. O medo da violência que grassa é o principal motivo de tamanha tristeza para elas.

Nos últimos dias, porém, sentiram-se menos esquecidas.

Antes, seus senhores saíam à rua para sentirem-se mais libertos. Afinal, saíam apenas para desfrutar de uma praça próxima.

Agora, não se sabe por quanto tempo, sentem-se mais partícipes da vida de seus senhores. Afinal, elas têm percebido a permanência de seus donos, por mais tempo, dentro dos lares.

Elas, as grades, continuam lá. Abertas, porém, para que braços, novamente, se apoiem, conversem entre si, sintam o sol batendo na pele que, dizem, traz benefícios.

E à noite?

Bem, à noite, o ar fresco, a sombra do luar sobre a morada, o beijo repentino, pode até empolgar o vizinho ao lado.

Grades que se abrem. Janelas que respiram liberdade. Seres prontos para repensarem sonhos, atitudes, modos de convivência.

Quanto tempo durará essa imersão?

Ninguém sabe.

As janelas, despidas das grades por momentos durante o dia, por ora, agradecem.

E a menininha de outrora?

Igualmente, agradece, pois este tempo possibilitou rever aquele outro, já bem distante.

E nada melhor do que o silêncio e uma pausa, no tempo de tanta correria, para que mantenhamos a mente iluminada para as coisas que nos fazem bem, que acrescentam e que reforçam a humanidade que há em cada um de nós. Afinal, somos seres humanos e aqui estamos para conviver em harmonia. É o que se espera que esta pausa traga após findar-se.

Ah! Ia esquecendo...

E as janelas virtuais?

Jamais ultrapassarão as reais. Competirão, com certeza. Perderão este embate, pois o tempo dirá que a exaustão, a confusão e o distanciamento, entre os seres humanos, foram os vilões que as abateram.

Seres humanos necessitam de outros seres humanos presentes: ao toque, ao olhar.

As janelas agradecem a quarentena. Elas têm sentido o toque de seus donos, pois delas se usam ao apoiarem-se e, dali, lançarem a imaginação para bem longe, num tempo futuro que se imagina melhor para a humanidade.








domingo, 19 de abril de 2020

FIQUEM ATENTOS






O susto foi grande. Quis experimentar: só por imitação. Afinal, todos, que passavam por ali, faziam aquilo.

Naquele dia, aventurou-se e deu-se mal. Pensa, hoje, que a experiência foi desastrosa porque era muito pequenina. Por estar próxima ao chão, a rede foi alcançada. Nem pôde, porém, descobrir o que todos sentiam quando lá deitavam. Ao sentar-se na beirada, imediatamente, foi abraçada pela tal rede que se fechou. Aos gritos, foi retirada pelo avô que chegara naquele instante.

Esta rede servia para o descanso do avô, para seus momentos de leitura, para lembrar, com saudades, da sua história pessoal ao lado da companheira que já se fora.

Para Aninha, porém, que recém despertara apenas para a curiosidade, a experiência não foi agradável. Donde se conclui que, inúmeras vezes, somos, quando ainda inexperientes, pouco capazes de perceber os perigos que uma simples rede pode nos trazer. No caso de Aninha, algo palpável que ela, pequenina, não tinha experiência alguma para mensurar.

Ao contrário de nós que, aos trancos e barrancos, vamos aprendendo a nos proteger das mais diversas redes que nos cercam.

E elas estão espalhadas pelo globo afora. Muitas delas já direcionam nossas vidas. Claro, quando permitimos que isso aconteça. O mais grave, porém, é que nem nos apercebemos disso. Somos engolidos por elas. E são muitas e variadas.

Para que mencioná-las!

Consideremos que não são visíveis, como aquela que Aninha adentrou, por conta própria. E, como tal, abraçam-nos sem nos darmos conta. Competem entre si, especializam-se e nos atingem, cotidianamente, gerando desinformação, temor, uma quase confusão mental propícia a que nos tornemos vassalos. Claro que existem algumas poucas que nos auxiliam, até nos socorrem quando necessário.

Não esqueçamos que, presentemente, somos monitorados. Sabem onde comemos, o que compramos e o que pensamos. Direcionam, então, suas tenazes forças para que cheguem até nós os padrões que pretendem impor.

A tecnologia veio para auxiliar, para ajudar, para agilizar. No momento, até os drones, tão úteis nas emergências, estão servindo, infelizmente, para os traficantes monitorarem o deslocamento da Polícia ou, até mesmo, para entregarem celulares em presídios.

Mas voltando às redes...

Deveriam, tão somente, nos informar do que está acontecendo. A nós caberia refletir sobre o que nos é repassado, pois deveríamos ter a capacidade de análise sobre o assunto abordado, independentemente da posição assumida pelas poderosas redes.

Para tanto, far-se-ia necessário que tivéssemos uma educação mais aprimorada, que nos possibilitasse melhor avaliar os vários sentidos que uma palavra pode conter num texto, bem como o que pode gerar de dúvida, questionamento e confusão no entendimento de quem a lê ou a ouve. Caberia aqui, quem sabe, a frase, que segue abaixo, atribuída ao reconhecido escritor Monteiro Lobato:

Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê.

Verdades ou Inverdades?

Não há dúvida de que estamos sendo guiados, sem nos apercebermos, para um futuro imprevisível.

O significado de uma entrevista ou de um texto escrito devem, ambos, ser analisados sob todos os ângulos possíveis.

Caso contrário, sem análise, o viver cotidiano tornar-se-á uma aventura por demais imprevisível. E por ser tão imprevisível e desconhecido seu resultado, tais redes, e não mais aquela da varanda de Aninha, poderão nos abraçar com tal força subliminar, dificultando a nossa autossobrevivência emocional, bem como a visão racional do nosso papel como indivíduos partícipes dentro de uma sociedade.

E, com certeza, não estará presente um avô para nos socorrer. Nem seria suficiente.