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terça-feira, 21 de maio de 2013

NOSSA LÍNGUA

Abramos espaço para o poeta derramar toda a sua verve, ornada pelo amor que dedica a ela, nossa Língua, nesse soneto:

Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que, na ganga impura,
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Olavo Bilac (1865-1918)

A grande paixão pelo efeito estético era visível. No caso de Bilac, observa-se a ênfase no burilar da Língua Portuguesa, de acordo com os padrões da época. Foi ele um dos expoentes da escola literária chamada Parnasianismo, que tinha raízes em Paris e que primava pelo gosto da descrição nítida, a mimese pela mimese, bem como as concepções tradicionais sobre metro, ritmo e rima. O seu poema Profissão de Fé é o juramento que faz de que morrerá “em prol do Estilo”, no ato da escolha e da vestimenta que dará à palavra. Estávamos no século XIX.

Já no século seguinte, haveria uma transformação radical.

Vamos viajar, num salto, direto para o Modernismo, embora tenhamos tido outras escolas intermediárias.

Na verdade, o que nos interessa, aproveitando para saudar o Dia da Língua Nacional, transcorrido no dia 21 de maio, é constatar como ela hoje se apresenta.

Pois, então, te aprochega, tchê. Vamos proseando, enquanto o mate passa de mão em mão.

E tu sabes, por acaso, de onde vem essa expressão Chê ou, como nós gaúchos a pronunciamos, com um som de t, Tchê?

Segundo estudos, não é de origem indígena. Seu berço encontra-se na Espanha, nas regiões levantinas, mais precisamente no idioma valenciano. Lá é que se usa esse vocativo Chê. A nossa proximidade com a América Espanhola trouxe para o Rio Grande do Sul o que já existia na Argentina, Uruguai e Bolívia. Aliás, pronunciamos a expressão “Chê” à maneira espanhola, isto é, Tchê.

E o te aprochega? De onde virá?

Pois diz a lenda, que o aprochegar teria originado o “approach”, termo inglês, que significa aproximar-se, chegar perto de.

Vejam! Quanta pretensão! Explica a lenda que, quando os estivadores de portos brasileiros avistavam algum navio estrangeiro se aproximando, referiam-se da seguinte maneira: o navio está aprochegando.

Nada disso!

No ano de 1958, quando o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, em cinco volumes com mais de 5000 páginas, em sua 4ª edição era lançado, o verbo aprochegar não aparecia dicionarizado. Seu uso, porém, já era conhecido entre os gaúchos. Hoje, encontra-se registrado no Novíssimo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 5ª edição, 2ª impressão de 2010. Também encontramos seu registro no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª edição de 2009, já com a nova ortografia.

Quanto ao nosso aprochegar, talvez, a lenda esteja correta. Nós mesmos acabamos criando um vocábulo para uso próprio. Daí a exportá-lo, só em lenda mesmo.

Há registros de que a palavra aprochegar é de origem quíchua, língua falada desde a época dos Incas. Estaria ameaçada de extinção porque apenas falada por descendentes indígenas, ainda existentes, nos territórios que abrangem terras do Equador, Colômbia, Peru, Chile e Bolívia.

Por outro lado, o registro dicionarizado da palavra “approach” explica que sua origem vem do francês “aprochier”, vindo do latim “apropiare”. Essa é a origem segundo o Webster’s New International Dictionary, second edition, de 1939, uma obra rara e valiosa para os estudiosos da Língua Inglesa e suas origens.

Essa explicação é, portanto, mais confiável. Não concordam?


Agora, vamos saltar no tempo. Chegamos ao hoje e à constatação da invasão de termos ingleses a que a nossa Língua está tomada. E isso não se deve apenas ao avanço tecnológico, com a chegada de termos que a Informática trouxe consigo. Exemplo disso é o verbo tuitar, já dicionarizado (última edição do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ano 2010). De acordo com o Professor Cláudio Moreno, com quem concordo plenamente, o verbo, já que está agregado ao idioma, escreva-se como um verbo regular da 1ª conjugação. Então: Eu tuíto, tu tuítas, ele tuíta; nós tuitávamos, vós tuitáveis, e por aí...

Na verdade, o tamanho do problema é maior do que isso. Não são apenas alguns vocábulos incorporados. Quando a estrutura da língua é afetada, chegamos a um nível perigoso de comprometimento do idioma pátrio. Querem coisa mais sinuosa, mais tortuosa do que dizer:

Em que eu poderia estar lhe ajudando? Ao invés de:

Em que posso ajudá-lo?

Ou, ainda:

O senhor pode estar aguardando só um momento, enquanto eu estarei fazendo as suas solicitações?

É ruim, ehn?

Estamos cercados por americanismos. Vejam, por curiosidade, apenas alguns:

* background, backup, blush, bike, book, cheeseburger, coffee break, cool, delivery, diet, drive-thru (drive-through), e-book, ecobag, enter, fast-food, flex, free, freelancer, full time, gloss, happy hour, high tech, homepage, home theater, hot dog, insight, lan house, light, lunch, marketing, mix, mouse, night, off, office-boy, on-line, pet shop, pet stop, player, plus size, pub, sale, self-service, shampoo, shopping center, tablet, to delete, to check, to plug, to attach, trash, underground, underline, upgrade, etc. Esclareça-se que os vocábulos acima, com exceção de cool, plus size e underline, estão todos já constando do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ano 2010.

Queridos leitores, como diz meu cronista predileto, Luis Fernando Verissimo, em crônica transcrita abaixo e reproduzida aqui a frase que a encerra:

“Só é triste acompanhar esta entrega – ou devo dizer “delivery”? – de identidade de um país com vergonha da própria língua”.

E eu acrescentaria que uma nação é composta por seu território, povo, governo independente e língua própria. Nada contra a evolução. Não poderíamos continuar a chamar a Língua Portuguesa de última flor do Lácio inculta e bela. Inculta, por ter-se originado do Latim Vulgar, menos importante do que o Latim Clássico: os séculos já apagaram essas diferenças. Bela, sempre foi e continua sendo. Agora, submissa, porosa, fragilizada por, em especial, americanismos: é uma constatação. Estamos nos tornando ridículos ao querermos parecer um pouco norte-americanos. Já somos um país continental, com uma língua falada em vários continentes e um povo, pelo menos, os cá debaixo, modelo para toda a Terra. E estamos conversados. Oigalê, tchê!


A Língua Nacional de cada país deve ser cultuada e serve para aqueles cidadãos que, naquela cultura, estão inseridos. Precisamos, isso sim, produzir tecnologia na área da Informática. Quem sabe, então, passemos também a exportar termos brasileiros que não terão similar em outras línguas, criando-se, portanto, nossa própria linguagem nessa área. Para aquelas palavras que não pertencem ao mundo da Informática, não precisamos de estrangeirismos. Quanto à estrutura da língua, convenhamos, a que temos nos serve plenamente.

Claro que não cabem mais os vocábulos daquele poema inserido no início dessa crônica. Ninguém mais dirá:

“Que tens o trom e o silvo da procela,

E o arrolo da saudade e da ternura!”


Mas daí a conjugar um verbo, tipo tuitar, que, para piorar, há quem defenda a grafia twittar, conjugando-se, então, eu twitto, tu twittas... Ou será com acento? Eu twítto, tu twíttas... Que tal?

Então, para fechar essa avalanche de impropriedades com a nossa Língua, lá vai uma frase ouvida de um entrevistado, em conhecido programa noturno:

“A operação, que foi estartada, (ou, quem sabe, seria startada – do verbo to start (inglês), que significa iniciar) teve boa aceitação”.

E Viva a Nossa Língua Nacional!

Agora, para relaxar, vamos assistir ao vídeo que apresenta o Samba do Approach.

Aguentar essa invasão, só mesmo escutando Zeca Baleiro, cantando composição sua, acompanhado por Zeca Pagodinho.




Trecho da crônica " UM PLUS A MAIS" - Luis Fernando Verissimo 
ZH de 23.05.13




Samba do Approach - Zeca Baleiro 









segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O PEDIDO DE VALENTE












Quando Valente dobrou a esquina daquela rua, que conhecia de nome, já sabia o que o aguardava. Meses a fio ouvira aquela conversa. Agora era pra valer! Parece que a coisa se tornara moda. 

O que o assustava é que, se as coisas continuassem assim, perderia até sua principal característica: seu faro. Com certeza, ele iria perder-se em meio a tantos cheiros desconhecidos. Teria que se exercitar, que aprender os novos aromas que se anunciavam. 

Valente avançava, cabisbaixo, rua acima. Nada mais seria como antes. Perderia a espontaneidade pra tudo. Ficaria embaraçado frente a uma parceira. E se ela também adotasse a mesma moda? Até que pra ela era compreensível tal revolução estética. 

Valente, definitivamente, não se conformava com tais modismos. Na verdade, as coisas deviam ficar como sempre tinham sido. Tudo bem definido: cheiros, cores, o visual de cada um no original, de nascença. 

E quando tivesse que levantar a perna? Será que teria alguma mudança? E quando estivesse a fim..., como identificaria a sua cara-metade “da hora”? Será que conseguiria definir o cheiro do prazer, em meio a tantos outros cheiros? Isso, decididamente, não ia dar certo. Ia acabar se confundindo. E daí? Babaus... Ia ser um salve-se quem puder! Por que tinham que inventar tais coisas? 

Enquanto se preparava para o sacrifício, ia meditando sobre os velhos e bons tempos. 

Que saudade daquele quintal, lá no bairro Petrópolis, em que vagava por entre as árvores, tendo sempre ao lado Isadora, sua companheira. Sabia perfeitamente quando ela estava “naqueles dias”. E “aqueles” eram os melhores dias de sua vida. Tudo seguindo o seu curso natural. Nada de inovações. Tudo previsto e instintivamente perseguido. 

Mas aí... Dona Gertrudes, sempre tão carinhosa, um dia, resolveu entregá-lo à Beatriz, sua irmã, que o levou para morar com ela. Sabe onde? Num apartamento. A coisa mais horrorosa! Tinha sido levado para fazer-lhe companhia, pois ela enviuvara há pouco. Desse dia em diante, sua vida começou a mudar. E, para pior. Agora, porém, chegara ao fundo do poço. Sentia que, qualquer dia, acabaria virando Valentina. Com esses pensamentos sombrios, adentrou, a contragosto, na tal casa. Sentia que ali começaria sua derrocada como espécie. 

Uma voz suave convidou-o a entrar: 

- Por aqui, meu fofo! Beatriz voltaria, em três horas, para buscá-lo. 

Dali em diante, viu-se rodeado por mais duas vozes meigas a com ele conversar. E, principalmente, a conversarem entre si. O que se sucedeu, a partir daquele momento, vale uma história e tanto. 

Depois de muita conversa, resolveram iniciar a transformação de forma “light”. Nada muito agressivo! 

Mergulharam-no numa banheira muuuuuuito cheirosa. Com as barbas de molho e o resto também, ficou a meditar por minutos nessa nova vida que se anunciava. Vira e mexe estaria nesse salão de horrores novamente. 

E era shampoo, condicionador... E dê-lhe água. De repente, aquela água foi sumindo para outra ir chegando. E o pobre ali mergulhado. O cheiro agora era bem definido: era de chocolate. Conversaram as moças entre si que era hora da hidratação de chocolate. Pra que tanto cheiro? Pensou com seus botões: isso não vai dar certo... 

Sentindo-se mais lambido que terneiro recém-nascido foi, finalmente, retirado da banheira e levado para o soprador. E depois, claro, para o secador: que são coisas diferentes. 

Daí, partiram para uma boa escovada e mais um spray perfumado, com o qual quase tonteou. Para finalizar, um laçarote cor-de-rosa pra segurar a franja teimosa. E com os olhos, agora, bem à mostra foi que avistou Beatriz chegando toda feliz. 

A que ponto chegará! Que inveja do “alemão”! Ele é um amigo que circula pela rua onde Valente mora. Sempre de bem com a vida. Todos o conhecem e ele a todos cumprimenta, balançando o rabo: mais faceiro que pinto em quirela. Dão-lhe, todos os dias, o que comer. É freguês do boteco da esquina. Vive solto a vadiar. Não tem obrigações. Pode fazer cocô e xixi em qualquer lugar. Encontra-se, sempre que dá no jeito, com as gurias da zona, isto é, da zona onde mora. É bonito, aloirado, garboso. Vive, por assim dizer, sem frescuras. Isto é que é vida! 

Agora, essa sua vidinha está se tornando um saco! Na verdade, o que mais o preocupa é a questão dos cheiros, dos odores misturados com os perfumes. Está perdendo até o apurado faro, seu ponto forte. E o pior... Acredita que terá dificuldades, daqui pra frente, em distinguir aquele cheiro tão bem-vindo, que há tempo não mais encontra, por absoluta clausura. Já anda até destreinado! E se facilitar, poderá enganar-se feio. Já pensou? Que vexame! 

Talvez o melhor seja mesmo acomodar-se em sua nova caminha e sonhar com a chapinha, a escova de morango ou chocolate e com a vinhoterapia pra pets. Disseram, lá na petshop, que vai revitalizar seu pelo através do poder antioxidante dos polifenóis contidos na uva, além de serem ricos em vitaminas A, C, e E. 

A única dúvida é se isso vai torná-lo mais feliz. A clausura já se instalou mesmo. Parece não haver saída, senão deitar e gozar. Gozar? Isso é coisa pra geração passada. Essa nova espécie canina anda mais frustrada que os seus próprios donos. Aliás, já incorporaram todos os tiques e manias dos seus senhores. Sabe de uma coisa? 

Se ficar muito difícil aguentar esta barra, Valente acha que vai exigir um apoio psicológico, ingressando nesses grupos de terapia para cães. Afinal, já é praticamente um ser humano! Escovam-lhe diariamente os dentes, faz xixi e cocô numa espécie de vaso sanitário, come salgadinhos, waffle com chocolate, tem à sua disposição toda a sorte de petiscos. O que mais querem? Que fale? Pô, aí seria demais... Mas, se fosse possível, diria a Beatriz que o trate com mais carinho, que o afague, que seja menos rude. Pois é isso que todo ser vivo mais quer. Não interessa essa formosura toda, que é só aparência, se não nos relacionamos com amor. E, se não for pedir muito, que lhe dê um pouquinho mais de liberdade. Afinal, a espécie precisa perpetuar-se. E disso os humanos entendem muito bem.