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sexta-feira, 12 de junho de 2015

ELA É PARTE DE NÓS





Todos a possuem, embora nem saibam.

Quem se interessaria por aquelas formigas, carregadinhas de folhas, levando o alimento para os seus esconderijos? Pisar sobre elas sem olhá-las é absolutamente normal. Porém, há quem, olhando a cena, dê vazão a uma perspectiva interpretativa do mundo, daquele recôndito íntimo que guarda sensibilidade e atenção e extraia da cena palavras que expressam a semelhança entre todos os seres vivos: a luta pela sobrevivência, comum a todos.

Todos possuem este instinto como também possuem um olhar possível de transcender uma cena tão insólita, irrelevante, quanto uma fila de formigas. É nessa transcendência, que alguns não exercitam, que se poderia avaliar a capacidade de percepção e de construção da palavra pensada, falada e escrita: da palavra poética.

Ela nos pertence. Apenas, alguns não acordaram para ela. O ato da Criação já é um ato de pura Poesia. E a fantasia faz parceria com a utopia para colorir uma realidade nem sempre colorida. A Poesia pode, porém, transformá-la, transformando o próprio ser em agente único com esta capacidade, porque está na gênese do ser humano pensar poeticamente. 

Portanto, ela, a Poesia nunca morrerá, enquanto um só homem existir. Ela sempre servirá para a expressão mais íntima, mais absoluta, mais necessária a este ser humano carente de respostas, abraçado por dúvidas e questionamentos. Ela sempre exercerá o seu papel de dar vazão a essa necessidade constante. Ela veio com ele para lhe dar suporte e lhe possibilitar extravasar o que, por vezes, lhe é pesado demais. Ou, quem sabe, até o que lhe transborda de felicidade e que se derrama para lhe dar novo fôlego às certezas e incertezas do dia a dia.



O poeta Affonso Ávila, detentor do Prêmio Jabuti de Literatura, mineiro de Belo Horizonte, já falecido, escreveu:


“Vejo que a poesia nunca desaparecerá. Dentro de séculos ou milênios vamos ter poesia publicada na Lua, em Marte. Por onde o homem for a poesia vai com o homem. Ela vai dentro do homem, está na gênese do homem”.


E observem como, desde jovem, é possível ter um olhar diferenciado sobre o aparentemente trivial, mas que transformado em poesia demonstra o quão importante é a capacidade de expressão poética, como seguem os exemplos abaixo, transcritos textualmente. Todos os textos poéticos foram elaborados por alunos de escolas estaduais do Rio Grande do Sul e publicados, em 2009, no livro Crianças do Rio Grande Escrevendo Histórias.













No primeiro poema, cenas aparentemente banais como a imagem de pés ressaltam a importância dos caminhos que irão percorrer, não importando qual tipo de pé esteja sendo observado. O que se impõe é saber quais caminhos serão escolhidos pelo ser humano para a sua caminhada pela vida afora. E as antíteses, figuras de linguagem de aspecto semântico, por várias vezes repetidas, demonstram que a construção poética pode surgir a partir da necessidade de expressão de opostos, elementos que nos acompanham desde tenra idade. 

Ou, ainda, no segundo poema, uma reflexão sobre a ação deletéria do homem sobre o meio ambiente, ressaltando, porém, a inabalável esperança que deve uma criança portar. Surpreende a percepção infantil de que por ser criança a esperança ainda persiste como perspectiva.

O terceiro poema traça, de forma ordenada, o desfilar de sentimentos egoístas que não apontam para um viver saudável.

E o tema da adolescência, no quarto poema, aparece como um extravasar de sentimentos numa fase da vida ainda por firmar-se, com todos os atropelos causados pelos hormônios em alta, retratando de forma até bem-humorada o seu próprio quadro de vida, valendo-se de figuras iguais a si mesmo.

É! A poesia está dentro de nós. Quando instigada, acorda e faz maravilhas.

Para os mais crescidos e que acreditam no amor cabe, hoje, Dia da Língua Portuguesa, lembrarmo-nos do poeta Luís Vaz de Camões e sua extensa produção literária. E ele soube com grande virtuosismo cantar o amor.

E como todo bom poeta a centelha que alimenta a sua expressão escrita é produto desse amor que se encontra na sua própria origem, pois a Poesia está na gênese do próprio poeta.

E quando ela faz parceria com a música, melhor ainda fica.

Exemplo dessa bela combinação fica evidente na música MONTE CASTELO do Grupo Legião Urbana, na voz de Renato Russo, onde versos de um conhecido soneto de Camões são muito bem aproveitados em letra, música e arranjo de sua autoria. O título Monte Castelo é uma referência à principal batalha ganha pela FEB durante a 2ª Guerra Mundial.



Nesta data de 10 de junho, em que se comemora o Dia da Língua Portuguesa, nada mais apropriado do que refletirmos sobre a importância dela em nosso dia a dia e, em especial, quando ela está vestida de POEMA, que é a expressão mais completa e mais reveladora do nosso eu.

O título da música, Monte Castelo, traz um claro antagonismo à mensagem da letra, pois a referida batalha é de desamor como todos os atos de guerra mantidos pela humanidade.

Em razão não só da data de 10 de junho, como também a de 12 do mesmo mês, Dia dos Namorados, vale a pena ler a bela mensagem de amor contida no soneto AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER do tão prestigiado poeta português. Nele, os oxímoros e paradoxos, figuras de linguagem de aspecto semântico, bem como as anáforas, figuras de linguagem de aspecto sintático, estão presentes enriquecendo o produto final: um belo e atual poema, com todas as incertezas e surpresas que o AMOR possibilita. E este sentimento, com certeza, é o que interessa aos apaixonados.

A leitura deste soneto de Camões é um presente da cronista para o Dia dos Namorados. 

Após, ouçam o soneto recitado por um ator português, com uma ligeira modificação no final do texto, bem como o mesmo soneto musicado e interpretado por uma dupla de cantores portugueses que conferem ao poema um ritmo, uma batida bem atual.

Para finalizar, o arranjo da música Monte Castelo com a letra do soneto de Camões interposta.









João Villaret – Amor é fogo que arde sem se ver 


Luis Represas & João Gil – Amor é fogo que arde sem se ver 


Legião Urbana – Monte Castelo 







terça-feira, 21 de maio de 2013

NOSSA LÍNGUA

Abramos espaço para o poeta derramar toda a sua verve, ornada pelo amor que dedica a ela, nossa Língua, nesse soneto:

Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que, na ganga impura,
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Olavo Bilac (1865-1918)

A grande paixão pelo efeito estético era visível. No caso de Bilac, observa-se a ênfase no burilar da Língua Portuguesa, de acordo com os padrões da época. Foi ele um dos expoentes da escola literária chamada Parnasianismo, que tinha raízes em Paris e que primava pelo gosto da descrição nítida, a mimese pela mimese, bem como as concepções tradicionais sobre metro, ritmo e rima. O seu poema Profissão de Fé é o juramento que faz de que morrerá “em prol do Estilo”, no ato da escolha e da vestimenta que dará à palavra. Estávamos no século XIX.

Já no século seguinte, haveria uma transformação radical.

Vamos viajar, num salto, direto para o Modernismo, embora tenhamos tido outras escolas intermediárias.

Na verdade, o que nos interessa, aproveitando para saudar o Dia da Língua Nacional, transcorrido no dia 21 de maio, é constatar como ela hoje se apresenta.

Pois, então, te aprochega, tchê. Vamos proseando, enquanto o mate passa de mão em mão.

E tu sabes, por acaso, de onde vem essa expressão Chê ou, como nós gaúchos a pronunciamos, com um som de t, Tchê?

Segundo estudos, não é de origem indígena. Seu berço encontra-se na Espanha, nas regiões levantinas, mais precisamente no idioma valenciano. Lá é que se usa esse vocativo Chê. A nossa proximidade com a América Espanhola trouxe para o Rio Grande do Sul o que já existia na Argentina, Uruguai e Bolívia. Aliás, pronunciamos a expressão “Chê” à maneira espanhola, isto é, Tchê.

E o te aprochega? De onde virá?

Pois diz a lenda, que o aprochegar teria originado o “approach”, termo inglês, que significa aproximar-se, chegar perto de.

Vejam! Quanta pretensão! Explica a lenda que, quando os estivadores de portos brasileiros avistavam algum navio estrangeiro se aproximando, referiam-se da seguinte maneira: o navio está aprochegando.

Nada disso!

No ano de 1958, quando o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, em cinco volumes com mais de 5000 páginas, em sua 4ª edição era lançado, o verbo aprochegar não aparecia dicionarizado. Seu uso, porém, já era conhecido entre os gaúchos. Hoje, encontra-se registrado no Novíssimo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 5ª edição, 2ª impressão de 2010. Também encontramos seu registro no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª edição de 2009, já com a nova ortografia.

Quanto ao nosso aprochegar, talvez, a lenda esteja correta. Nós mesmos acabamos criando um vocábulo para uso próprio. Daí a exportá-lo, só em lenda mesmo.

Há registros de que a palavra aprochegar é de origem quíchua, língua falada desde a época dos Incas. Estaria ameaçada de extinção porque apenas falada por descendentes indígenas, ainda existentes, nos territórios que abrangem terras do Equador, Colômbia, Peru, Chile e Bolívia.

Por outro lado, o registro dicionarizado da palavra “approach” explica que sua origem vem do francês “aprochier”, vindo do latim “apropiare”. Essa é a origem segundo o Webster’s New International Dictionary, second edition, de 1939, uma obra rara e valiosa para os estudiosos da Língua Inglesa e suas origens.

Essa explicação é, portanto, mais confiável. Não concordam?


Agora, vamos saltar no tempo. Chegamos ao hoje e à constatação da invasão de termos ingleses a que a nossa Língua está tomada. E isso não se deve apenas ao avanço tecnológico, com a chegada de termos que a Informática trouxe consigo. Exemplo disso é o verbo tuitar, já dicionarizado (última edição do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ano 2010). De acordo com o Professor Cláudio Moreno, com quem concordo plenamente, o verbo, já que está agregado ao idioma, escreva-se como um verbo regular da 1ª conjugação. Então: Eu tuíto, tu tuítas, ele tuíta; nós tuitávamos, vós tuitáveis, e por aí...

Na verdade, o tamanho do problema é maior do que isso. Não são apenas alguns vocábulos incorporados. Quando a estrutura da língua é afetada, chegamos a um nível perigoso de comprometimento do idioma pátrio. Querem coisa mais sinuosa, mais tortuosa do que dizer:

Em que eu poderia estar lhe ajudando? Ao invés de:

Em que posso ajudá-lo?

Ou, ainda:

O senhor pode estar aguardando só um momento, enquanto eu estarei fazendo as suas solicitações?

É ruim, ehn?

Estamos cercados por americanismos. Vejam, por curiosidade, apenas alguns:

* background, backup, blush, bike, book, cheeseburger, coffee break, cool, delivery, diet, drive-thru (drive-through), e-book, ecobag, enter, fast-food, flex, free, freelancer, full time, gloss, happy hour, high tech, homepage, home theater, hot dog, insight, lan house, light, lunch, marketing, mix, mouse, night, off, office-boy, on-line, pet shop, pet stop, player, plus size, pub, sale, self-service, shampoo, shopping center, tablet, to delete, to check, to plug, to attach, trash, underground, underline, upgrade, etc. Esclareça-se que os vocábulos acima, com exceção de cool, plus size e underline, estão todos já constando do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ano 2010.

Queridos leitores, como diz meu cronista predileto, Luis Fernando Verissimo, em crônica transcrita abaixo e reproduzida aqui a frase que a encerra:

“Só é triste acompanhar esta entrega – ou devo dizer “delivery”? – de identidade de um país com vergonha da própria língua”.

E eu acrescentaria que uma nação é composta por seu território, povo, governo independente e língua própria. Nada contra a evolução. Não poderíamos continuar a chamar a Língua Portuguesa de última flor do Lácio inculta e bela. Inculta, por ter-se originado do Latim Vulgar, menos importante do que o Latim Clássico: os séculos já apagaram essas diferenças. Bela, sempre foi e continua sendo. Agora, submissa, porosa, fragilizada por, em especial, americanismos: é uma constatação. Estamos nos tornando ridículos ao querermos parecer um pouco norte-americanos. Já somos um país continental, com uma língua falada em vários continentes e um povo, pelo menos, os cá debaixo, modelo para toda a Terra. E estamos conversados. Oigalê, tchê!


A Língua Nacional de cada país deve ser cultuada e serve para aqueles cidadãos que, naquela cultura, estão inseridos. Precisamos, isso sim, produzir tecnologia na área da Informática. Quem sabe, então, passemos também a exportar termos brasileiros que não terão similar em outras línguas, criando-se, portanto, nossa própria linguagem nessa área. Para aquelas palavras que não pertencem ao mundo da Informática, não precisamos de estrangeirismos. Quanto à estrutura da língua, convenhamos, a que temos nos serve plenamente.

Claro que não cabem mais os vocábulos daquele poema inserido no início dessa crônica. Ninguém mais dirá:

“Que tens o trom e o silvo da procela,

E o arrolo da saudade e da ternura!”


Mas daí a conjugar um verbo, tipo tuitar, que, para piorar, há quem defenda a grafia twittar, conjugando-se, então, eu twitto, tu twittas... Ou será com acento? Eu twítto, tu twíttas... Que tal?

Então, para fechar essa avalanche de impropriedades com a nossa Língua, lá vai uma frase ouvida de um entrevistado, em conhecido programa noturno:

“A operação, que foi estartada, (ou, quem sabe, seria startada – do verbo to start (inglês), que significa iniciar) teve boa aceitação”.

E Viva a Nossa Língua Nacional!

Agora, para relaxar, vamos assistir ao vídeo que apresenta o Samba do Approach.

Aguentar essa invasão, só mesmo escutando Zeca Baleiro, cantando composição sua, acompanhado por Zeca Pagodinho.




Trecho da crônica " UM PLUS A MAIS" - Luis Fernando Verissimo 
ZH de 23.05.13




Samba do Approach - Zeca Baleiro