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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

SEU SONHO ERA BEM OUTRO!

Foi muita frustração! Estava tudo acertado. Ele seria ela. Bela, colorida, variada nos matizes. Por um erro, que não sabe bem de quem, acabou na mesma família delas, mas com atributos que dispensaria, sinceramente.
Com certeza até abriria mão da coroa que lhe outorgaram, só para ser admirada, olhada, cultivada com todo o carinho.
Por vezes, se insurge, pois destoa, em beleza, da família a qual pertence.
Se a coroa não lhe traz benefício algum, o que adianta ser rei!
É um rei frustrado, pois seus súditos, embora gostando dele, por vezes, machucam-se ao tocá-lo. E ele gosta de ser tocado, puxa vida!
Tem o corpo todo espinhoso e ressequido e sua maciez está tão escondida que causa esforço e grande cuidado a quem precisa desnudá-lo. Possui farpas pelo corpo afora.
Na verdade, nunca conseguiu conformar-se com essa situação.
Além disso, guarda uma estória bem desagradável, que lhe contaram há anos atrás.
Pois um irmão seu foi causador, sem querer, de um ferimento, que teve como consequência a eliminação desse pobre irmão da vida daquela pequena vítima.
Existia uma menininha que gostava tanto desse seu irmão, mais tanto, que o consumia diariamente. Era um, inteiro, por dia. Ao final de vinte e poucos dias, na língua da pequena vítima surgiram pequenos cortes com pontos de sangue.
Vejam se isso aconteceria com o consumo diário de uma banana, uma maçã, uma pera ou uma ameixa. Poderia estar comendo até hoje sua porção diária, sem problema.
Mas a paixão é cega. Atirou-se, de cabeça, no consumo diário de um abacaxi. E deu no que deu.
Na realidade, esse coitado, pertencente à família das Bromélias, vive acabrunhado. Não é belo como suas irmãs, nem tampouco benquisto.
Vejam bem o que registra o "amansa-burros" sobre este vocábulo:

* Bras.Gír. – coisa trabalhosa, complicada, embrulhada, intrincada (Antes de viajar, teve vários abacaxis para resolver);
* “Dois meses depois, ela telefona em pânico: ‘Vou ser mãe!’ Do outro lado da linha, Sandoval explode: ‘Que abacaxi!’ E, então, começa a evitar a pequena.” (Nélson Rodrigues, 100 Contos Escolhidos. A Vida Como Ela É, II, pp. 57-58);
* Descascar um abacaxi: resolver uma dificuldade, um problema.
                                            (Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 5ª edição)


Na verdade, nem sabe bem por que existe.
É gostoso? É.
É cheiroso? É.
É de difícil trato? Reconhece que sim.
Pergunta-se, até hoje, por que não lhe deixaram seguir o caminho das companheiras da espécie, por que o impediram de servir de enfeite nos avarandados?
Já tentou convencer-se de que vale mais, de que é mais importante do que as belas da sua espécie.
Analisa-se e percebe que cada um de seus “olhos”, que estão espalhados pelo seu corpo, corresponde a uma flor. Ele é, portanto, um conjunto de flores que se fundiram em um grande fruto de um só corpo. E pra compensar sua transformação em um fruto, e não uma flor, puseram-lhe no topo do corpo uma coroa.  Foi só pra enganar. Ela não lhe serve pra nada. Pelo contrário, é por ali que começam os primeiros sinais de sua destruição. É quando lhe arrancam esse sinal de nobreza, à força, ou ele apodrece, indicando a sua já próxima e completa deterioração. Por conta da beleza dessa coroa, ele é conhecido como o rei dos frutos. Alguns o chamam de rei das frutas. Imaginem! É pra enlouquecer!
Não tem certeza, mas acha até que vive menos tempo do que sua irmã, a bromélia em flor. Esse pensamento, que o atormenta, deve ser por conta da baixa autoestima que carrega consigo.
Ela até é nome de música da Bidê ou Balde, conhecida banda gaúcha.
Ele, depois de muito procurar, só encontrou referência a sua existência através da música Piuí Abacaxi. Assim mesmo foi só pra rimar com “por aí”.
Vejam:
“Piuí Piuí, Piuí Abacaxi,
Choc, choc, choc, choc por aí."

É! Pelo menos a letra da música fala em sino que toca. Acredita que aquele seu irmão, que salta da frente do vagão na descida do trem, é o tal apito: o Piuí.
O barulho do trem, por outro lado, lembra o som cadenciado do seu nome: abacaxi... abacaxi... abacaxi... abacaxi...
Isso não é o bastante, porém.
Ainda vai conferir melhor aquele vídeo.
Que tristeza!
Diante desse quadro, confessa que portar uma coroa é muito pouco.
Inconformado, declara-se ser uma fruta a contragosto.
Seu sonho era bem outro!

*Crônica elaborada a partir da frase “O ABACAXI É FRUTA A CONTRAGOSTO”, ideia guardada no baú da memória de Luis Fernando Veríssimo e revelada na crônica de sua autoria publicada, em 16 de fevereiro de 2014, no jornal O Estado de São Paulo, Caderno Cultura.
Em face da sua confissão de não ter a menor ideia do que pretendia dizer com ela, o que eu duvido por conta da genialidade que o faz meu ídolo, tentei achar uma explicação para a referida frase. Espero ter conseguido.


Bromélias – Bidê ou Balde


Piuí Abacaxi – Patati Patatá