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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

DE RETROVISORES, PORTÕES, PAREDES E CAMINHOS FLORIDOS.






Conhecido no bairro há muito tempo, lá vem ele empurrando o carrinho com sobras que vai recolhendo pelo caminho. Vez por outra, a mão fechada aproxima-se do nariz, num típico ato de quem cheira algo. Sim, é uma substância que lhe detona o corpo, mas que o mantém falante. Conhece todos pelas ruas por onde passa. Dá “oi” aos conhecidos mais antigos. Porém, por vezes, descola-se da realidade que o circunda e conversa com o retrovisor de um carro parado. Dialoga com um portão que o acolhe por instantes.

São histórias que vai criando ao sabor da imaginação, ao estado de espírito do momento, com perguntas e respostas cujo enredo vai construindo.

Quem o conhece e o assiste “cheirar”, frequentemente, não se surpreende com estas conversas dirigidas a alguém, digamos, virtual. Credito este comportamento aos efeitos nocivos da droga.



Surpreendente, porém, é encontrar a cena que segue.

Encostada à parede, fala em voz alta. É perfeitamente audível e compreensível o diálogo que desenvolve. Calça botas e está bem vestida. Em torno de quarenta anos, é a idade que aparenta. Com papéis nas mãos, questiona e responde o que lhe perguntam. Às vezes, demonstra exasperação. Em outros momentos, parece dar maior atenção ao que ponderam. Por vezes, desencosta da parede e caminha alguns passos. Retorna, porém, à posição inicial. De quando em vez, apresenta suas razões com veemência, alterando o tom de voz.

Alguns passantes a ignoram. Outros detêm o olhar sobre ela, imaginando alguma situação de conflito que esteja acontecendo.

Há quem, porém, tenha se detido com mais atenção a esta cena. E juntou-se a outro alguém que já estava, há mais tempo, observando a tal senhora. O primeiro observador concluiu que a conversa, que já se estendia por um bom tempo, era uma conversa totalmente virtual.

Ante a surpresa do recém-chegado observador, que imaginava existir um celular escondido sob a roupa, bem como um fone de ouvido, pôde ele ver quando a loquaz senhora dirigiu-se à parede de vidro, empunhando o tal papel e mostrando o que nele havia escrito. Tudo como se olhos dali brotassem e pudessem ler o que ali estava escrito. Esta cena aconteceu em um supermercado da nossa Capital. E esta pessoa não parecia ter envolvimento com drogas.

Ah! Segundo um funcionário do supermercado, ela é conhecida por tal comportamento.

Algo surreal! Ou melhor, tão real àquela mente que o Pokémon GO estaria já defasado no tempo. Uma realidade virtual que dispensaria o aplicativo, porque construído e elaborado na própria mente do indivíduo.

É muita loucura? É!!!

Mas o que dizer de quem procura o tal bonequinho por lugares tão estranhos como junto a minas terrestres? Ou do outro lado da rua, na lateral direita de um poste? E que, para lá chegar, desconecta-se do que está ao redor e numa volúpia de alcançar o tal boneco atravessa a rua sem olhar para os lados?

A realidade virtual é, sem dúvida, um avanço tecnológico de grande utilidade, por exemplo, na medicina e em outros campos do saber. Ela está presente em nossa vida toda vez que projetamos um elemento virtual em nosso mundo de verdade.



Pois é! Quanto ao catador de quase tudo o que encontra, a sua realidade mistura-se à imaginação desaguando numa realidade mais rica, pelo menos para ele. Por que não? É criatura e criador ao mesmo tempo!

E a senhora do supermercado? Acredito que vá pelo mesmo caminho. É criadora e criatura igualmente. Cada um em um território totalmente pessoal e único.

Para que Pokémon? Para que realidade aumentada?



Eu, apostando no hardware e software internos, prefiro caminhar pelo parque descobrindo por trás de alguma árvore, de repente, um cachorro vira-lata marcando território.

Ou, quem sabe, na curva do caminho, esbarre num olhar mais atento, promissor até. Ou, ainda, um conhecido, de há muito, que inicia por um “oi” uma nova aproximação.

Melhor mesmo é caminhar de mãos dadas com aquele alguém. Outra possibilidade é, também, caminhar de mãos dadas com o vento. Ele poderá nos conduzir, mansamente, para a próxima curva do caminho onde nos aguarda a surpresa pelo inusitado: um tapete de flores onde nosso software vai colorir uma nova narrativa para mais um dia no parque.

Somos criaturas criadoras que percorrem caminhos diversos. Nossa origem, porém, é igual na essência.

E quando O VENTO transforma-se em música, como no vídeo abaixo, sua letra apenas confirma a origem que a nós todos une.







Os Monarcas – O Vento 









sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

VAI VALER A PENA? (versão muito pessoal dos fatos)




 
Num voo rasante, Harpia, ser alado, dono dos céus, pousou aqui. O lugar não era bem aquele que desejaria ter chegado. Houve, na verdade, um desvio da rota inicial. Desmotivado como andava, talvez tenha sido essa a desculpa para tanto erro. As ordens tinham sido dadas, mas a empreitada era grande demais para alguém tão dividido. Na realidade, não sabia bem quem era, nem qual seu futuro. Às vezes, via-se com asas. Em outras, com braços roliços, uma cabeleira longa e sedosa. A sensação era de estranheza. Mas, deixa pra lá. Ordens são ordens.

Soube, alguns milhões de anos depois, que pousara sobre uma árvore imensa. Hoje, até não lembra mais o nome. Um baobá ou, talvez, um cajueiro gigantesco: é o que parece.

Refeito do impacto sobre a galharada, percebe um farfalhar que se propaga, um quase rumor que vem debaixo. Escorrega até o chão e ouve, ou melhor, sente a presença de algo bem junto a si. É uma força que bem conhece. São murmúrios que inebriam, que entontecem. Já ouvira isso em outras paragens. Mas, aqui, parece diferente. E vem das profundezas dessa árvore gigantesca.

E qual sua surpresa, quando, sobre sua cabeça, vê outra cabeça enrodilhada no tronco da árvore. É um ser atento, estático, rasteiro. Divertido, porém.

Olhos nos olhos, acabam encontrando pontos em comum. Para tanto, nada melhor que uma boa conversa!

E como o tempo ainda não existia, o papo foi se estendendo. E a maior surpresa de Harpia foi que parte de sua incumbência, aqui, já estava resolvida. Aquela coisa viscosa e rasteira transformava-se, quando queria, em outra coisa completamente diferente de tudo que já vira. A cabeça era tão diferente da sua! Duas contas azuis brotavam da face, adornadas por cabelos infinitamente mais sedosos do que os seus. Tinham, como observou, coisas em comum. E, convenhamos, esse ser era muito lindo! Todo cheio de meneios, de trejeitos, de olhares. Harpia ficou maravilhado com tamanha formosura. Tinha descoberto, finalmente, para que lado pendia seu eu verdadeiro. Aquele ser estava reservado para ele, tinha certeza disso.

Afinal, metade da sua tarefa já estava realizada. Ele, Harpia, ser alado, não pretendia mais retornar aos céus. Encontrara aqui seu habitat. Depositava por aqui todas as suas esperanças.

Assim, Harpia, percebendo a transformação que se operava novamente naquele ser mimoso, suplicou ao ser rasteiro que ouvisse seu pedido. Sentia-se confortável com aquele ser a quem já chamava carinhosamente de Dite.

E, aos poucos, as coisas iam-se esclarecendo para Harpia.

Na realidade, Harpia chegara atrasado para cumprir a tarefa. Pois, por aqui, não era como nos céus por onde andava. Aqui era um pedaço do Universo, já resolvido. Nas profundezas dessa esfera gigantesca, já existia um ser capaz de gerar, de transformar, de recriar, com a sapiência necessária.

Esse amálgama, essa chama interior, que brotava das profundezas daquela árvore, continha o segredo da geração de tão belo ser, a quem Harpia já chamava de “minha deusa”.

Foi quando a mentora de tudo isso, a famosa Naja, começou a desconfiar das intenções de Harpia.

E, não foi por acaso, que, um dia, sabedora do desejo de Harpia de por aqui permanecer, começou a arquitetar um plano para afastá-lo. Mas a criatura bela, que de Naja surgia, vez por outra, acabou adotando parte de seus poderes, desligando-se, definitivamente, da origem.

Enciumada, frustrada e abandonada, Naja transformou Harpia num exemplar mal-acabado. Foi em represália à atitude da bela Dite. Ah! Esse era o nome carinhoso usado pelo já íntimo Harpia, que achava Afrodite, nome por inteiro, muito extenso e pouco melodioso.

Naja criou, então, um ser grotesco, insensível, até meio idiota. Vez por outra, nem cumpria bem seu papel. E a pobre Dite amargou pelos tempos afora essa escolha. Só de raiva, Naja criou também alguns tantos outros espécimes, que eram tão indecisos quanto Harpia fora no passado. Explico melhor: todos querendo possuir os dotes físicos da bela e ardilosa Dite, embora armados de ferramenta própria para o uso original.

Quanto a Harpia, de ser alado passou a ser um ente usado pela bela Dite. Mas, antes, Naja despejou sobre ele toda a sua ira, transformando-o naquele ser enganado, iludido, apenas um mortal: comedor de maçã.

Mas a fruta do pecado serviu para Naja manter-se poderosa, presente, detentora da chama interior, imortal.

Sua descendente Dite tornou-se, então, uma verdadeira mãezona, uma ÍSIS com letras maiúsculas. Epa! Uma perfeita miscigenação, para fins de ficção, entre a Grécia e o Egito. Mas, deixa pra lá!   

Agora, quando as Ísis precisam de ajuda, Naja está lá: firme, forte, presente, imortal.

Uma espécie de MÃE de todos, a famosa PAC. Aquela que é perfeita e pecadora, ardilosa e amorosa, capaz e consciente de seu poder.

Quer mais?

Para quem não sabe, lá vai... Harpia virou um insignificante Adão. Dite, por sua vez, transformou-se em Eva.

Pois esse casal, de coitados, só espera que a mãe de todos mantenha todas as bolsas miseráveis que pendem daquela frondosa árvore, que Naja teima em manipular.

Assim, só começando do zero novamente. Vai valer a pena?

É ruim, ehn?

Não dá mais pra segurar!



Agora, o que vale mesmo a pena é, aproveitando esse início de ano, renovar a nossa certeza de que quando Adão e Eva não se entendem, é melhor começar de novo, como diz a letra de conhecida música de Ivan Lins e Vitor Martins. É partir em busca de si e, quem sabe, ainda encontrar alguém para melhor conviver durante o restante dessa jornada.

ISSO, SEMPRE, VALERÁ A PENA.
 
 
 
 
Começar de Novo – Ivan Lins e Simone