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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

VAI VALER A PENA? (versão muito pessoal dos fatos)




 
Num voo rasante, Harpia, ser alado, dono dos céus, pousou aqui. O lugar não era bem aquele que desejaria ter chegado. Houve, na verdade, um desvio da rota inicial. Desmotivado como andava, talvez tenha sido essa a desculpa para tanto erro. As ordens tinham sido dadas, mas a empreitada era grande demais para alguém tão dividido. Na realidade, não sabia bem quem era, nem qual seu futuro. Às vezes, via-se com asas. Em outras, com braços roliços, uma cabeleira longa e sedosa. A sensação era de estranheza. Mas, deixa pra lá. Ordens são ordens.

Soube, alguns milhões de anos depois, que pousara sobre uma árvore imensa. Hoje, até não lembra mais o nome. Um baobá ou, talvez, um cajueiro gigantesco: é o que parece.

Refeito do impacto sobre a galharada, percebe um farfalhar que se propaga, um quase rumor que vem debaixo. Escorrega até o chão e ouve, ou melhor, sente a presença de algo bem junto a si. É uma força que bem conhece. São murmúrios que inebriam, que entontecem. Já ouvira isso em outras paragens. Mas, aqui, parece diferente. E vem das profundezas dessa árvore gigantesca.

E qual sua surpresa, quando, sobre sua cabeça, vê outra cabeça enrodilhada no tronco da árvore. É um ser atento, estático, rasteiro. Divertido, porém.

Olhos nos olhos, acabam encontrando pontos em comum. Para tanto, nada melhor que uma boa conversa!

E como o tempo ainda não existia, o papo foi se estendendo. E a maior surpresa de Harpia foi que parte de sua incumbência, aqui, já estava resolvida. Aquela coisa viscosa e rasteira transformava-se, quando queria, em outra coisa completamente diferente de tudo que já vira. A cabeça era tão diferente da sua! Duas contas azuis brotavam da face, adornadas por cabelos infinitamente mais sedosos do que os seus. Tinham, como observou, coisas em comum. E, convenhamos, esse ser era muito lindo! Todo cheio de meneios, de trejeitos, de olhares. Harpia ficou maravilhado com tamanha formosura. Tinha descoberto, finalmente, para que lado pendia seu eu verdadeiro. Aquele ser estava reservado para ele, tinha certeza disso.

Afinal, metade da sua tarefa já estava realizada. Ele, Harpia, ser alado, não pretendia mais retornar aos céus. Encontrara aqui seu habitat. Depositava por aqui todas as suas esperanças.

Assim, Harpia, percebendo a transformação que se operava novamente naquele ser mimoso, suplicou ao ser rasteiro que ouvisse seu pedido. Sentia-se confortável com aquele ser a quem já chamava carinhosamente de Dite.

E, aos poucos, as coisas iam-se esclarecendo para Harpia.

Na realidade, Harpia chegara atrasado para cumprir a tarefa. Pois, por aqui, não era como nos céus por onde andava. Aqui era um pedaço do Universo, já resolvido. Nas profundezas dessa esfera gigantesca, já existia um ser capaz de gerar, de transformar, de recriar, com a sapiência necessária.

Esse amálgama, essa chama interior, que brotava das profundezas daquela árvore, continha o segredo da geração de tão belo ser, a quem Harpia já chamava de “minha deusa”.

Foi quando a mentora de tudo isso, a famosa Naja, começou a desconfiar das intenções de Harpia.

E, não foi por acaso, que, um dia, sabedora do desejo de Harpia de por aqui permanecer, começou a arquitetar um plano para afastá-lo. Mas a criatura bela, que de Naja surgia, vez por outra, acabou adotando parte de seus poderes, desligando-se, definitivamente, da origem.

Enciumada, frustrada e abandonada, Naja transformou Harpia num exemplar mal-acabado. Foi em represália à atitude da bela Dite. Ah! Esse era o nome carinhoso usado pelo já íntimo Harpia, que achava Afrodite, nome por inteiro, muito extenso e pouco melodioso.

Naja criou, então, um ser grotesco, insensível, até meio idiota. Vez por outra, nem cumpria bem seu papel. E a pobre Dite amargou pelos tempos afora essa escolha. Só de raiva, Naja criou também alguns tantos outros espécimes, que eram tão indecisos quanto Harpia fora no passado. Explico melhor: todos querendo possuir os dotes físicos da bela e ardilosa Dite, embora armados de ferramenta própria para o uso original.

Quanto a Harpia, de ser alado passou a ser um ente usado pela bela Dite. Mas, antes, Naja despejou sobre ele toda a sua ira, transformando-o naquele ser enganado, iludido, apenas um mortal: comedor de maçã.

Mas a fruta do pecado serviu para Naja manter-se poderosa, presente, detentora da chama interior, imortal.

Sua descendente Dite tornou-se, então, uma verdadeira mãezona, uma ÍSIS com letras maiúsculas. Epa! Uma perfeita miscigenação, para fins de ficção, entre a Grécia e o Egito. Mas, deixa pra lá!   

Agora, quando as Ísis precisam de ajuda, Naja está lá: firme, forte, presente, imortal.

Uma espécie de MÃE de todos, a famosa PAC. Aquela que é perfeita e pecadora, ardilosa e amorosa, capaz e consciente de seu poder.

Quer mais?

Para quem não sabe, lá vai... Harpia virou um insignificante Adão. Dite, por sua vez, transformou-se em Eva.

Pois esse casal, de coitados, só espera que a mãe de todos mantenha todas as bolsas miseráveis que pendem daquela frondosa árvore, que Naja teima em manipular.

Assim, só começando do zero novamente. Vai valer a pena?

É ruim, ehn?

Não dá mais pra segurar!



Agora, o que vale mesmo a pena é, aproveitando esse início de ano, renovar a nossa certeza de que quando Adão e Eva não se entendem, é melhor começar de novo, como diz a letra de conhecida música de Ivan Lins e Vitor Martins. É partir em busca de si e, quem sabe, ainda encontrar alguém para melhor conviver durante o restante dessa jornada.

ISSO, SEMPRE, VALERÁ A PENA.
 
 
 
 
Começar de Novo – Ivan Lins e Simone
 
 
 
 
 
 

domingo, 28 de julho de 2013

DE SURPRESAS


O ouro pela prata, a cadeira suntuosa por uma mais simples, o carro blindado pelo abraço direto, menos discursos longos e mais frases curtas, concisas, diretas, mas não desprovidas de profundo significado e de um chamamento direto aos corações de milhões de pessoas que o acompanharam nessa 28ª Jornada Mundial da Juventude. Jornada essa que acolheu uma soma inimaginável de pessoas presentes ao evento e de outros tantos milhões que assistiram, pela televisão, às etapas que se sucederam durante a semana transcorrida na cidade do Rio de Janeiro.

E tudo começou com uma chuva mansa, criadeira, que se estendeu por um tempo, ressurgindo, ao final, o Sol, com cor e luz suficientes, para fazer as sementes relançadas nesse campo de fé, faminto, um bom motivo para renovarem-se. Estavam elas a necessitar de um novo alento, uma espécie de adubo. E tudo isso no meio de comunidades tão diversas, mas também tão iguais na essência que as originou: o amor de Cristo.


E do campo já fertilizado passou-se ao pasto aonde os nossos pastores conduzirão os rebanhos, não se importando com o cheiro das ovelhas, misturando-se a elas, numa alusão clara da necessidade de os clérigos saírem das sacristias para as ruas.

E de igual sorte, que todos, especialmente os jovens, saiam às ruas, quando manifestações ordeiras, de insatisfação, se fizerem necessárias. Ouvir-se-á o brado de quem será o braço trabalhador que, logo ali adiante, sustentará a nação e suas instituições. Não menos importante será o grito daquele que já não se pode levantar mais, bem como o daquele outro que ainda dá os primeiros passos.

Esses últimos foram, insistentemente, relembrados pelo Papa Francisco.

Numa sociedade economicista, palavras dele, há o descarte dos que não produzem, a saber: os muitos jovens e os idosos.

Esquece-se de que os muito jovens são o futuro, são a esperança de contínuo desenvolvimento de uma sociedade, de uma nação. E de que aos velhos cabe transmitir a experiência de quem já viveu etapas de vida, cujos ensinamentos não se tornam obsoletos, porque tratam não da moderna tecnologia, mas de condutas humanas que de vem ainda continuar repousando em valores éticos, morais e sociais. Ainda vigoram o escutar, o dar os meios e o cuidar desses mais jovens, para que não sejam manipulados. 
Numa alusão à Torre de Babel, narração bíblica de um reino no qual os homens importavam-se mais com a queda de um tijolo, o que era uma catástrofe, do que com a queda de um homem, o Papa desenvolve o pensamento seguinte.
Reportando-se aos dias atuais, disse o Papa, comparando ao que ocorria naqueles idos, quando, hoje, baixam três ou quatro pontos na Bolsa: isso vira notícia. Agora, os milhões de famintos, aqueles que têm sede, aqueles que não têm moradia, nem educação ou saúde adequada: isso não gera notícia de impacto. Quando muito, digo eu, é notícia no meio de outras tantas.

Surpresas que se foram somando como a de carregar a sua própria valise para aonde vai. E por que não?

Ou a de optar por residir na Residência de Santa Marta e não no Palácio Apostólico, também conhecido como Palácio do Vaticano, local onde viveria solitariamente. Como afirmou, é preferível estar cercado por pessoas, almoçar junto a clérigos, bispos e leigos que lá se hospedam, do que comprometer a sua higidez psíquica: ele que é um comunicador, em essência.

Prega a cultura do encontro entre as religiões, mantendo com o rabino Skorka antiga e sólida amizade. Por saber que, ao final, todos os caminhos levam ao Altíssimo, seja qual nome tenha. E quem nos confere equilíbrio entre o ser e o ter, higidez física e mental é, sem dúvida, o ser Criador de todas as coisas.

Essa cultura do encontro repousa na aproximação de pessoas de diversos credos, de etnias diversas, de diversos matizes de pensamento, bem como de diversos tempos de civilização. Tudo devendo concretizar-se num cotidiano pacífico, respeitadas as diferenças. Perpassando sempre o acolhimento, pois, não sendo assim, a exclusão é inevitável. E será danosa a todos os envolvidos. O diálogo, portanto, é essencial. Sabe-se da importância da inclusão digital e de seu uso ético, porém nada substituirá o contato humano.

Surpreendente, igualmente, a vitalidade do Papa Francisco que, com 76 anos, cumpriu de forma irreparável uma maratona de compromissos, sempre com uma expressão de alegria e espontaneidade constantes, guardando o semblante de reserva e meditação quando o momento assim exigia. Um autêntico representante da Companhia de Jesus que, só agora após 400 anos de existência, faz um Papa que, também, é o 1º latino-americano a ocupar o pontificado.

Um homem do povo, torcedor do San Lorenzo, clube de futebol fundado em 1908, no bairro de Almagro, em Buenos Aires, apreciador de chimarrão e um educador aos moldes dos padres jesuítas, pois foi mestre de noviços.

Na Missa do Envio, último compromisso junto aos fiéis, conclama os jovens a irem, sem medo, servir, conforme lição de Santo Inácio de Loyola. Aquele que evangeliza, recebe evangelização, assim como quem transmite alegria, torna-se mais alegre. Com entusiasmo e criatividade tudo é possível. A Jornada Mundial da Juventude, criada por João Paulo II, cujo lema é “Ide e fazei discípulos entre as nações”, ao que parece, motivou os milhões de pessoas que a ela assistiram.

Pelos depoimentos posteriores ao evento, acredita-se que a saudade a que o Papa referiu-se seja recíproca.

O pedido do Papa Francisco, de que rezem por ele, ressoou profundamente na alma do povo brasileiro que, como se sabe, transita muito bem com o Altíssimo, pois é sua imagem e semelhança. Permanecerá, com certeza, a postos para qualquer dificuldade com que o Papa se defronte.

E, qualquer coisa, já sabe, as porteiras desses pagos estarão abertas.

Venha, Papa Francisco, matear com a gauchada.

Porque lhe digo:

Aqui, de medo ninguém vive, tchê.
Hino Oficial JMJ Rio 2013 – “Esperança do Amanhecer”

quinta-feira, 20 de junho de 2013

UTOPIA OU NECESSIDADE?

Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, quando de sua participação no Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, em 2005, exaltou os ideais de Don Quixote, utópicos, embora não desprovidos de possível concretização. E só isso já valeria a luta.
Na oportunidade, houve quem discordasse veementemente do discurso da utopia como impulsionadora de transformação de um mundo tão desigual.
José Saramago, mais precisamente, foi quem fez críticas a essa visão puramente idealista a ser alcançada. Algo que é latente no pensamento de muitos, mas que não resolve as grandes questões. Trouxe, à época, como única solução para os problemas que a sociedade enfrenta: a existência da necessidade. É a necessidade que nos impulsiona, através do trabalho e dedicação, a transformar as bases de uma sociedade.
Eu diria que, antes, devemos ter uma conscientização fundamentada em uma Educação de conteúdo crítico e não meramente próxima da cartilha apenas alfabetizadora.
Já Eduardo Galeano, escritor uruguaio, por demais conhecido nosso, presente ao evento, afirmou que “a utopia serve para caminhar”, definição essa expressa por Fernando Birri, diretor de cinema argentino, seu amigo, e adotada por ele, conforme relata em vídeo abaixo transcrito.
Acredito que ambas as expressões, utopia e necessidade, e seus significados caminham juntos.
A necessidade funcionará como gatilho para a tomada de atitudes. Se preponderar a inércia, que por si só é uma tomada de atitude, ausente estará a utopia. Aqui, encontra-se a diferença: a utopia estará presente para aquele que decide agir. A esperança de possibilidade de mudança é que caracteriza a utopia. É ela que impulsiona o caminhar. O que ocorrer, a partir desse movimento, será ditado pelas condições e circunstâncias do meio, sinalizando os possíveis passos seguintes.
Aliás, o termo utopia foi usado por Thomas More, em seu livro homônimo, escrito em latim (1515-1516), traduzido para o inglês em 1551, onde idealiza um país imaginário, no qual o povo é subordinado a um governo justo e igualitário, desfrutando de uma vida feliz e equilibrada. Uma concepção imaginária de um governo ideal que acolheria a todos, independentemente de crenças. E olhem que interessante! Excetuava os que negassem a existência de Deus e a imortalidade da alma, pois estes, segundo More, não seriam dignos de viver em um Estado perfeito.
Coitados dos ateus! Estavam ferrados naquele país imaginário.
A palavra utopia, de origem grega, é composta a partir de duas palavras: eutopia, ou seja, “lugar bom”, e outopia, que significa “em lugar nenhum”. É, portanto, um lugar imaginário, que não se sabe bem aonde é, mas acredita-se que lá seja um lugar bom, provavelmente, melhor do que aqui.
Que bom que ainda haja pessoas a acreditar que se pode mudar alguma coisa. Tanto em nossa pequena aldeia, quanto em outras tantas mundo afora.
Quantos milhões de carentes andam a arrastar-se pelo lixo!
Quantos milhões a protestar por direitos e garantias a eles sonegados!
Quantos milhões a protestar pela sanha arrecadatória de seus poucos haveres!
Quantos milhões a assistir, ao longo do tempo, a apropriação indébita de suas parcas aposentadorias!

As necessidades estão aí presentes. A indignação, também.
 

Segundo Saramago, “o que transforma o mundo não é a utopia, mas a necessidade”.
 

Isso é verdadeiro, em parte. Mas o que impulsiona a necessidade é a esperança de mudança que repousa na utopia e que serve exatamente para isso: para que haja movimento, para que se perpetue esse caminhar, pois sempre haverá o que buscar.
 

Segundo Edgar Morin, sociólogo e filósofo francês, a vida só é suportável se nela for introduzida não apenas a utopia, mas a poesia, ou seja, a intensidade, a festa, a alegria, a comunhão, a felicidade e o amor. Há o êxtase histórico, que é um êxtase amoroso coletivo.

Acredito que estamos iniciando uma jornada.
 

Com certeza, Necessidade e Utopia caminham juntas: se complementam.

 

Eduardo Galeano – El Derecho Al Delirio 
Gil, utópico - Breve entrevista

Manuel Bandeira – o Poeta e a Utopia
Novo Tempo – Ivan Lins