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domingo, 18 de outubro de 2015

PELA VITRINE

Como sempre faço, paro junto à vitrine daquela joalheria. De vez em quando, passo por ali. E o olhar, invariavelmente, pousa sobre as joias expostas. É muito brilho, muito ouro, muita beleza: tudo junto. Um dia, ainda vou ter uma dessas...

Pela vitrine espelhada bato os olhos naquela dupla, minha conhecida. Sentadas em um banco, estão já se aprontando para iniciar a caminhada por todo o shopping. São idas e vindas que se estendem por aproximadamente uma hora. Há tempos atrás, a imagem captada por mim, que virou um conto, era assim:


O passo de uma é vacilante. O corpo, perigosamente, inclinado para frente. Quem a acompanha é miúda, magra, e adota o mesmo estilo inclinado, só que ao contrário, pra trás, para compensar. Mãos, também pequenas, que levantam, com um leve toque, um rosto que pende, teimosamente, para baixo. E lá vão elas... É, com certeza, um grande esforço para ambas. Nunca as vi conversando. 


Houve época em que as encontrava caminhando por uma rua próxima. Também silentes, mas em meio, muitas vezes, ao ruído saudável de pingos de chuva sobre os telhados ou por entre raios de sol. Por vezes, debaixo do canto de variados passarinhos e de barulhentos papagaios.

Não sei por que não as vejo mais por lá. Trocaram de endereço.

Imaginava, como imagino ainda agora ao vê-las pela vitrine que, pela antiga rua, poderiam, quem sabe, trocar palavras, não apenas olhares. O brilho no olhar da mais velha, antes, existia. Hoje, não o vejo mais. Acompanho a dupla há algum tempo.

Antes, quando as via passar, observava o desvelo com que a mais jovem cuidava da mais velha, carregando-a com seu braço. Era uma dupla que se entendia pelos olhares, pelos gestos, pela aproximação, pelo afeto. Aquela rua era o lugar por onde ambas celebravam, diariamente, a existência, a solidariedade, a troca mútua, embora silenciosa.

Hoje, quando passo pela joalheria, vejo a mais jovem dispersa em pensamentos em frente àquela vitrine que me encanta. É como se as vitrines, todas, precisassem do olhar e da atenção da mais jovem. A mais idosa é como um estorvo ao lado da guardiã. A cabeça pendente não mais levanta. E o olhar? Perdido está no belo ladrilho do shopping. Estão juntas sem estar. Estão próximas como imagem. Estão no mesmo espaço, mas não mais no mesmo lugar. Seus olhares não se visitam mais.

E aqueles jacarandás, que se iluminavam ao vê-las passar, buscam outros passantes que ainda celebrem a felicidade de ser com o outro, de não ser sozinho com outros.

Afasto-me, pois lá vêm elas em direção à vitrine iluminada. É como se viessem beber da luz que se espraia daquela vitrine.

Sigo eu com a sensação de que estamos no mesmo barco, meio que à deriva, limitados ao que os nossos olhos acreditam enxergar como realidade.

Esboço um sorriso virtual e me perco pelo burburinho. Este, real. É o que imagino enxergar.

Será que também este é virtual?

Decididamente, anda tudo muito irreal...



Aliás, nas VITRINES de Chico Buarque, parte da letra poética diz que:



E, mais adiante, mistura nossos “eus” ao poetar:




Confesso que torço para que elas voltem a circular por entre os jacarandás. Mesmo em dias de chuva mansa, poças d’água serviam de espelho a refletir o caminhar vagaroso, o semblante ainda esperançoso. Torço para que a vitrine que as acolha seja de outra espécie. Aquela espécie que nos identifica no olhar do outro, aquela que nos torna menos virtuais e mais reais.



Que sejam um clarão de luz própria: é o que desejo.






Chico Buarque - As Vitrines







quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

TEM QUE SER POSSÍVEL

Nunca o volume foi tão intenso e danoso quanto nos últimos tempos. A quantia de desastres naturais ou aqueles ocasionados pelo próprio homem é alarmante. Embora com a ciência e a tecnologia ao nosso lado, produtos da especialização humana, parece que estamos ainda deficitários no nosso viver diário. De ambas auferimos maior comodidade, mas não o aumento da sensibilidade. A impressão que fica é que o nosso físico beneficiou-se, mas o espírito está cada vez mais perdido. E somos especialíssimos, pois dispomos de algo que fala mais forte: os sentimentos. E é na parte incorpórea ou sensível do ser humano, o nosso espírito, o lugar onde eles repousam.

Os sentimentos, por sua vez, valem-se dos sentidos para expressarem-se. O que estará acontecendo então com os sentimentos?

Os sentidos, pelo que se tem notícia, estão cada vez mais aguçados. A resposta, porém, dada por eles está diminuída de sentimentos.

Estará nosso espírito, então, diminuindo de importância frente ao físico?

Não, claro que não!

O espírito faz parte da criação de algo maior, que transcende a nossa própria origem. Portanto, parece ser eterno.

Diante desta constatação, acredito ser possível alterar o padrão negativo que solapa nossos melhores sentimentos. 

Aos milhões e milhões de seres que se veem constrangidos pelas barbáries, atrocidades, cataclismos, devastações, promovidos pela banda podre da humanidade e pelo grito da natureza, resta adotar uma postura fraterna e de cooperação desinteressada que se espalhe como círculos concêntricos, tal qual aquela pedra jogada na água, gerando ações positivas num mar de ações deletérias. Tudo para que se quebre o padrão negativo que nos assola já há algum tempo.

Está na hora de homens e mulheres voltarem a ser mais sensíveis. 

Não se está a falar aqui daquelas emoções da montanha-russa, despencando, ou do jogar-se do penhasco abaixo seguro por uma corda. Estas são as emoções-choque na classificação de Michel Lacroix, reconhecido filósofo francês.

Fala-se aqui da emoção-contemplação que, por conseguinte, cria em nós, segundo ainda o filósofo, a capacidade de usufruir o sabor do mundo. Enquanto a primeira, a emoção-choque, nos ajuda a sobreviver no mundo, ligando-se ao corpo em ação, a segunda liga-se ao coração receptivo.



E é exatamente esta emoção, ligada ao sentimento, que estamos perdendo. Nos últimos tempos, tem havido uma exacerbação da primeira, a emoção-choque, demonstrando, no meu entender, um retrocesso na evolução da espécie. Convenhamos que a sobrevivência, no início dos tempos, era pura emoção-choque, conforme classificação exposta.

Será que evoluímos?

Claro que sim.

Caberá a nós, seres pensantes, dosar melhor os avanços que a tecnologia nos trouxe. Ela veio para nos ajudar, para nos conectar com mais facilidade. Nada, porém, que passe pela possibilidade de que tal melhoria substitua o sentimento que se extrai de um olhar, ao vivo e em cores.

Se o mundo das notícias, por exemplo, carrega nas cenas de destruição, nós, no universo que nos cerca, por autossobrevivência, temos que recorrer a uma emoção-contemplação, como antídoto. Pousar o olhar sobre um pé de jacarandá florido, escutar a chuva batendo no telhado, trocar balbucios com o pequenino que nos acena quando cruzamos próximo, sentir a grama sob os pés, mesmo estando calçado, pois o caminhar torna-se fofo e por aí afora... Oferecer aos nossos sentidos aquilo que despertará nossos melhores sentimentos, nossas melhores emoções.

Agora, extrair da cena abaixo valores, que nos classifiquem como espécie humana evoluída, está cada vez mais difícil.

“Num automóvel, o motorista e mais dois ocupantes, todos no celular, estão conectados ao mundo, mas não entre si.” 

“Eventualmente, dois dos ocupantes balbuciam algo entre si.” 

“Nada mais do que isto.”

“O motorista, a cada sinaleira em vermelho, digita algo no celular.”

“Não há entre os ocupantes conversa alguma.”

“Os olhares dos dois ocupantes concentram-se nas telas e o motorista no trânsito, quando o carro está em movimento.”


Pois é! Por enquanto, pois em breve os carros não precisarão de motoristas. É o que preconiza a robótica para os próximos anos.

O que Nicholas Carr discorre no seu livro A Geração Superficial – O que a Internet está fazendo com os nossos cérebros – vale uma leitura.

No mundo de 2001, imaginado por Stanley Kubrick, a mensagem final aponta para uma máquina como sendo uma personagem humana. E se nossa dependência para a compreensão do mundo for mediada por uma máquina, então nos tornaremos seres com inteligência artificial.

Isto até pode acontecer.

Agora, ser inteligente é uma coisa. Ser sensível, ter sentimentos é outra. Estaremos realizando tarefas com eficiência robótica, destituídos totalmente de emoções, de sentimentos. Seremos robôs de carne e osso.

Confesso que isto é alarmante. Quero crer, porém, que ainda é possível mudarmos o padrão com equilíbrio, discernimento e muita sensibilidade para temperar tudo, qualidades que os robôs, acredito, nunca possuirão.

É preciso acordar. Isto tem que ser possível.



Por ora, melhor é desembarcarmos do tal automóvel. Pegar a cuia de chimarrão e ir matear com os vizinhos do edifício em frente. Todos sentados, comodamente, em bancos no meio do jardim. E olha que não são apenas os aposentados que frequentam tais bancos. Há quem, depois do trabalho, jogue conversa fora nos mesmo bancos, com ou sem chimarrão. Claro, com o celular no bolso, pois vá que alguém ligue. E esta é a sua função principal.

Agora, posso afiançar que ninguém permanece falando ao celular, sentado no banco. Sou olheira! Ali, o papo e o olho no olho são as coisas preferidas.



O pequeno poema O ENCONTRO, de Mário Quintana, dá uma visão da importância do olhar.




Pablo Neruda, por sua vez, versejou, de forma apaixonada, a importância de um olhar. Vejamos: 



Ou, quem sabe, ESSE SEU OLHAR, composição de Antônio Carlos Jobim, nos convença de que os olhares trocados entre dois seres humanos, que já, muitas vezes, são difíceis de serem entendidos, conforme a letra do festejado autor, jamais poderão ser substituídos, com êxito, por qualquer olho robótico. Nem mesmo por olhos humanos via skype. JAMAIS!

E se ainda o leitor não estiver convencido, acompanhe a letra de PELA LUZ DOS OLHOS TEUS, composição de Vinícius de Moraes e Toquinho, para definitivamente esquecer os robôs. Eles jamais poderão cumprir a importante missão de amar. Nem mesmo pelo olhar.




Esse Seu Olhar – Antônio Carlos Jobim/Kamille Carvalho Huebner(intérprete) e Cadú Carvalho (violão)


Pela Luz Dos Olhos Teus – Vinícius de Moraes e Toquinho/Tom Jobim e Miúcha(intérpretes)







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Amelia Mari Passos: Água.Lava.Leva.Limpa.Querida Soninha Athayde Gosto muito de seu trabalho. Sinto-me honrada em ser tua leitora.Perfeita harmonia.Tuas palavras, poesias e a tão linda canção inesquecivel canção.Um abraço com carinho.Obrigada.