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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

OLHARES ILUMINADOS


Com olhos curiosos, que buscavam os movimentos constantes das nuvens, aquela menininha já se interessava por imagens que se desenhavam no céu de sua infância.


Na verdade, a visão do céu, de dia ou à noite, sempre revelou uma beleza ímpar àqueles olhos infantis.

Cenas propícias a uma imaginação que se alimentava de movimentos serenos e calmos de nuvens que seguiam, pouco a pouco, para não sei onde.

À noite, porém, sucediam-se momentos em que as estrelas, partícipes deste céu noturno, mostravam-se firmes, resplandecentes, sem o navegar das nuvens, mas com o brilho que tornava o olhar infantil bastante surpreso.

Por que algumas se aglomeravam e outras não?

Na sua ingenuidade, imaginava que aquelas tivessem brigado com estas outras agrupadas.

Reconhece, hoje, que todas elas serviram para que a imaginação fosse abastecida por perguntas, ainda sem respostas, que fizeram nascer uma capacidade de reflexão.

Um pouco mais tarde, descendo o olhar do céu para a terra, o que assistia na televisão eram filmes em que cenas violentas não existiam. Talvez, porque cenas desse tipo, à época, existissem em um número reduzido na sociedade.

Hoje, o nosso dia a dia é pautado por cenas violentas repassadas, exaustivamente, a um público que parece precisar rever, por incansáveis vezes, as mesmas cenas.

Um olhar infantil, nos tempos atuais, pousará em uma nuvem, ou na joaninha que se perdeu da planta, ou na formiga que carrega o alimento para a sua toca?

Será que uma máquina, que traz cenas com respostas já elaboradas e direcionadas, será capaz de possibilitar momentos em que o pensamento, próprio desse pequeno ser, possa dar asas a sua imaginação, preparando-o para um futuro ser pensante?

Sem querer, absolutamente, menosprezar a evolução tecnológica que nos cerca, e da qual necessitamos, mas os primeiros anos de uma vida devem ser resguardados para que o desenvolvimento do “pequeno ser” seja conectado com a natureza, com o ambiente que o cerca, com o outro ser, igual a si, que lhe serve de espelho, de fonte de afeto e de referência pelos valores que lhe podem ser repassados.

Seres humanos sempre serão seus pares pela vida afora.

Tudo em prol de que se consiga manter os olhos iluminados por imagens benéficas, que nos envolvam, tornando nossos dias mais amenos e nos capacitando a fazer escolhas de imagens livres de violência, repetidamente, veiculadas.

E como exemplo dessa possibilidade de que nos mantenhamos com o brilho do olhar sempre a nos maravilhar, segue um poema dedicado à neta Nicole.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 18 de outubro de 2015

PELA VITRINE

Como sempre faço, paro junto à vitrine daquela joalheria. De vez em quando, passo por ali. E o olhar, invariavelmente, pousa sobre as joias expostas. É muito brilho, muito ouro, muita beleza: tudo junto. Um dia, ainda vou ter uma dessas...

Pela vitrine espelhada bato os olhos naquela dupla, minha conhecida. Sentadas em um banco, estão já se aprontando para iniciar a caminhada por todo o shopping. São idas e vindas que se estendem por aproximadamente uma hora. Há tempos atrás, a imagem captada por mim, que virou um conto, era assim:


O passo de uma é vacilante. O corpo, perigosamente, inclinado para frente. Quem a acompanha é miúda, magra, e adota o mesmo estilo inclinado, só que ao contrário, pra trás, para compensar. Mãos, também pequenas, que levantam, com um leve toque, um rosto que pende, teimosamente, para baixo. E lá vão elas... É, com certeza, um grande esforço para ambas. Nunca as vi conversando. 


Houve época em que as encontrava caminhando por uma rua próxima. Também silentes, mas em meio, muitas vezes, ao ruído saudável de pingos de chuva sobre os telhados ou por entre raios de sol. Por vezes, debaixo do canto de variados passarinhos e de barulhentos papagaios.

Não sei por que não as vejo mais por lá. Trocaram de endereço.

Imaginava, como imagino ainda agora ao vê-las pela vitrine que, pela antiga rua, poderiam, quem sabe, trocar palavras, não apenas olhares. O brilho no olhar da mais velha, antes, existia. Hoje, não o vejo mais. Acompanho a dupla há algum tempo.

Antes, quando as via passar, observava o desvelo com que a mais jovem cuidava da mais velha, carregando-a com seu braço. Era uma dupla que se entendia pelos olhares, pelos gestos, pela aproximação, pelo afeto. Aquela rua era o lugar por onde ambas celebravam, diariamente, a existência, a solidariedade, a troca mútua, embora silenciosa.

Hoje, quando passo pela joalheria, vejo a mais jovem dispersa em pensamentos em frente àquela vitrine que me encanta. É como se as vitrines, todas, precisassem do olhar e da atenção da mais jovem. A mais idosa é como um estorvo ao lado da guardiã. A cabeça pendente não mais levanta. E o olhar? Perdido está no belo ladrilho do shopping. Estão juntas sem estar. Estão próximas como imagem. Estão no mesmo espaço, mas não mais no mesmo lugar. Seus olhares não se visitam mais.

E aqueles jacarandás, que se iluminavam ao vê-las passar, buscam outros passantes que ainda celebrem a felicidade de ser com o outro, de não ser sozinho com outros.

Afasto-me, pois lá vêm elas em direção à vitrine iluminada. É como se viessem beber da luz que se espraia daquela vitrine.

Sigo eu com a sensação de que estamos no mesmo barco, meio que à deriva, limitados ao que os nossos olhos acreditam enxergar como realidade.

Esboço um sorriso virtual e me perco pelo burburinho. Este, real. É o que imagino enxergar.

Será que também este é virtual?

Decididamente, anda tudo muito irreal...



Aliás, nas VITRINES de Chico Buarque, parte da letra poética diz que:



E, mais adiante, mistura nossos “eus” ao poetar:




Confesso que torço para que elas voltem a circular por entre os jacarandás. Mesmo em dias de chuva mansa, poças d’água serviam de espelho a refletir o caminhar vagaroso, o semblante ainda esperançoso. Torço para que a vitrine que as acolha seja de outra espécie. Aquela espécie que nos identifica no olhar do outro, aquela que nos torna menos virtuais e mais reais.



Que sejam um clarão de luz própria: é o que desejo.






Chico Buarque - As Vitrines







domingo, 8 de março de 2015

ATÉ QUANDO?

A cena que segue existiu e é recente. Acabou virando um conto. 

VIAGEM SEM VOLTA é um alerta àquelas mulheres que buscam o convívio como prazer em encontros fortuitos com outras mulheres em igual situação existencial, de pura carência afetiva. É tão absurda esta constatação que parece ficção. A luta pela própria identidade é ainda anterior ao alcance de níveis educacionais satisfatórios, às oportunidades de trabalho em postos de direção, bem como à igualdade de remuneração salarial com os trabalhadores homens.

A cena abaixo descrita é a realidade transformada em ficção. Aliás, a ficção tem um pé, às vezes dois, na realidade que nos cerca.

Então, vamos lá!



Chegam devagar. O banco, vazio, os recebe. Lado a lado, acomodam-se. Não se falam. Ele, olhar perdido, é um estranho ao lado da companheira. Nada parece interessar. Ela, vez por outra, fala algo.

Que pena! Não dá pra ouvir. Do banco ao lado, Helena observa o casal. Têm aproximadamente a mesma idade. São diferentes, porém. No olhar feminino há mais luz, mais brilho, mais vida. Acompanha com visível interesse o entorno. O rapaz que panfleta alcança um pedaço de papel colorido com alguma propaganda. Ela, habilidosa, de imediato vai construindo um barquinho. Um barquinho de papel, aprendido na infância. Timidamente, mostra ao companheiro. Ele olha com olhos de absoluta indiferença. Ela, por sua vez, fala palavras que se perdem por entre as árvores da praça onde se encontram. 

Que lástima não poder ouvir! Helena fica a conjecturar sobre pensamentos e sentimentos transbordantes daquela cena. Com certeza, haverá tantas coisas pra falar. Tanta vida! Helena navega mais além e imagina que aquela senhora acostumou-se a sentir prazer em doses esporádicas. Lembra-se de si própria quando regava as plantas, que se espalhavam pelo apartamento, encontrando nisso única fonte de prazer: o prazer do encontro com o outro. Não importando que o outro fosse uma planta ou, como agora, um barquinho de papel. 

Com esses pensamentos, Helena vê aproximar-se outro casal de idades aproximadas.

A mulher adianta-se e vem cumprimentar a conhecida: aquela do barquinho. O homem, por seu turno, mantém-se à distância. Depois, muito lentamente, aproxima-se. As mulheres, a esta altura, já conversam animadamente. Parecendo sentir-se obrigado, o recém-chegado cumprimenta com a cabeça e troca umas poucas palavras com o cidadão: aquele do olhar perdido.



Helena observa o entusiasmo com que as duas mulheres conversam. Parecem sugar uma da outra toda a seiva de que ainda dispõem. Parecem alimentar-se de “pura vida”. É comovente observar-se esse esforço mútuo.



Porém, aproxima-se o companheiro da “loquaz visitante” e sinaliza o fim do encontro: com um olhar e um toque no braço.

Visivelmente contrariada, a mulher encerra a conversa. Lança, ainda, um muxoxo para a amiga, que sorri. Que vontade de “quero mais”!

Ele, afastando-se, encara a mulher que, prontamente, despede-se e o acompanha. E lá se vão... Lado a lado, mudos.

No banco da praça, o barquinho, nas já enrugadas mãos, permanece. Com carinho, a senhora completa a última dobra.

Em frente, no laguinho, outro barquinho navega: daqui pra lá, de lá pra cá. Vai e volta...

Que pena! Esse não navega mais. Atracou no banco. Sucata virou.

Helena observa o casal que se levanta. Por sua vez, acredita que ainda haja tempo e força para lançar o seu próprio barco e virar timoneira.

O sino da igreja próxima desperta Helena para o instante que se foi.

Do seu banco, ainda enxerga o barquinho de papel. Resta caído no chão, levado pelo vento.

Não há mais tempo. Eis o retrato de uma viagem sem volta.

Que pena! 



Que sejam cada vez mais raras, pelo menos em nosso meio, as cenas reveladoras da sujeição evidente que reconhecemos em tantas situações do nosso cotidiano, bem como os maus tratos e agressões costumeiramente noticiadas.

Lutemos para que o ser capaz de gerar seja um ser liberto, com identidade própria e com liberdade necessária para amar e ser amada.

Que o poema abaixo sirva de alerta para “essa coisa de marcar” que só ao gado é imposto.

Dia 8 de março: um dia de ALERTA.







Mujer Coraje – Ivan Lins 









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Comentários via Facebook:

Rosane Luft: Legal , muito bom.

Amelia Mari Passos: " Lutemos para que o ser capaz de gerar seja um ser liberto, com identidade própria e com liberdade necessária para amar e ser amada.Soninha Athayde" Minha flor gosto de tua sincerida e Coragem! Recebe meu abraço.


quarta-feira, 11 de junho de 2014

NO CLIMA...


O olhar de Celinha é de quem a tudo entende e de tudo participa. Pequeno, mais na retaguarda, observa de longe, geralmente. Nada como fazer parte daquela vida tão atribulada.
Quem diria que Rô se completa, de verdade, quando abre a porta e dá de cara com aqueles dois pares de olhos à espera não se sabe bem do que. Bem, à espera de amor, atenção, afeto, carinho e outros que tais.

Rô, diga-se de passagem, não é exatamente assim tão dócil, tão afável, com os de sua espécie. Mas com eles! Sabe como cativá-los, atraí-los, chamá-los! E tem, da mesma forma, essa atenção retribuída. Um quase “namoro” diário, diria. 

Aliás, palavra essa que, já dicionarizada, data de 1881, sendo “namorada”, ainda antes registrada, em 1813. A primeira no Dicionário Caldas Aulete, 1ª edição, e a segunda no dicionário Morais, 2ª edição. Namorar não é somente inspirar amor ou apaixonar-se. É, bem antes, cativar, atrair, chamar a atenção, encantar-se.



O cessar do barulho de água do chuveiro prenuncia a hora da janta. Que hora tão feliz para os três!

Depois, uma breve olhada sobre aquilo que aconteceu pelo mundo e que, com certeza, não interessa àqueles que se enrodilham aos pés da já sonolenta assistente, Rô. Assiste à televisão, naquela hora, por hábito e por, até certo ponto, dever de ofício.

Ao deitar, porém, é que o namoro completa-se. Tudo aos moldes modernos. Os tempos são outros, caros leitores. Com certeza, depois de abraços, beijinhos e carinhos sem ter fim, conforme letra de Vinicius de Moraes, na música Chega de Saudade, de Antonio Carlos Jobim, a despedida dos enamorados à porta da casa da escolhida não se seguirá. Isso é coisa do século passado. Bem passado! 

Agora, antes de Rô deitar-se, lá já estão Celinha e Pequeno acomodados. Estabelece-se, então, sem querer ser vulgar, nem escandalizar, uma espécie de ménage à trois, numa versão puramente afetiva, desvestida de qualquer outra intenção, por óbvio! Rosângela, mulher de seus 50 anos, realizada em sua vida profissional, como autônoma no seu negócio de publicidade, aparenta ser feliz em sua vida pessoal. Tem um afeto correspondido, religiosamente, todo santo dia, sem cobranças, sem reclamações, sem agressões, hipocrisia e nem mentiras. Como Rô vai vivendo? Ao que parece, muito bem, obrigada!

E a jovem adolescente que espera um buquê de flores que o também adolescente lhe prometeu entregar no Dia dos Namorados? Ela transborda de felicidade!

E aquela outra que ama “de paixão” a amiga, ou aquele outro que encontrou no amigo a razão de viver? Também, vão bem.

E os outros, acho que ainda são a maioria, que trocarão juras de amor para todo o sempre? Também, estão felizes!

E os que nem mais olhares trocam, sobrevivendo como o par ideal aos olhares de terceiros? Sim, também esses parecem felizes!

E tantos mais que realmente encontraram a receita do viver harmonicamente, não sem sacrifícios pessoais? Esses comemoram a felicidade de estarem juntos, prova de que é possível trilhar o mesmo caminho de mãos dadas por tanto tempo.

E os enamorados das causas sociais que cativam aos necessitados de toda a ordem? Também esses estão a comemorar esse dia.

E os poetas? Aqueles enamorados das palavras e que as lançam sobre seus admiradores, num namoro constante e diuturno? Também esses estão no clima...





Portanto, namorem bastante. Continuem a namorar, porque, a despeito do escolhido/a para o namoro, o clima que se estabelece com o ser amado é que contará para que tudo pareça mais iluminado e belo.

Tal como na adolescência, ou quase infância, quando lá, distante no tempo, despertamos para o encontro amoroso.

Como nos excertos da poesia Dantes..., do livro Trocando Olhares, de Florbela Espanca, poetisa portuguesa, quando verseja:



Eu brincava a correr atrás de ti;

Uma sombra perseguindo um clarão...

E no seio da noite, os nossos passos

Pareciam encher de sol a ‘scuridão!



Eu tinha medo, um medo atroz infindo

De passear pelos campos a tal hora,

Mas, olhando os teus olhos cintilantes,

A noite semelhava uma aurora!



Ou, ainda, nos versos de Velha Infância, música de Arnaldo Antunes e Marisa Monte, quando diz:



E a gente canta

E a gente dança

E a gente não se cansa

De ser criança

A gente brinca 

Na nossa velha infância



Seus olhos, meu clarão

Me guiam dentro da escuridão

Seus pés me abrem o caminho

Eu sigo e nunca me sinto só



Você é assim

Um sonho pra mim

Quero te encher de beijos

Eu penso em você

Desde o amanhecer

Até quando eu me deito



Eu gosto de você

E gosto de ficar com você

Meu riso é tão feliz contigo

O meu melhor amigo

É o meu amor



Ou, ainda, quando a poeta quer o ser amado encantar, versejando:



Sei que não sei tudo.

Na verdade, apenas um bocado.

Contigo, porém, finjo saber quase tudo.

Só pra te deixar apaixonado.



Que a paixão é cega. 

Não vê um palmo além.

E por acaso existe alguém, 

Que já não conheceu essa entrega?



Se tiveres algum segredo a contar, 

Conta-o a mim.

Porque dele saberei guardar.

Mesmo daquela que sabe tudo de mim.

Pois sou duas e quero te encantar.

                                                     (Feitiço)



Mesmo depois, quando a saudade bater em sonhos à porta, ainda assim é preciso entrar no clima... e sorver o que de bom restou, como os versos que seguem:



O vento sibila lá fora...

Meus olhos se debruçam para além.

Um ruído de água toma conta de mim.

Eis que te vejo de roupão: é alucinação.

Viro-me e dou de cara com Chico: translúcido.

Hum! Que pelos macios!

Em êxtase, rodopio pela casa.

Busco aquele perfume,

Mas nada encontro.

Apenas um seio vazio é o que sinto: 

Vazio de seiva,

Vazio do teu cheiro,

Vazio de tuas mãos.

Opa! Por pouco não piso em Félix:

Bigodes brancos, pastosos, leitosos,

Que ronrona atrás de mim.

ACORDO...

E passo o mate pra mim.

                                                   (Em minhas mãos)



A todos que se sentiram representados ou que ainda buscam, em seus relacionamentos, esse estágio de encantamento

UM FELIZ DIA DOS NAMORADOS!







Velha Infância - Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown



Chega de Saudade - Antonio Carlos Jobim
Montreal Jazz Festival – 1986 









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Maria Odila Menezes escreveu:
Parabéns pelo teu inteligente trabalho, Soninha! Te admiro muito!!!

Sou fã!!! Leio todas!!!