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sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A CAÇADA CONTINUA...






Embora a selva seja bem outra, a caçada continua. A matança, também.


Bem antes, sentia fome, os pelos esvoaçavam, as passadas se somavam pela planície.

Muitas luas se sucederam. Muitos sóis se puseram. A deusa floresta fez parte desse tempo remoto.

Num tempo em que não era ele medido, sequer conhecido, apenas sentido, porque sensações sempre existiram, pousou, de repente, o olhar num igual. Estacaram frente ao inusitado e como dois animais aproximaram-se para um primeiro reconhecimento.

Descobriram, depois de não sei quando, que tinham mesmas necessidades. Por causa delas e para satisfazê-las mediram forças. Talvez, tenha havido um vencedor que, provavelmente, satisfez sua necessidade mais premente. Logo, porém, depois de um tempo que não era ainda medido, mas sentido, porque sensações sempre existiram, um vazio instalou-se. Onde estaria aquele seu outro igual?

Um dia, quando o sol se pôs, encontrou outro igual a si. E já não reagiu como dantes. A percepção da solidão tinha se instalado. E assim foi se acostumando à presença do outro: daquele que lhe faria companhia.
Depois, num tempo que já se conhecia e se media, a sobrevivência tornou-se mais “civilizada”. Algumas regras começaram a existir. Regras?

Regras foram feitas para serem transgredidas, pensaram alguns.

Mais tarde, muitos assim pensaram.
E o domínio estabeleceu-se sobre outro igual a si. E o jugo, pela força ou pelo ardil nas relações, consolidou-se como uma forma de convivência.

E o lucro astronômico de poucos se implantou sobre todos os outros. Alguns, conscientes e críticos, tornaram-se os arautos na denúncia das mazelas impostas. A maioria, porém, quedou numa aparente liberdade.

Infelizmente, dessa parcela maior, surgiram muitos que se associaram a uma banda podre e facilitaram as coisas em benefício próprio.

E a massa “das gentes”? Ficou sob fogo cruzado.

Num tempo, já agora medido, misturam-se dia e noite, pois o sono dos inocentes sequer consegue acontecer. São as bombas a iluminar as cidades. É a guerra fratricida.

Rousseau afirmava que o homem é bom por natureza. O que o deturpa é ter-se tornado um homem civilizado, vivendo em sociedade onde há profundos interesses privados. Este fato torná-lo-ia egoísta e individualista a ponto de colocar o indivíduo e o cidadão em campos opostos. O primeiro, livre por natureza; o segundo, subordinado a regras.

Uma tese um tanto quanto discutível esta de Rousseau.

Aquele homem livre, que corria pelas planícies, que media forças com outro igual, teria se contido e não matado seu oponente em busca da caça?

Com o passar do tempo, afirmou que este aprendizado do viver em sociedade, segundo ele, só seria possível se não descaracterizasse a essência do ser humano, se houvesse investimento no saber daquele ser “ainda criança”, advindo do próprio lar, onde os princípios éticos e morais deveriam ser cultuados.

Acredito que seja este o caminho para tornar-se um cidadão e não apenas um indivíduo, considerando-se que se adotou a civilização como padrão da humanidade.

O regramento, para que se viva em sociedade, é necessário. Agora, a liberdade é intrínseca ao ser humano. Ele é livre para pensar, para decidir, para tomar posições, para buscar instrução, para ser solidário, para denunciar. E se os sistemas impostos restringem tais atitudes: mudem-se os sistemas.

O que se observa, porém, é que a caçada continua e a matança, também.

Sem entrar nas teses defendidas pelos grandes filósofos, é a sociedade composta de indivíduos/cidadãos que, quando lhes é permitido, exercem os dois polos concomitantemente, pois não devem ser colidentes.

Quando colidem, algo está errado. Ou entra-se na barbárie, ou afunda-se na devassidão, na espoliação, no rompimento dos padrões éticos e morais.

Não bastassem esses comportamentos deploráveis que permeiam as sociedades, tem-se, agora, uma criação virtual dessas práticas deletérias.

Pois, caça-se e mata-se hoje por “puro lazer”.

Há alguns dias, um taxista que carregava três jovens foi perguntado, em certo trecho da corrida, se poderia dar “uma paradinha”, porque eles tinham encontrado um Pokémon, logo ali atrás.

O mesmo taxista tem também notícia de que jovens costumam pegar colegas do concorrente Uber, para caçar Pokémon pela cidade.

Há dias atrás, ouvi de um cidadão conhecido que sua filha, de 37 anos, com duas graduações, também caça Pokémon pela cidade, em especial na Redenção.

Pode?

O nosso taxista, referido acima, indignado, pergunta o que ganham estas pessoas com tal comportamento.

Eu respondo:
-Ganham reconhecimento no “Grupo dos Caçadores de Pokémon”, tornando-se alguns melhores do que outros porque caçam mais e com melhor técnica.

Imaginem!

Se um jogador de Pokémon, que é chamado de Treinador Pokémon, consegue capturar um Pokémon Selvagem, através de um objeto esférico chamado Pokébola, e este Pokémon não escapar da Pokébola, ele será considerado oficialmente pertencente ao Treinador. Este Treinador, isto é, este jogador de Pokémon, a partir de então, será considerado seu Mestre. E o tal Pokémon terá que obedecer a todos os comandos deste Mestre. É pouco?

 
É! Quando a vida real não possibilita, não favorece, não permite tal ascensão do indivíduo, ele pode tornar-se um mestre no mundo dos Pokémon, esquecendo a sua condição de cidadão na vida real. Adquire um status falso, como se fosse um cidadão, mas não passa de um indivíduo que caça, que persegue, que subjuga, que abate, que mata, tornando-se um Mestre na matança virtual.

Será que esta nova faceta “de cidadão” não convém ao “establishment”?

A caçada continua e a matança, também. Mesmo quando se torna virtual. Ainda, assim, é matança.

A selva apenas mudou de lugar. Agora, são as cidades, as praças, as ruas. 
E o que é pior?

Na vida real e na virtual, também.

E o mais desalentador é quando alguém, possuidor de todas as condições intelectuais para ascender na escala evolutiva, como o exemplo acima referido da graduada por duas vezes, anda a caçar Pokémon pela cidade afora. Talvez, a Ciência possa, algum dia, explicar as nefastas consequências deste dito “lazer”.

Ou, quem sabe, viraremos todos Pokémon, matando apenas virtualmente.

Desconfio, porém, que isto não faria bem à mente de ninguém.

 

Enquanto isso, vamos em frente.

Eu, pessoalmente, preferiria sair à procura daquele olhar que, um dia, chamou tanta atenção e que ainda mantém acesa tamanha emoção, expressa no poema IMPRESSÃO.

Este olhar, pelo menos, é um olhar virtual que guarda uma história real.












domingo, 18 de outubro de 2015

PELA VITRINE

Como sempre faço, paro junto à vitrine daquela joalheria. De vez em quando, passo por ali. E o olhar, invariavelmente, pousa sobre as joias expostas. É muito brilho, muito ouro, muita beleza: tudo junto. Um dia, ainda vou ter uma dessas...

Pela vitrine espelhada bato os olhos naquela dupla, minha conhecida. Sentadas em um banco, estão já se aprontando para iniciar a caminhada por todo o shopping. São idas e vindas que se estendem por aproximadamente uma hora. Há tempos atrás, a imagem captada por mim, que virou um conto, era assim:


O passo de uma é vacilante. O corpo, perigosamente, inclinado para frente. Quem a acompanha é miúda, magra, e adota o mesmo estilo inclinado, só que ao contrário, pra trás, para compensar. Mãos, também pequenas, que levantam, com um leve toque, um rosto que pende, teimosamente, para baixo. E lá vão elas... É, com certeza, um grande esforço para ambas. Nunca as vi conversando. 


Houve época em que as encontrava caminhando por uma rua próxima. Também silentes, mas em meio, muitas vezes, ao ruído saudável de pingos de chuva sobre os telhados ou por entre raios de sol. Por vezes, debaixo do canto de variados passarinhos e de barulhentos papagaios.

Não sei por que não as vejo mais por lá. Trocaram de endereço.

Imaginava, como imagino ainda agora ao vê-las pela vitrine que, pela antiga rua, poderiam, quem sabe, trocar palavras, não apenas olhares. O brilho no olhar da mais velha, antes, existia. Hoje, não o vejo mais. Acompanho a dupla há algum tempo.

Antes, quando as via passar, observava o desvelo com que a mais jovem cuidava da mais velha, carregando-a com seu braço. Era uma dupla que se entendia pelos olhares, pelos gestos, pela aproximação, pelo afeto. Aquela rua era o lugar por onde ambas celebravam, diariamente, a existência, a solidariedade, a troca mútua, embora silenciosa.

Hoje, quando passo pela joalheria, vejo a mais jovem dispersa em pensamentos em frente àquela vitrine que me encanta. É como se as vitrines, todas, precisassem do olhar e da atenção da mais jovem. A mais idosa é como um estorvo ao lado da guardiã. A cabeça pendente não mais levanta. E o olhar? Perdido está no belo ladrilho do shopping. Estão juntas sem estar. Estão próximas como imagem. Estão no mesmo espaço, mas não mais no mesmo lugar. Seus olhares não se visitam mais.

E aqueles jacarandás, que se iluminavam ao vê-las passar, buscam outros passantes que ainda celebrem a felicidade de ser com o outro, de não ser sozinho com outros.

Afasto-me, pois lá vêm elas em direção à vitrine iluminada. É como se viessem beber da luz que se espraia daquela vitrine.

Sigo eu com a sensação de que estamos no mesmo barco, meio que à deriva, limitados ao que os nossos olhos acreditam enxergar como realidade.

Esboço um sorriso virtual e me perco pelo burburinho. Este, real. É o que imagino enxergar.

Será que também este é virtual?

Decididamente, anda tudo muito irreal...



Aliás, nas VITRINES de Chico Buarque, parte da letra poética diz que:



E, mais adiante, mistura nossos “eus” ao poetar:




Confesso que torço para que elas voltem a circular por entre os jacarandás. Mesmo em dias de chuva mansa, poças d’água serviam de espelho a refletir o caminhar vagaroso, o semblante ainda esperançoso. Torço para que a vitrine que as acolha seja de outra espécie. Aquela espécie que nos identifica no olhar do outro, aquela que nos torna menos virtuais e mais reais.



Que sejam um clarão de luz própria: é o que desejo.






Chico Buarque - As Vitrines







segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

UMA PAUSA PARA O ENCANTAMENTO


Não importa se os dias são corridos, se acabo enxergando apenas semáforos, pedestres que se acotovelam pelas ruas, se espremem nos coletivos, ou se esbarram em shoppings e supermercados. Se pouco vejo os familiares ou se já nem os tenho mais.
Diante desse quadro, preciso, isso sim, é cultivar a emoção/contemplação, a emoção/sentimento. Aquela que foi a própria essência do estilo clássico. Aquela que abre passagem para a vida interior.
Michel Lacroix, filósofo e professor francês, autor do livro O Culto da Emoção,  discorre sobre os tipos de emoção existentes.
Classifica a emoção/choque como a que nos acompanha nos dias atuais. E ela apenas serve para nos chocar, sem nos dar nada em troca. Tampouco, torna-nos mais colaborativos. Apenas assistimos à miséria e ao extremo oposto como meros consumidores. Nossas sensações, nossas experiências excitantes, a partir dessas cenas, não têm um objetivo maior e principal. Por outro lado, a sensibilidade do sentir contemplativo exige muito mais. Exige tempo para que se transforme em um sentimento. Esse é um norte a alcançar.
E nós, seres humanos, somos seres com sentimentos. Nossas emoções originárias são fornecidas por situações reais que nos cercam.
Aquelas outras, modernamente criadas por técnicas em que o espetáculo é o choque, a perturbação, a perda de referenciais, não parecem levar o indivíduo a alcançar o nível de contemplação que o enriquecerá interiormente. Sem ter a percepção aguçada para o real que o circunda, tornar-se-á um mero consumidor de videogames, de músicas violentas, daqueles programas televisivos desprovidos de conteúdo, de filmes em 3D, de uma realidade virtual cujo cenário é prodigioso, mas onde a imaginação torna-se supérflua. Tudo muito atordoante.
E que futuros adultos estarão a formar-se?
Quem terá, daqui pra frente, sentidos tão aguçados a ponto de ouvir o barulho de folhas secas caírem sobre um chão compacto, de um pátio existente lá na distante infância?
E o cheiro de terra molhada prenunciando chuva próxima?
E o barulho das folhas ao vento?
E os olhos acompanhando o pisca-pisca das luzes enfeitando a árvore natalina?
E o Papai Noel que, diziam, chegava na calada da noite?
E os brinquedos?
Estavam sob a árvore na manhã seguinte.
Tudo como num passe de mágica.
Segundo Michel Lacroix:

“O eu não é rico por si mesmo, mas pelo que retira do mundo, por sua colheita emocional, sua disponibilidade ardorosa”.
“A verdadeira interioridade zomba da interioridade”.
E mais adiante:
“A vida interior requer a disponibilidade e a atenção para o mundo”.
“Precisa ser revitalizada pela exterioridade”.
“De certo modo, ela é o prolongamento dessas impressões, a condensação dessas emoções refinadas que continuam a ressoar em nós, depois de seu objeto haver desaparecido”.
Precisamos da realidade que nos cerca, porque o virtual é apenas um descolamento do sentir/contemplação para uma emoção que choca, constrange, amedronta ou excita. O essencial, porém, torna-se amorfo, sem uso, ensimesmado, incapacitado diante do outro e frente ao mundo. E o essencial é o sentimento/emoção, aquele que obtemos ao pousar os olhos em outro par de olhos, ao apreciar um pôr do sol, ao vivo e em cores, ao abraçar fisicamente, não virtualmente, um amigo, ao observar o pouso suave de um pássaro sobre a árvore da praça. Ainda, só para lembrar, como estamos tão próximos do Natal, é montar a árvore, embora já não um pinheiro verdadeiro, mas ainda tangível, que se pode tocar, aos moldes daquela que ainda povoa nossas lembranças.
A árvore virtual, tão moderna, sinceramente, não sei se as crianças lembrar-se-ão dela quando chegarem à velhice. E a vida interior, talvez, esteja mais pobre quando dela mais precisarem.
Por ora, usufruamos desse tempo de Natal para fazermos uma pausa. E com os olhos brilhando, continuemos nos encantando com lembranças tão gratas.
Pois, como afirma Lacroix:

“A alma não extrai nada de seu próprio fundo: é fabricada com belezas externas”.
“Longe de ser autossuficiente, é apenas a sombra projetada pelo mundo”.
“É uma lanterna mágica na qual se projetam as imagens externas, acompanhadas por suas vibrações emocionais”.
E o virtual, convenhamos, passa bem longe disso.
Esse é um campo que obscurece nossa sensibilidade, deixando-nos à mercê de uma emoção excitada, desvinculada do outro, integralmente artificial e egocêntrica.
E o Natal pede mais!
Agora, por outro lado, o mundo virtual do computador faz parte do nosso dia a dia. Se atividades forem bem conduzidas por pais e educadores e repassadas aos pequenos na hora exata, podemos, quem sabe, salvar a emoção/sentimento, entre tantas outras oferecidas. Talvez, consigamos livrá-los do pensamento massificado da grande manada.
Afinal, como diz Toquinho, na música Mundo da Criança, o mundo da criança é abençoado. E, talvez, estejamos vendo fantasmas onde não haja sequer mais indivíduos para assustarem-se com esses espectros. Pois nem mais saberão o que é um fantasma!
O Mundo da Criança – Toquinho
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Comentário via Facebook:
Maria Odila Menezes:
"Amigas! Não percam esta crônica! maravilhosa!!!!Parabéns, Soninha!"