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domingo, 3 de fevereiro de 2019

IMAGENS... SENSAÇÕES... LEMBRANÇAS...



Quando pequena, ainda uma menininha, a escada onde se colocava, sob o olhar da mãe zelosa, era fora do pátio. Sua casa ficava abaixo do nível da rua.

Depois, mais grandinha, eram os vãos da cerca que fazia divisa com a casa da melhor amiga de infância.

Bem mais tarde, vieram os campos por onde se deslocava até a escola.

Sabe, hoje, que aprendeu, naquela época, que o olhar sobre as coisas e as gentes é um legado que permanecerá na memória como algo extremamente importante. As imagens deixam marcas durante a nossa caminhada. Elas estão presentes, são pessoais e intransferíveis. São criações próprias em parceria com o outro e com a Natureza.

Bem depois ainda, as manhãs, tarde e noites, cada uma delas, do jeito com que as enfrentamos, foram acumulando mais imagens.

Confesso que as imagens de hoje são bem diferentes das de ontem, mas não menos importantes. Muitas delas, ainda belas. Imagens vividas, sentidas ao vivo e a cores. O real é, ainda, o melhor meio de fixá-las na mente, pois contam com nossa emoção ao vê-las, ao participar delas. Fixam-se na memória para sempre. A nossa história de vida, pelo nosso visual, é plena de significados. E com tantas imagens poderíamos traçar o trajeto que percorremos desde o momento em que percebemos o nosso entorno até, tardiamente, quando resgatamos estas imagens e acrescentamos outras tantas, sempre diferenciadas das anteriores. Por isso, sempre ricas de conteúdo.

Todas as imagens que nos acompanham deixam um legado. Alegria, tristeza, desespero, medo, surpresa, perplexidade, afeto, carinho, amor, paixão e tantos outros sentimentos.

Imagens como este corredor de árvores que me acompanham, há algum tempo, em breve desaparecerá. Um pátio arborizado com muitas árvores cederá lugar para um prédio de apartamentos. Mas esta imagem permanecerá em minha memória visual, assim como faz parte da capa de meu livro, recém-publicado. Ao fundo, acompanho uma árvore plantada no último andar de um prédio. Parece querer alcançar o céu, tamanha a vontade com que cresce.

Bela imagem que permanecerá como uma referência do desafio da Natureza em meio a tantos obstáculos. Um ser vivo se impondo pela grandiosidade e pela admiração que inspira. Tal qual um ser humano, obra do Criador, apresenta-se como um ser ainda sobrevivente neste universo de concreto.

Como se esquecer daquele pátio onde imagens se sucediam, ano após ano, com uma interação sempre pessoal com a Natureza, embora se vivesse na cidade.

O afiador de facas e seu chamado com o apito não mais assusta. A imagem ainda é a mesma. Continua passando pelas ruas do bairro atual.

Já o assobio do catador de latinhas é algo novo. De uns tempos para cá, começou a assobiar. Acho que para tornar seu caminhar mais leve. São imagens que se encontram com as antigas. Todas presentes numa interação ser humano/ser humano. Não há barreiras, nem telas a separar. Tudo é tangível. Esta interação é primordial em algum momento da vida. E a infância é o melhor momento para que isto se sedimente na memória de cada um de nós. Esta interação nos acompanha já na fase adulta. Uma amiga bem próxima revelou que, durante suas viagens, não tem mais registrado no seu celular paisagens pelas quais passa. Tem dado preferência a fixar as imagens através de seus olhos, guardando-as naquele compartimento secreto que aciona quando quer lembrar ou sentir aqueles momentos desfrutados junto à Natureza. Tem pensado, inclusive, em voltar a bater fotografias com sua máquina fotográfica tradicional, revelando após estas imagens. Com certeza, elas não se perderão na nuvem. As imagens fixadas em sua mente serão confirmadas pelas fotos que guardar nos álbuns que possui. E olha que esta afirmação é de uma pessoa jovem.

Hoje, com uma bagagem suficiente de belas imagens parceiras, pergunto como não chocar-se com as recentes imagens de devastação que se abateu sobre um lugar considerado ponto turístico, envolto pelas brumas da região, daí a origem de seu nome.

Como fazer frente a tantas imagens chocantes que nos cercam hoje?

Acredito que o caminho é buscar, no fundo do baú da memória, imagens que nos deem algum alento e que possam fazer frente a cenas tão esvaziadas de amor: amor ao próximo, amor à Natureza.

Quem ainda consegue buscar a beleza que existe no céu estrelado, no sol que acorda ou que se põe, nas nuvens que bailam, na chuva mansa, no voejar dos pássaros, no canto do bem-te-vi? Todo aquele que ainda se importa consigo, com o outro e com a Natureza.

A comunidade aguarda que os poetas, os escritores, os compositores, os músicos instrumentistas, os pintores, os paisagistas, todos aqueles cuja sensibilidade clama pela apreciação do belo: se manifestem. É um pedido de socorro, em forma criativa, que deve chegar aos que administram as cidades, o país.

Se nada for feito pela preservação e respeito à Natureza: todos perecerão.

Estaremos envolvidos pelas brumas que escondem as tragédias, pela devastação de nossa Natureza, pela poluição de nossas fontes hídricas.

Mostremos a importância dos sons que nascem das fontes, da luz que repousa, ao entardecer, no horizonte dos rios, dos animais que compõem a Natureza.

Preservemos estas belas imagens para que nossas crianças também possam tê-las como lembranças de uma infância saudável.

Que seus olhos infantis guardem imagens, sons, cheiros e tantas outras sensações que lhes servirão de referenciais para um caminhar suave sobre a terra em que nasceram. Que esta terra sirva a seus filhos como uma mãe zelosa que cuida para que nada falte ao seu pleno desenvolvimento, tornando-os cidadãos responsáveis.

Tudo para que nossos olhos não se turvem com as lágrimas diante de cenas de devastação que se estão tornando corriqueiras.

Que imagens estamos deixando para olhos infantis que assistiram cenas de tamanho impacto?

Somos seres vivos carentes de outros seres vivos. Sobrevivemos nesta cadeia de interação, bem como perpetuamos a espécie.

Tudo o que avassala os nossos bens, oriundos da mãe Terra, nos torna vulneráveis física e espiritualmente.

Desastres possíveis e alguns previsíveis não podem ser mais tolerados.

É! O tempo dos campos floridos, do cheiro do jasmim no jardim, do leve piu-piu ao longe, do rom-rom na calçada, do grasnar no telhado, do leve som que cai sobre as pedras, abaixo da cachoeira... Tudo isto está fadado a desaparecer? Será?

Acordemos dessa letargia.






Apesar de tudo...

Fixemos o olhar no que ainda resta.

E ainda resta o bastante para que nos empenhemos em sua preservação.

Que as imagens, sensações e lembranças dos que sobreviveram possam ser superadas por novas imagens que se sobreponham e indiquem a possibilidade de construção de novos modelos para a economia da região.

Talvez os olhinhos infantis daquela bela região possam ainda usufruir de novas e belas imagens que façam parte de suas lembranças. Porque lembrar faz parte de nossa caminhada. E é muito bom quando estas lembranças só nos fazem bem.



Ah! A Banda São Sebastião, fundada em 13 de maio de 1929, formada por músicos da região devastada, encontra, nas músicas que continuam a executar, lenitivo para tanto sofrimento que se abateu sobre a cidade. (Depoimento prestado por um de seus músicos ao Fantástico neste domingo, dia 3 de fevereiro)














sábado, 15 de outubro de 2016

IMPOSSÍVEL UMA RECOMPENSA MELHOR!



O táxi parou. A passageira, que havia feito o sinal, abriu a porta e jogou-se no banco. Ao levantar o rosto para dizer boa-tarde ao motorista, este, virando-se para trás, disse surpreso:

- Professora Sonia!

Tomada de surpresa, a ex-professora sorriu e, ainda meio atônita, ouviu de seu ex-aluno a confirmação de que ele a reconhecera imediatamente após bater os olhos nela.

Ao identificar-se pelo nome, ela lembrou-se daquele nome e dos idos de 1975.

Puxa vida! E já estávamos em 2007. Acreditem! Trinta e dois anos tinham se passado. E isto não fora empecilho para o rápido reconhecimento. Uma emoção difícil de descrever foi a que se seguiu. Lembranças de momentos, de fatos acontecidos e vividos intensamente em sala de aula. E uma curiosidade sobre os caminhos percorridos por ambos. Um ex-aluno, de nome Paulo Ricardo Chamaniego, que se tornara taxista. Casado, com família constituída e de bem com a vida.

A partir daquele encontro casual, esta ex-professora tem usado inúmeras vezes os serviços deste taxista, pois, aos domingos, ela almoça bem próximo ao local onde ele tem seu ponto fixo.

Conversas e mais conversas. Boas lembranças daquela escola tão querida, que ficou na memória de ambos.

Antes, permitam-me esclarecer que esta ex-professora sou eu mesma.

Continuemos...



Mais incrível ainda foi um encontro recente, na metade deste ano de 2016.

Ao atravessar, com certa pressa, um posto de gasolina, já voltando do almoço, alguém se coloca à minha frente e exclama, em alto e bom som:

- Professora Sonia! A senhora está igual!

Confesso que deste ex-aluno, quando se identificou, eu não lembrei o nome.

- É o Everton Garrido Barreto! Sou cabeleireiro e trabalho num salão logo aí.

Ele, acreditem, trabalha bem próximo à rua onde moro.


Agora, o mais incrível! Quarenta e um anos já se passaram.

Diante desse encontro, que surpreendeu a ambos, paramos próximo a uma das bombas de gasolina e ali ficamos conversando por algum tempo. Belas lembranças, bons tempos passados em sala de aula.

Este ano, no Dia do Professor, sem me dar conta da data, fui visitá-lo no salão onde trabalha. Lá estive por um bom tempo jogando conversa fora. Ou melhor, revolvendo o baú das lembranças. Puxando para fora tudo o que lá se guardara por tanto tempo. E as emoções renovaram-se como se o ontem estivesse todo ali guardado, esperando apenas pelos atores da época renovarem suas “performances”. Por pouco não fiquei em pé, começando a caminhar pelo salão, como fazia em sala de aula. Não me lembro de sentar na cadeira do professor. Percorria a sala, caminhando por entre as classes. Era o meu estilo.

Tempos atrás, pensei sobre o assunto. Talvez agisse assim porque, se permanecesse lá sentada, desapareceria por trás da mesa, tal a pequena estatura. Depois, pensando melhor, acho que assim procedia para estar mais próxima dos alunos. Podia, desta maneira, vê-los “olho no olho”, o que propiciava maior aproximação e um consequente comprometimento do aluno que se via mais observado. Também, porque não dizer, mais acolhido em suas demandas pessoais. O fato é que sempre agi assim, mesmo com classes noturnas de jovens adultos.


No Dia do Professor, em 2011, publiquei a crônica O BRILHO NOS OLHOS. Naquela oportunidade, homenageei os professores que foram meus mestres. Que souberam ser criativos e que tinham um tanto de ator como o inesquecível Professor Édison de Oliveira. E, bem antes dele, os meus antigos professores do Curso Ginasial, o atual Ensino Fundamental que compõe os primeiros nove anos de estudos, antes do atual Ensino Médio. Citei pelo nome vários deles: todos excelentes professores.

A crônica de agora homenageia, também, os professores na visão que meus alunos guardaram de mim.

Fico extremamente feliz de poder ter encontrado, depois de tanto tempo, ex-alunos que me reconhecem ainda hoje. Tenho absoluta certeza que aquilo que permaneceu está baseado no meu desempenho em sala de aula, nos diversos tipos de abordagem, numa quase mise-en-scène, tamanha a preocupação com o alunado, considerando o público-alvo diferenciado que me observava. Por isso, mencionei a palavra “ator”, anteriormente. E meu mestre Édison de Oliveira foi, sem sombra de dúvida, o melhor professor/ator que encontrei.



Acredito que, hoje, a tecnologia em sala de aula só vem contribuir para que alunos e professores sejam parceiros neste novo processo de ensino-aprendizagem. Caberá, no momento atual, identificar qual a melhor performance em sala de aula, para que seu aluno ainda mantenha o brilho no olhar.

Este professor, com certeza, terá que dominar a máquina para poder se sobrepor a ela, quando a emoção do descobrir necessitar do empurrãozinho de um professor bem treinado neste novo mundo virtual.



Pois é! Depois do baú de lembranças ter sido todo remexido, eu e o Everton jogamos pra dentro tudo que saltara de lá. Ficaram apenas de fora a emoção do reencontro, o abraço apertado e o desejo de um novo encontro para logo mais.

Sempre convém lembrar que um baú serve para guardar coisas e que, vez por outra, deve ser aberto para verificar-se como anda o seu interior. Dar uma arejada!

Outra coisa que cabe relembrar é que este baú de memórias tem vários compartimentos. Neste, recém-aberto, constatou-se um saldo quase totalmente positivo, pois os protagonistas diretamente envolvidos nesta peça educativa cumpriram seus papéis com mestria.

O que restou negativo, então?

Aquilo que, até hoje, continua negativo: a política educacional do Estado Brasileiro.


A nota de tristeza vem agora. A escola de tão boas lembranças, daquele distante ano de 1975, foi alvo de vandalismo este ano.

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Érico Veríssimo, de saudosa memória, não é mais a mesma. Aliás, muita coisa mudou por lá. A construção de excelente qualidade, já à época, as ruas planejadas da Vila Ipê 1 no bairro, recém-criado, chamado Jardim Carvalho, a vizinhança ordeira e trabalhadora, os alunos educados, os professores motivados - tudo isso, acredito, continua lá. Então? Está faltando o quê?

Não responderei a esta pergunta. Apenas vale lembrar que, naquela época, permanecer na parada de ônibus, às 19 horas, totalmente sozinha, era algo habitual, corriqueiro e desprovido de perigo. Pelo menos, era assim que me sentia por lá, naquele tempo.


É imperioso que reergamos a vontade de permanecer ensinando, de vencermos as dificuldades, de mantermos a esperança de dias melhores. E que a política educacional do Estado Brasileiro comprometa-se com o futuro dos jovens e do país, por consequência.


Enquanto isso, que o brilho nos olhos dos alunos permaneça como resposta ao trabalho do professor em sala de aula.

A pergunta que não quer calar, porém, é:

-Até quando?


Depois deste último encontro, confesso que ser lembrada e reconhecida, como uma professora que marcou um momento daquelas duas vidas, foi a melhor recompensa recebida. Impossível algo melhor!









Dia do Professor (música: Nunca Deixe de Sonhar)