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segunda-feira, 6 de julho de 2015

DESDE SEMPRE... NADA SERÁ COMO ANTES



Pezinhos aproximam-se, ligeirinho, do portão da rua e descem pelo caminho que leva ao pequeno armazém da esquina que vendia docinhos. Na bandeja, ao final do dia, restavam alguns farelos adocicados. Nada mais.

Tudo tão tranquilo, tão livre, tão natural.

Uma criança de tão pouca idade, nos seus cinco anos de vida, saía pelo portão para comprar docinhos.

Hoje, é absolutamente proibido tal comportamento pelo perigo real que ronda todos e tudo: não mais só as crianças.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que existiu, daquilo que foi.

Ir à escola pelos campos afora, sozinha, caminhando sem preocupação, cabelos ao vento e a pasta com os cadernos. Sem celular, porque não existia.

Hoje, impossível tal aventura diária.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que existiu, daquilo que foi.

Caminhar por ruas centrais daquela Cidade, ainda toda Sorriso, era um prazer. A jovem adulta, toda feliz, com um rubi pendurado ao pescoço, presente da avó, caminhava despreocupada com aqueles que, porventura, lhe observassem. Fossem conhecidos ou não, estivessem caminhando ao lado ou nas proximidades, isto era indiferente.

Hoje, impossível tal atitude.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que era, que tinha sido, que fora.

Deslocar-se a pé, em plena meia-noite, saindo de um show no Gigantinho e indo para casa, acompanhada pela mãe já idosa, seria isto possível?

Sim, elas e outras tantas pessoas, moradoras do bairro, percorriam ruas em plena madrugada, despreocupadamente. Todas ainda sob o impacto do belo espetáculo assistido, com os olhos ainda impregnados daquelas imagens que nos fazem vibrar por dentro, que nos enlevam. E tudo isto pela rua, rumo ao lar.

Lares cujas cercas ou muros não existiam. Onde a grama encostava na porta da frente e se estendia até o meio-fio da calçada. Sem grades, sem cercas, sem medo. Algo desconhecido hoje.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que tinha sido, daquilo que fora.

Ah! Como seria na Idade Média?

Por aqui, não sabemos.

Ainda não existíamos.

Um pouco depois, porém, já se enfrentaria a realidade do dia a dia. Pulando-se os primeiros trezentos anos, por volta de 1800, a título de passeio pela memória, com certeza existiram dificuldades. Quem sabe, incompreensíveis para a época. E a saudade dos séculos anteriores se estabelecia como consequência.

Apenas a saudade será sempre igual.
A saudade daquilo que tinha sido, daquilo que existira.

O tempo traz mudanças, mas todas, em certa medida, fizeram-se presentes em todas as épocas. O homem poderia, portanto, ir somando experiências e melhorando o seu interior no sentido de uma maior empatia com o seu semelhante. Salvaria com isto o outro que é a sua própria semelhança. Todos ganhariam. A Humanidade ganharia. A Cidade Sorriso ganharia.

E a saudade, talvez, nem tivesse assento, pois, a cada dia, seríamos melhores, mais humanos, mais civilizados.

Não sendo esta a realidade, permanece a saudade daquilo que antes era bem melhor.

E como nós humanos somos imperfeitos, a perfeição, talvez, nunca se alcance. E para sempre haja “aquela saudade” dos tempos antigos, em que parecíamos melhores do que somos hoje.

Na verdade, parece utópico perseguir-se tal caminho: o da perfeição.

Mas o que nos faz caminhar é justamente a busca pela utopia. Eduardo Galeano, escritor uruguaio recentemente falecido, estava certo. Ela serve para isso: para que não deixemos de caminhar.



E o título se comprova.

Desde sempre, nada será como antes. E os sonhos, por mais distantes que pareçam estar, servirão para que caminhemos em busca deles.

E a saudade daqueles tempos mais antigos, daqueles melhores tempos nunca cessará. Todas as mudanças geram desconforto e uma ponta de nostalgia dos tempos passados. Ainda mais quando elas dizem respeito à própria evolução do ser humano.

Portanto, enfrentemos os novos tempos, pois eles são, em essência, os mesmos velhos tempos, travestidos, porém, de modernos. E, por isso, novos para os olhares desse novo/velho homem.

Basta nascer, abrir os olhos e já preparar-se para sentir saudade do conforto que era aquele cálido berço em que se encontrava deitado o pequeno ser, até então.

Temos um esplêndido passado pela frente?
Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida.                
                                                                     (Palavras Andantes – Eduardo Galeano)

E, em cada novo tempo, a saudade estará presente, mas a esperança, que com ela faz par, será sempre um caminho que se deixa de herança, conforme versos da música Novo Tempo, parceria de Ivan Lins e Vitor Martins.

Agora, vale a leitura de dois epigramas que seguem, criações de Mario Quintana, publicadas em seu Caderno H, que mencionam, de forma jocosa, o tempo e a percepção do homem sobre a relação sua com ele.








Novo Tempo – Ivan Lins








sábado, 14 de março de 2015

EXALTAÇÃO!

Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma delas nos pode dar uma visão inédita do mundo. Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo.
                                         (Do Conhecimento, Caderno H, p. 165)


Mário Quintana, de forma irônica e com senso de humor, trata o fazer poético, que era mestre, como uma força poderosa de enriquecimento do conhecimento: pela simples visão inédita do mundo, como afirma.
Assim, digo eu, é possível aprender que uma lua pode revirar os olhinhos ou desviá-los só para não constranger o casal que está amando, como em:





Esta lua é tão viva, tão partícipe, tão antiga, que já faz parte do olhar de quem com ela tem parceria.
Assim como vivas são as imagens do trecho extraído de DELÍRIOS de Manoel de Barros:

Eu estava encostado na manhã como se um pássaro à toa estivesse encostado na manhã. Me veio uma aparição: Vi a tarde correndo atrás de um cachorro. Eu teria 14 anos. Essa aparição deve ter vindo de minhas origens. Porque nem me lembro de ter visto nenhum cachorro a correr de uma tarde. Mas tomei nota desse delírio. Esses delírios irracionais da imaginação fazem mais bela a nossa linguagem.
E ainda:

Sapo é um pedaço de chão que pula”. 
Até as pedras da rua choravam”.


Gabriel Perissé, em seu livro A ARTE DA PALAVRA, páginas 119 e 120, diz a certa altura:

“O escritor é um ser humano. Sente o divino prazer de ser humano. Um ser humano comum. Que pega ônibus. Que fica na fila de um banco. Mas carregando uma luz... iluminando essa fila, o que nela existe de kafkiano, de cruel, de cômico, de insensato, de sugestivo... iluminando os episódios corriqueiros que acontecem dentro de um ônibus. E essa luz torna o ônibus mais ônibus, mais real, tão real que chega a ser surreal... Mais impressionantemente real do que podemos perceber na nebulosa rotina do dia a dia”.

E, mais adiante:

“O que ilumina é a convicção. A convicção de que há uma força simbólica na realidade, nas palavras, e que essa força, percebida, identificada, oferece novo alento à nossa vida”.

E esta palavra, cuidadosamente buscada, metaforicamente usada, é que fornecerá estilo, tornando-se este eterno.

Shakespeare, no trecho que segue, exalta a metáfora, tão usada pelos poetas. Com certeza, é ela quem dá precisão à linguagem poética.


(do livro A Poesia – Uma Iniciação à Leitura Poética – Armindo Trevisan, páginas 236 e 237)


Diante do que já foi exposto, acredito que esteja plenamente justificado o título desta crônica. Uma EXALTAÇÃO, neste dia 14 de março, à arte de poetar e um aplauso a todos aqueles que a este ofício se dedicam.

VIVA O DIA NACIONAL DA POESIA!

 Sintam-se motivados com as sugestões que seguem:
“Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus, não tem importância. É preferível, para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética representaria, no caso, como que um esforço de autossuperação. É fato consabido que esse refinamento do estilo acaba trazendo necessariamente o refinamento da alma”.
 (Mário Quintana, Caderno H, p. 24 – trecho extraído do epigrama A POESIA É NECESSÁRIA)


ME ENSINA A ESCREVER, composição de Oswaldo Montenegro, incentiva-nos quando diz que não sabe se o poema é bonito, mas sabe que precisa escrever




Me Ensina a Escrever – Oswaldo Montenegro 





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Comentários via Facebook:

Elizabeth Remor: Parabéns Soninha Athayde, excelente homenagem! Abraço dourado.

Amelia Mari Passos: Não há palavras.Nada será justo.Amo- te - ler. Obrigada. "Não sabe se o poema é bonito, mas sabe que precisa escrever." assim é .

Maria Odila Menezes: Parabéns Soninha! Mais uma vez me encantas com a tua Crônica. Trechos que ficaram na minha memória:" O que ilumina é a convicção." "Eu acho que todos deveriam fazer versos."

Zaira Cantarelli: Soninha Athayde, transmites msg de sabedoria, refletes um aprendizado íntimo, humano, poético. muito bom te ler ! Escrever é a arte do voo onde a gente se transporta a um outro mundo para parir versos e é tão bom qdo os amigos curtem o q escrevemos, mas infelizmente apenas alguns, os verdadeiros (no meu caso).

Rosane Luft: Sonia no meio de tantas notícias ruins ler uma poesia é tudo de bom, nos faz acreditar que a vida é possível. um abraço




quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

DÊ UM ZUM!



Você consegue perceber o que escorre pela calçada até o meio-fio? Aquela mistura fétida, da cor do azeviche, com restos de comida que forma um veio que se espraia pela calçada e que, finalmente, alcança o meio-fio daquela rua? Amanhã, quem sabe, o tal veio será visto em outra calçada, próxima desta de agora. Ou, na mesma.

Não desvie o olhar. Dê um zum!

Observe os detalhes da cena. Acompanhe de onde parte o veio.

Existe logo ali um pé, descalço, magro, que se confunde com o líquido espesso, escurecido, fétido. Ele é parte de um ser humano que sobre a calçada, junto à parede, jaz inerte sob o efeito de alguma droga.

É pena que o zum não tenha um tanto de magia e que pudesse recuar no tempo e fornecer alguma outra cena que, talvez, explicasse o motivo daquele ser estar ali jogado. E são tantos em tantos lugares, já por tanto tempo.

O DNA é o mesmo, mas os lugares de origem são diversos. E será este último dado relevante no processo que se desencadeou até atingir a cena da calçada?

Não, necessariamente. De comunidades que sobrevivem de restos, mesmo aí temos seres que ascendem. O meio é importante, a genética, também. Há algo, porém, que se instala quando da formação de alguns seres e que deposita sobre eles um perfil psicológico diferenciado. São marcas que se impõem, mais fortes do que o ambiente que os cercam, tornando-os mais aguerridos, mais batalhadores.

Seres oriundos de uma mesma família reagirão de forma diversa às vicissitudes que a vida vai impondo. Alguns membros marcados pela violência doméstica zarparão, sem temor, mundo afora, buscando melhores condições de vida. Outros quedarão sem rumo. Arrastarão, pelos dias que se sucederem, a desesperança, o medo, a rejeição que, muitas vezes, se autoimpuseram. Para estes caberá o olhar atento da comunidade e o apoio de instituições de Estado que buscarão encaminhar os que quedaram pelo caminho, atropelados pelos infortúnios de origem.

Uma comunidade carente necessita de apoio de órgãos criados para realizar este trabalho. O objetivo é evitar que mais indivíduos se arrastem por calçadas e viadutos, levando seus parcos pertences, disputados entre si.

Para os que já fizeram a rua de morada, faz-se necessário o recolhimento para Unidades de Recuperação, pois, depois de certa involução na escala social, nada mais é possível fazer-se sozinho. A recuperação deverá ser feita dentro de instituição mantida com o dinheiro público, fruto dos NOSSOS IMPOSTOS, arrecadados e direcionados com HONESTIDADE por quem detém esta tarefa, visando ao BEM DE TODOS: ao BEM DA CIDADE, por ser ela uma célula única que a todos contém.

O objetivo maior deve ser evitar que mais criaturas se espalhem pelas calçadas, num ritmo cada vez mais veloz, direcionando todos os esforços para que elas se tornem úteis, capazes de sobreviverem de forma digna. O trabalho, em todas as esferas da sociedade, deve ser fomentado como único meio de preservar a autoestima, sendo o motor propulsor para uma socialização com ganhos para todos os moradores da cidade.

É utópico? Talvez!

Agora, está mais do que na hora de que algo aconteça nesta direção. É absolutamente necessário ter a esperança de mudança.

E é a própria utopia que dará origem ao movimento de constante caminhar na solução dos problemas.

Que haja força e boa vontade em nossa aldeia para que se consiga direcionar, por outros caminhos, milhares de carentes a arrastar-se pelo lixo.

Que uma conscientização crescente da comunidade proteste por direitos e garantias a ela sonegados.

Caso contrário, não será nem mais preciso dar um zum. Você, leitor, não conseguirá mais desviar o olhar, porque a calçada estará tomada. As ruas, os parques e os canteiros, também.

Ou, quem sabe, você também tão espoliado não terminará como estes seus irmãos, menos afortunados: na calçada.

Agora, se falarmos daqueles grupos bem menores, quero crer, mas extremamente danosos, os dos corruptíveis e os dos corruptores, eles não mais estarão por aqui, neste momento, para contar a história de ERA UMA VEZ UM PAÍS RICO...

Ah! Esqueça o zum!

Tudo terá se agigantado. Seus olhos não mais precisarão deste auxílio.


Sinceramente, quero acreditar, ainda, que aquela calçada, que conheço tão bem, possa conter, num futuro não muito longínquo, apenas os restos de chuva com as flores do jacarandá da esquina. E que a água depositada no meio-fio seja de um tom violáceo, que nem as flores do mesmo jacarandá.

Segundo Edgar Morin, sociólogo e filósofo francês:

A vida é suportável se nela for introduzida não apenas a utopia, mas a poesia, ou seja, a intensidade, a festa, a alegria, a comunhão, a felicidade e o amor. Há o êxtase histórico, que é um êxtase amoroso coletivo.


De ambas, utopia e poesia, Mário Quintana entende muito bem.

Eis, sua receita:





Agora, o samba MENOR ABANDONADO, cantado por Zeca Pagodinho, espelha bem a realidade que nos cerca e aquilo que pode ser feito para mudá-la.

Já o poeta Manuel Bandeira com seu poema O BICHO dá-nos um choque de realidade, quando verseja:






Fiquemos com os dois primeiros exemplos. São um alento e um alerta para que não se torne corriqueira a última cena, embora Manuel Bandeira a tenha descrito na década de 40.

Há que não se perder a esperança, porém.







Samba - Menor Abandonado – Zeca Pagodinho









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Comentários via Facebook:

Amelia Mari Passos: Soninha agradeço por me fazer refletir sobre este assunto. "apenas os restos de chuva com as flores do jacarandá da esquina. e que a água depositada no meio-fio seja de um tom violáceo, que nem as flores do mesmo jacarandá. Soninha Athayde também por este bálsamo que nos alivia desta dor . Um forte abraço

Zaira Cantarelli: Amiga, tu investes visceralmente na palavra, tuas letras ñ precisam de retoques, já chegam prontas para a reflexão. Aprecio estes teus achados tão atuais, tão próximos de nós q habitamos esta selva de pedra. Belo texto.