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sábado, 12 de abril de 2014

A RECOMPENSA


 
Para mim, uma leiga e simples observadora, a coisa mais visível da passagem do tempo, quase instantânea, é a mudança, com o piscar dos olhos, no desenho das nuvens no céu. As bordas das nuvens se redesenham em milésimos de segundo. É o instante que não perdura.

E o que é o instante?

É uma porção brevíssima de tempo?

Segundo um grupo de cientistas alemães e espanhóis, que tratou desse assunto, o tempo de duração de um instante é de 320 attosegundos. E um attosegundo corresponde ao trilionésimo de segundo.

Que coisa mais difícil de imaginar!

Os primeiros raios de luz da manhã, seguidos da luminosidade intensa ao longo do dia, dá-nos a possibilidade de acompanhar o tempo que vai seguindo o seu curso até o anoitecer, completando-se com a total escuridão que recai sobre nós a cada fim de dia.

O passar dos dias, meses e anos também possibilita a percepção desse senhor implacável chamado Tempo.

Mas quando o tempo dura um piscar de olhos, essa percepção torna-se assombrosa. 

Mario Quintana, em seu Caderno H, escreveu sobre o Tempo: 

"Coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha".

E o tempo continua a fluir, imperceptível, a partir daquela linha referida. 

O interessante, porém, é que aquele trecho lido continuará lá, no mundo dos livros, embora venham a se passar 200 anos. 

O ser humano, por outro lado, dura tão pouco frente às obras construídas por ele próprio.

As pirâmides estão lá e a Acrópole de Atenas também resiste ao tempo. 

As águas do rio fluem, sempre sendo diferentes a cada fluir, assim como somos também diferentes a cada instante. Heráclito já explicara, há muito tempo atrás, essa condição nossa e da natureza. Nós, humanos, estamos em desvantagem, porém. 

A nós não é dado esse privilégio de acompanhar as obras, produto nosso, pelos séculos afora. 

Claro que, se assim ocorresse, o globo terrestre não suportaria tamanha quantidade de gente, considerando-se a natalidade permanente. Há que se abrir espaço para outros que vão chegando. 

Agora, um rio, embora diferente a cada instante, estará sempre ao nosso alcance: ontem, hoje e até quando possamos dele usufruir. Que isso não nos cause pressa, porque ele estará lá a nossa espera. 

Ainda segundo Quintana, o segredo da eternidade repousa na seguinte assertiva: 

"Naquele seu ímpeto ascendente e embora retombe a cada instante, ninguém, nem ele mesmo o sabe: o repuxo é o eterno recém-nascido". 

O que significa que esse rio estará lá presente a cada repuxo, perpetuando-se. 

E nós? Onde estaremos? 

Estaremos representados na figura do nosso filho? 

Mas, se cada um de nós é insubstituível, como sair desse dilema? 

Sobra a nós apenas a lembrança do ancestral, através da sua própria imagem ou de suas obras. Essas são as que permanecem para serem vistas, reverenciadas ou até execradas, dependendo do valor positivo ou negativo que encerrem. 

Nada, portanto, é tão passageiro quanto a condição de ser humano ou de pertencer ao reino dos seres vivos. 

Assim, calma, Coimbra! 

O rio Guaíba continua no mesmo lugar, talvez algumas margens tenham se estreitado ou se alongado, mas suas águas continuam correndo. E para algum lugar correm, com certeza. 

E nós? 

Temos ainda tempo de acompanhá-lo, porque ele se renova a cada repuxo. Ele é para os séculos.

Quanto a nós? 

Cuidemos das nossas atitudes, nossas ações e obras, porque é o que deixaremos. E que, com certeza, não durarão séculos. Apenas uns poucos anos até que caiam no esquecimento.

A menos que nos enquadremos na galeria dos grandes luminares da Humanidade. O que, a essas alturas, acho que não faz grande diferença. Pela simples razão de que do outro lado, se é como dizem, o que contará serão os gestos de amor, solidariedade e fraternidade com os próximos a nós e com aqueles que vierem até nós. 

O que se leva e vale é o AMOR, já diz a letra da música O QUE SE LEVA de Guilherme Arantes. 

E o céu estará garantido. 

Acho, sinceramente, que essa será a melhor recompensa

Os séculos que se passem, então. Tal como Marcel Proust, Henri Bergson, Walter Benjamin também passaram com suas importantes teorias sobre o Tempo, os quais, considerados por muitos, foram grandes luminares do pensamento. 
 
 
 
 
E eu, de repente, dou com os olhos na ampulheta, no quadro em frente a mim. 

Ela está por sobre livros em cima de uma mesa. Não há movimento algum. Acho que o tempo parou! 

Desvio o olhar depressa para o céu em busca delas, as nuvens. Essas continuam a fornecer dados visíveis do fluir do tempo. E acho que é bom vê-lo passar, pois assim acompanhamos o processo contínuo de seu movimento. E isso é pura energia. 

E é disso que precisamos.
 

 
 
 
 
 
O Que Se Leva  - (Temor ao Tempo) – Guilherme Arantes  
 
 

Oração ao Tempo – Caetano Veloso

 
 
 
Trechos: