sábado, 7 de setembro de 2013

DA PÁTRIA-MÃE, DE POMBAS E DE QUERO-QUEROS


Quão minúsculo é aquele pontinho que, graças ao avanço tecnológico e às viagens siderais, pode-se, hoje, observar, quando aqui tal imagem chega!
Aquilo, pasmem, é a pátria onde vivemos, isto é, o local de nascimento da espécie humana, daquele primeiro representante chamado Homo Sapiens.
Milênios passaram-se. Cá estamos, e ela, nossa mãe, ainda minúscula, continua  frente à infinitude espacial.
E nós? Ainda mais minúsculos, porque agora somos bilhões. De uma Pré-História exterminada a uma História em que os progressos das grandes civilizações não foram suficientes para promover o bem comum a todos os povos, porque sempre calcado no poder de dominação de uns sobre outros, pretendendo perpetuarem-se, porém todas soçobrando, mais dia, menos dia.
Todos os grandes impérios, num determinado momento, desapareceram. Deixaram, porém, milhões de mortos ao longo da sua existência.
Os nossos conhecidos “ismos” de hoje, também, já claudicam, porque não se sustentam por si sós. Repousam na exploração, nos horrores, nas atrocidades, porque a natureza humana é ambivalente, não conseguindo expressar-se apenas pela grandeza, pela criação e pelo sublime.
Encontramo-nos diante de uma nova faceta: a chamada globalização.
Ela nos faz cientes dos embates que se processam em todos os cantos do planeta.
Hoje, sabemos que somos interdependentes numa intensidade infinitamente maior do que no século XVII, época em que foram constituídas as grandes companhias marítimas inglesas, francesas e holandesas, que possibilitaram, à época, as trocas com as Índias, Oriental e Ocidental.
Hoje, conhecemos a globalização da guerra, da economia e de ideias, também. Com certeza, isso não é algo positivo.
Quem sabe, porém, não sirva essa globalização para a percepção, cada vez mais próxima, da ameaça nuclear global. E isso, por sua vez, traga-nos a formação de uma consciência ecológica planetária. Está mais do que na hora de tomarmos consciência da ameaça que paira sobre a integridade do planeta.
São tantas as questões e tão multifacetado o processo cultural, a que todos os povos estão submetidos, que é difícil ver-se uma luz no fim do túnel.
Quem sabe para viver mais e melhor, devêssemos atentar para o que dizia Fernando Pessoa. Afirmava ele que em cada um de nós habita dois seres. Aquele dos devaneios, o puro, o poético, o que nasce na infância e nos acompanha para sempre e, o outro, o das aparências, aquele prosaico, aquele funcional, que é bem utilitário. Numa visão mais abrangente, teríamos a ciência e a arte se complementando.
Se pudéssemos equilibrar esses dois mundos internos, o prosaico e o poético, na classificação de Edgar Morin, talvez, digo eu, pudéssemos concentrar em nós a mesma capacidade do nosso conhecido quero-quero, isto é, a luta pela sua sobrevivência e de seus filhotes, com a poesia que nos inspira a Lua, numa relação estética com a nossa Pátria-Mãe, tornando-nos capazes de fazer retornar, a qualquer momento, os sonhos aos nossos corações, contrariamente ao que Fernando Pessoa versejou em AS POMBAS.
Pois disso é de que se está a precisar.
Precisamos manter vivos os sonhos e a Paz, que tem a pomba como ave-símbolo.
Precisamos viver mais, embora tenhamos que sobreviver.
O nosso estado poético/criança, com certeza, tem seu papel fundamental no viver pessoal, assim como no viver planetário.
Salve nossa Pátria-Mãe, a TERRA!
Terra – Caetano Veloso
Absurdo – Vanessa da Mata
A Paz – Roupa Nova
Ouça o canto do quero-quero
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Comentários via Facebook:
Excelente, professora! Estou encantada - estás cada vez melhor, mais incisiva, mais direta, mais tudo o que precisamos ler. Agora saio, mas depois volto e leio de novo e vejo vídeos de novo - amei "... os pombos voltam ao seu ninho, eles (sonhos) aos corações não voltam mais..." ai meu Deus, é tudo! Sabes pinçar os autores certos e os textos certos, professora, grande qualidade o teu trabalho. Abraço, me orgulha ser tua amiga!
Bela crônica! ..."Em cada um de nós habita dois seres." Parabéns, Soninha!!!

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

BABÁ-ELETRÔNICA



- Leco, onde estás?  Não te podes desarrumar... Hoje é o grande dia. Tua amiguinha, logo, logo vai chegar...
Era os dengues de dona Aidê. Ela e seu marido, na faixa dos cinquenta, viviam como se fossem hóspedes de Leco. Eram como estranhos naquele ninho, que mais pertencia a Leco do que a eles.
A sala da morada era praticamente de Leco. Todos os pertences, decoração e atmosfera indicavam que Leco era ali o rei.

- Filhinho, cuidado com o tapete! Não derrames nada aí.

Bah, mas que coisa! Não largam do meu pé, pensava sonolento. Às vezes, dava vontade de ser até desaforado. Que chatice! Nem namorar podia sossegado. Ficavam em cima, segurando a vela... Dessa vez, ia ser diferente. Das outras, tivera plateia o tempo todo. Que frustração! Não dera em nada. Mas, agora, já sentia no ar um cheiro diferente, um frêmito se avizinhava...

De repente, um barulho de campainha ecoa no ar.

- Calma, querido, mamãe já vai abrir a porta.

- Vilma querida, como estás? Que linda garota trazes!  Que filha mais bonita!

- Leco, querido, Laísa chegou... Veio para brincar con-ti-go...

Vilma, ao ver a cena, achou meio engraçado o cerimonial montado. De qualquer forma, adentrou na sala onde Leco, empertigado, sobre o tapete aguardava a frágil Laísa.

Vilma querida, meu menino será um verdadeiro cavalheiro. Não te preocupes.

Vilma achou tudo meio estranho, isto é, pareceu estranho o comportamento dos ditos racionais. O fato é que o marido de dona Aidê concordava com toda aquela ambientação meio kafkiana.

Feitas as apresentações, olhares, narizes e o resto, tudo em cima, restava à Vilma ir-se. E assim fez. Não sem antes observar alguns fios atravessados sobre o assoalho, próximo ao tapete, que a deixaram intrigada. Mas...

Ao fim do dia seguinte, passada a primeira noite, Vilma ligou.

- E daí, “rolou”, Aidê?

-Nada. E olha que fiquei observando a noite inteirinha, Vilma querida.

Vilma já começava a se preocupar. Por que Aidê ficara acordada a noite toda? E o seu marido? E por que só à noite deveria “rolar”?

Na segunda noite, conforme informação, o mesmo resultado. Nada... Dona Aidê fizera, de novo, plantão.

Ao fim do quarto dia, Vilma soubera pela mãe zelosa, que, em sua ausência, rolara uma verdadeira batalha. Os vizinhos assustados teriam procurado por dona Aidê, buscando informações mais precisas sobre o acontecido.

Dizem que dona Aidê, ao saber do ocorrido, teria esboçado um sorriso meio amarelado, misto de vitória e frustração. Afinal, Leco não a desapontara (já andava meio desconfiada dele), embora pudesse ter sido mais cavalheiro, poxa! Educação ela lhe dera bastante. Mas, no fundo, estava meio frustrada, pois quisera ter participado como “voyeur” de tal cena. Talvez isso pudesse reacender, no quarto ao lado, um fogo já quase apagado. Achava, sinceramente, que Euclides teria também gostado de assistir. Ou não?

O fato é que Leco recuperara sua autoestima. Sua fama, que já andava meio comprometida, graças à ausência da mãe, voltara ao que era. Bons tempos aqueles em que vagava pela redondeza, exibindo garboso passo, sedutor como só ele, passando todas no beiço, ou melhor, nos bigodes.

Isso até o dia em que foi adotado por dona Aidê. Triste dia! Dali em diante, iniciou-se seu calvário. Liberdade, nunca mais. Nem para namorar... Mas, agora, após seu desempenho, acha até que, de quando em vez, com jeitinho, poderá dar uma voltinha fora daquela horrenda sala. Que pessoa mais irracional essa dona Aidê!

Vilma, algum tempo após, recebeu por telefone votos de uma “boa hora” para Laísa, com o que teria se mostrado estupefata. A que ponto chegara dona Aidê.

A propósito... Aqueles fios esparramados pela sala eram parte de uma babá-eletrônica, para que a mamãe de Leco pudesse, a cada “miau-miau” estranho, certificar-se do que estava ocorrendo. A geringonça fora instalada de há muito. Tudo em prol do Leco.

Dizem que na noite do parto, que foi normal, segundo o veterinário, o Leco miou, miou e miou, pondo dona Aidê em polvorosa. Deve ter sido o stress de pai de 1ª viagem. Com certeza...

Ultimamente, dona Aidê tem pensado em mandar um whats de Leco para Laísa, coisa simples, só para saber da prole, novas visitinhas de fim de semana, quem sabe...

Ah! A propósito, quem sabe a Internet possa dar uma mãozinha: um acasalamento virtual e tal e coisa. Até que isso seria interessante... Acredita que Euclides adoraria.

Tem pensado nisso...

Ah, meus senhores! Que tempos estamos a viver!


Agora, assistam aos vídeos abaixo e vejam a importância de um miau e, principalmente, quantos miaus são necessários para um dueto, diferenciado, cantar, ao som de miaus, um extrato da cabaletta¹ da ária Ah, come mai non senti, cantada por Rodrigo, no 2º ato de Otello. Na realidade, o Duetto Buffo di Due Gatti, ou Dueto dos Gatos, não foi escrito por Gioacchino Antonio Rossini. É, segundo estudiosos, uma compilação escrita em 1825, com passagens retiradas de sua ópera Otello, de 1816. Seu autor acredita-se que tenha sido o compositor inglês Robert Lucas Pearsall, sob o pseudônimo de G. Berthold.

1. A Cabaletta, numa ópera, é a parte final de uma ária, onde, geralmente, observam-se movimentos alegres e virtuosos.

Miau, Miau – Floribella
Dueto dos Gatos - Um dueto diferente, baseado em ópera de Rossini

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

CHAPEUZINHO VERMELHO E O LOBO QUE MORREU PELA BOCA (nova versão)


Era uma vez uma guria, bonita que nem fruta de amostra, que adorava animais. Costumava andar pela floresta, buscando comunicar-se com eles. Era uma grande conhecedora da mata, portanto.
Um dia, sua mãe pediu-lhe que fosse à casa de sua avó, a fim de levar-lhe uma encomenda. Como toda boa mãe, disse-lhe que se cuidasse. Isso era mais para aquietar-se do que outra coisa, pois confiava que sua filha saberia conduzir-se pela floresta.
Já pelo caminho, Gabi, que costumava vestir um chapeuzinho vermelho, encontrou-se com o lobo Ildefonso, o Il, sabidamente matreiro, acostumado a ficar à espreita, um perigo. Chapeuzinho sabia que ele já devorara outros animaizinhos menores que ele. Ao que parece, era meio covarde.
Mas de uns tempos para cá, Il estava se aventurando por alguns petiscos até maiores que ele, no que vinha se saindo muito bem. Ouvira dizer que ele até já comera uma pessoa: pequenina, é claro, uma espécie de anãozinho.
Meu Deus! Que coisa horrorosa!
Chapeuzinho, sentindo-se já em maus lençóis ao vê-lo, quis saber do lobo para onde estava indo ele. Prontamente, respondeu-lhe:
- És tão linda que pretendo acompanhar-te para onde fores. E, rapidamente, colocou-se ao seu lado, medindo-a de alto a baixo. Ah, pensou ele, que petisco! Não imaginava, nem de longe, o que o aguardava.
A guria era maneirosa e foi levando o lobo de compadre até chegar à casa da avó.  E conversa vai, conversa vem, começou a elogiar o porte, o garbo de Ildefonso que, todo bobo, ia meneando a cabeça, com jactância, concordando com os adjetivos que se iam somando. Já parecia mais estufado que peito de pomba. E isso que ela nem começara a falar de suas qualidades como predador. Ah! Ele era um senhor predador! Ela sabia disso. Mas, ela, também, era bastante ardilosa. Quem pode menos tem que se safar do jeito em que é competente. E Gabi sabia, já por instinto, acho que vinha de avó pra neta, que as fraquezas dos outros têm que ser bem aproveitadas. Quando necessário, é claro. E esse lobo, ao que parecia, ia morrer pela boca.
E, pelo caminho, ia arquitetando o plano que a livraria das garras do temível Il.
Mal sabia Gabi que sua avó tivera um mal-estar, e que isso viria bem a calhar, por sorte, nos seus planos.
É que lá chegara, antes dela, o caçador mais conhecido daquelas bandas: o Juvêncio. Pois ele estava passando pela casa da avó, quando ouvira um forte barulho que vinha de dentro da casa. Preocupado, pois conhecia Dona Ge, resolvera entrar para verificar o que havia. Pois não é que Dona Ge estava caída no chão? Coitada da velhinha!  Assustado, colocou-a na cama, ficando ao seu lado. Acabou por recostar-se na cama, quando viu que ela se reanimava após alguns instantes.
E adormeceu.
Dona Ge, quando viu Juvêncio ao seu lado, ficou um tanto quanto assustada. Ela o conhecia, sabia quem era. Por que ele estaria ali? E ela? Pareceu lembrar-se do momento de sua queda.
Levantou-se, imediatamente, não sem antes cobri-lo completamente, pois era seu hábito desde os tempos de Custódio. Ai! Que saudades do Custódio, sua cara- metade. Ficou, assim, por um tempo, pensativa.
Embora ainda enlevada pelo momento, foi em direção à cozinha para preparar um chá. Depois, trataria do Custódio: ou melhor, do Juvêncio. Ele devia estar muito cansado, coitado.
 De repente, batidas à porta acordaram-na por completo daquele devaneio em que se metera. Então, ao abri-la, deparou-se com sua neta acompanhada por aquele espécime, que vinha junto a ela, mais grudado que barro em tamanco, olhando de viés. Já os olhos de Gabi revelaram-lhe a sinuca em que estava metida a pobre neta. E como avó é uma segunda mãe, sacou, de cara, o imbróglio que tinham as duas que resolver. Falando alto, perguntou à neta se aquele não era o Il. Aproximando-se, começou a desmanchar-se em elogios a ele por ter trazido, sã e salva, sua neta tão amada. E com a astúcia de quem, em época passada, já teve que salvar a própria cria, achegou-se mais para perto de Il e segredou-lhe:
- Salva-nos! Vem comigo! Sobre minha cama há um animal grande, que acaba de aqui entrar e que, tenho certeza, vais, com tua força e valentia, abocanhar, levando-o daqui para bem longe, onde possas saboreá-lo. Vem, vem!
Ildefonso, puxando lá do fundo dos pulmões o uivo mais forte que já dera, pois tinha que impressionar aquelas duas, correu em direção à cama, jogando-se sobre ela com o bocão bem aberto.
Mas é claro que Juvêncio dormia sempre, como bom caçador, com um olho só e com a arma engatilhada. E não deu outra. Ildefonso caiu de boca sobre outra boca, a da espingarda de Juvêncio, vindo a estrebuchar com os miolos à mostra e com o rabo entre as pernas, que nem um guaipeca. Ficou ali estirado, inerme. Logo ele que pensava ser tão astuto.
 Pois é, com essa o caçador virou herói, saiu de braço com Gabi, por quem já arrastava as asinhas há algum tempo. E a avó? Bem, essa se esqueceu de tudo, quando se viu frente a uma caixinha de quindins que a filha mandara.
Pois, meus caros, estou convencida que nunca, na história dessa floresta, teve tanto bicho fazendo festa, pulando de galho em galho, brincando livre, leve e solto.
Claro, que há sempre os que se mantêm descrentes, achando que a coisa não melhorou. Mas se não melhorou, pior não ficou, ou ficou? O caçador, que se casou com Gabi, que o diga. Aliás, dias atrás, Juvêncio manifestou-se, no Congresso Anual dos Caçadores, com muita propriedade.  Acho mesmo que tem ele razão quando, durante sua participação, disse:
- Meus senhores, estão faltando caçadores para tantos predadores!

 
Ouçam, agora, a letra da música IMAGENS, de Guilherme Arantes, que, já há bastante tempo, dizia:

O homem predador não pensa no que faz.
Desmata, queima, estraga a vida e quer viver.
Com tanta estupidez e crime no poder,
A última esperança não pode morrer.
Que a juventude assuma logo o seu lugar.
E saiba que o perigo agora é pra valer.
 
  


IMAGENS – Guilherme Arantes