segunda-feira, 16 de maio de 2016

A IMPORTÂNCIA DELA



Parece tão longe. Navega de um lado para o outro. Junta-se a outras. Aparece e desaparece. Guarda perguntas e respostas.

Tornou-se importante. É uma metáfora ambulante. Informações confidenciais, e outras nem tão, são lá guardadas. Dizem que a recuperação das mesmas é viável e tranquila. Mensagens circulam por ela.

Por outro lado, o nosso olhar carregado de perguntas deposita sobre ela questões insolúveis, principalmente quando ela some, de repente, escondida pelo brilho do sol. Mais ainda causa espanto para um olhar indagador quando esconde o astro-rei.

Um olhar poético, ao vê-la, mergulha em admiração e espanto pela rapidez de sua passagem e sobre as consequências dessa mudança, por vezes, tão célere.

Como confiar numa aparição tão inconstante?

Terá ela toda essa capacidade de armazenar e devolver o que lhe for pedido, a qualquer momento?

E quando ela não estiver lá?

Nada de sustos. Esta é de outra categoria: pertence ao Criador.

A outra, aquela que pertence à criação humana, é uma metáfora: uma nuvem que armazena informações. E esta metáfora não serve aos poetas.

Eles precisam daquela que é fruto da Criação. Aquela que guarda questões que são parte do olhar humano mais sensível. Aquele olhar que, de uma nuvem verdadeira, é capaz de guardar não informações, mas emoções. Ela que revela a chuva por cair, ou que pode nos resguardar do sol mais intenso. Aquela nuvem que pode prenunciar um escurecer mais rápido do que o habitual, afugentando o dia numa demonstração de força e poder.

Porém, também, onde podemos navegar nossas emoções, nossos receios, medos e esperanças. Aquela que também pode nos levar a nos comparar com algo passageiro. Assim como diz a sugestiva estrofe da música NUVEM PASSAGEIRA de Hermes de Aquino:





Ela, produto da Criação, que é apenas um conjunto de partículas de água ou de gelo em suspensão na atmosfera, adquire relevo quando Manuel Bandeira a usa, assim como segue:





Metáforas como “cair das nuvens”, “ir às nuvens”, “andar nas nuvens”, “pôr nas nuvens” são criações advindas de um olhar sensível sobre uma simples nuvem.

 
Agora, se ela servir de forma efetiva para guardar tanta informação, acredita-se que terá valido o esforço dos criadores da nova comunicação em rede e do consequente armazenamento de incalculável material, embora permaneça ela, a nuvem, intangível, mas ainda motivo de poesia aos olhos de quem se emociona ao vê-la navegar pelo infinito, sem rumo definido.

E, novamente, lembrando:

Somos como “aquela nuvem passageira que com o vento se vai...”

 
Porém, concordando com o que dizem criadores e usuários da tal nuvem, reconhece-se sua importância e utilidade nos dias atuais e nos que virão. Então, viva ela: a nuvem.

Ela que, quando desaba, pode tornar-se chuva, lágrimas e finitude para o poeta ou pura informação.









terça-feira, 8 de março de 2016

É A LAMA... É A LAMA...



Abre os olhos. Como última imagem, que sobra do sonho, a lama escura se espalha em frente da protagonista que se depara com a impossibilidade de transpô-la. Nem sabe de qual sonho se originou. A lembrança do sonho foi-se, mas a lama, como última imagem, permaneceu: malcheirosa, escura, pegajosa.

Durante o café, busca no expresso sorvido às pressas, a cor escurecida que tanto impactou o olhar ainda sonolento, mas já questionador dos motivos daquela última cena.

Vem, à mente, a provável resposta para tal imagem.

Sim, tem ouvido, lido e, especialmente, visto muitas notícias.

Onde? Na televisão.

Dá de ombros e vai em frente.



Sim, Joice está certa.

E isto é ruim? Claro que não. Estamos vivos e devemos estar a par do que nos cerca e daquilo que, embora longe, nos afeta de forma profunda, por vezes.


A lama, originada do rompimento de barragens, espalha-se por córregos, rios, deixando resíduos tóxicos ao longo das comunidades ribeirinhas, ultrapassando municípios e estados, chegando ao mar. Isto é de extrema gravidade para as pessoas e o ecossistema.

Os prejuízos são consideráveis e a recuperação sem data marcada para acontecer.

É a lama...

Como grave é o relato a mim feito por uma cidadã, trabalhadora, que reside no Município de Esteio, abastecido pela água oriunda do Rio dos Sinos.

Disse-me ela que a água que sai da torneira é escura e malcheirosa, fedida mesmo. O filtro d’água não dá conta de limpá-la. Tentou, então, fervê-la. Não adiantou, pois o cheiro permaneceu. Então, a solução é a compra de água mineral pela população. Para o banho, porém, a água é aquela mesma. E a pele? A pele arde. A água é quase uma lama. Pobre rio que recebe todo o lixo tóxico oriundo de empresas que nele fazem descarte de seus produtos. Pobre população!


A lama virtual subjaz a esta lama real. Aquela que não se vê, mas que parece tomar conta de tudo e de todos, desaguando em todas as lamas reais que se está a assistir.

Joice até já sonha com esta lama. Aquela que a impede, pelo menos no sonho, de prosseguir. Mas que tem o condão de fazê-la refletir. E reflexão é o de que precisamos.

Para tanto, necessário faz-se conversar, dialogar, constatar, tomar decisões e agir. Reflexão, porém, exige informação, leitura, conversa direta com o outro e não através da tela. Não conseguimos mais refletir, pois este exercício requer silêncio num primeiro momento. Depois, conversa face a face com o outro, onde os sentimentos são expressos e sentidos pelo brilho dos olhos dos interlocutores.

A ferramenta digital deveria ser um acessório em qualquer situação. Ela pode até mostrar a lama. Não pode, porém, tomar decisões. Ela é uma máquina, é um objeto: não um ser humano.

Ela, a lama moral, combate-se internamente pela Ética e pelos valores humanos que dignificam este ser. Esta lama será destruída se vingar a empatia com o outro, a solidariedade, a necessidade de justiça social, que nos torna únicos e semelhantes ao mesmo tempo.


Agora, há quem pergunte de onde saiu a jiboia encontrada num poste, no Distrito Federal, neste último domingo.

Ela não vive na lama. Como será que chegou até lá?

Acho que ouviu que uma jararaca anda por lá. Aliás, que, também, não vive na lama, diga-se de passagem.

Bem, acho melhor deixar esta história de lama prá lá.

Quem entende disso é, poeticamente, o nosso Antonio Carlos Jobim com a sua conhecida “Águas de Março”.

Aquela lama cantada é a natural e faz, portanto, parte do ciclo natural da vida e das coisas.

Todas as outras são abomináveis.



Ah! Aquela música?
 

Inesquecível!






Águas de Março com Elis Regina e Tom Jobim

 





quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

SEM SINAL... SERÁ?


Apontam para o alto. Espalham-se pelos telhados. Todos os tamanhos e tipos são vistos. Por vezes, não captam. Mas o bem-te-vi canta ao lado, empoleirado próximo. Faz coro com outro bem-te-vi que responde ao sinal. De repente, outros cantos respondem aos bem-te-vis. São outros pássaros cantores que, alvoroçados, iniciam as suas próprias conversas sonoras. Todos em perfeita harmonia. Todos sinalizando uma comunicação perfeita. Todos emitindo e recebendo sinais, numa conversa que tem hora para iniciar e para acabar, pois existe um tempo para tudo: não só para conversar, mas, também, para calar.

Que beleza ouvi-los! São perfeitos neste mister. Não precisam de forças alheias a eles próprios. O amanhecer e o cair da noite são sinais suficientes para que se inicie uma conversa rotineira. Esta é uma observação sobre os pássaros “cantores”, habitantes das grandes cidades. São seres independentes que se equilibram num parapeito qualquer, num vão estreito de uma marquise, emitindo sinais a outros de sua espécie sem dificuldade alguma.

inveja perceber que somos, diferentemente deles, tão pobres neste diálogo saudável com os de nossa espécie.

O nosso “sem sinal”, atualmente, inviabiliza praticamente tudo. Ele impede de nos atualizarmos com o mundo. E o que é pior: com o vizinho que mora ao lado, no mesmo bairro. Está ficando difícil viver “sem sinal”. Quando isto ocorre, todos ficam como baratas tontas, sem saber como andam as coisas.

Como andam as coisas? Sem sinal, não somos mais nada. Com sinal, somos mais um com sinal. Apenas isto.

Mas somos tantos! Somos milhões! Melhor seria se fôssemos menos. Que estultice. Ops! Que vocábulo mais em desuso!

Somos milhões porque assim deve ser. Temos que perpetuar a espécie. Afinal, quanto mais gente estiver ligada em termos globais, melhor para o planeta e para seus habitantes.

Desde que haja sinal, é claro. Mas ele se vai com tanta facilidade, deixando multidões perdidas, desacostumadas ao abraço amigo e solidário do vizinho ao lado.

Aliás, quem é o vizinho ao lado?

Quanto mais sinal, mais conexão com o mundo. E o vizinho ao lado?

A informação chega, em avalanche, de todos os cantos do globo.

É avassaladora a sua chegada até nós. É um verdadeiro tsunami que não nos permite decodificar devidamente todo o conteúdo de que se compõem tais informações. Em todo o caso, o sinal cumpriu o seu papel: permitiu o tsunami invadir todos os cantos do globo. O pior é que esta enxurrada é formada por notícias pouco amenas e saudáveis. Como ficar imune a tantos problemas!

Ao que tudo indica, nos últimos tempos, não se vislumbra sinal algum para o enfrentamento de questões que pipocam pelo globo afora. Aliás, o sinal anda fraco para estas questões.

Será que isto é sinal de que andamos perdendo batalhas e tornando-nos mais fragilizados frente a este mar de catástrofes, insanidades, tragédias humanas, corrupção, malfeitos de todo o tipo?

Sinal dos tempos, dirão muitos. Que tempos? Não deveríamos nos ter aprimorado? Afinal, o sinal que nos possibilita a informação de todos os cantos do mundo, serve pra quê? Só para nos informar?

Quem dá as cartas continua sendo aquela matilha de “iluminados” que transita pelas esferas do poder avassalador da ambição? Ou seremos todos cúmplices, mesmo aqueles de fato “iluminados” pelo conhecimento, mas que se omitem ou se rendem?

Agora, há quem, mesmo com o sinal, opte pelo “off-line”.

Será uma boa prática?

É possível que signifique, num certo sentido, “poder”: aquele que isola, que não se compromete, que não se importa com o outro.

Pode ser, também, aquele momento de trégua para voltar os olhos para o bem-te-vi pousado sobre o poste de luz.

Pode ser a necessidade do silêncio, sinal que alimenta o nosso interior e nos obriga a refletir sobre a importância de nós próprios, dos que nos cercam e da nossa caminhada diária. Ela, que independe de sinal.

Com esta reflexão, talvez, consigamos nos assemelhar ao bem-te-vi, aquele que responde ao sinal do chamado do companheiro de espécie. Ele é o próprio sinal. Sejamos como ele. Exerçamos a capacidade que nos distingue dos demais seres vivos, inclusive do belo bem-te-vi. Que o nosso sinal seja a fala, a comunicação interpessoal, o olhar, o abraço, o bom-dia, a solidariedade. Que a tão útil informação seja digerida (decodificada) e transformada em ingredientes para ações conjuntas. Que o conhecimento se espalhe como um sinal de educação, no sentido lato, que a todos ilumina e que serve de transformação para tempos, aparentemente, tão obscuros.

Este é, com certeza, o único sinal que nunca se vai, que nunca se perde nas nuvens.

E quem sabe com ele consigamos evitar os males que nos afligem, numa escala diminuta, mas que se pode propagar como as ondas que se espalham mar afora.



Esta imagem, como sinal, vale a pena.

Qualquer outro será, apenas, acessório.





Sinal dos Tempos - Heróis da Resistência