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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

DEIXE ESTAR...


Um aspirar profundo. Um banco, árvores, muitas árvores. Um pouco além, um saxofonista executa belas melodias. Música no ar tem o dom de aproximar pessoas. O resto ficou para trás. Por horas, por instantes? Não importa. A música tocada a pedido, por mais de uma vez, deixa bem claro, em sua letra, o que importa. Solte para o amanhã a resposta a tudo, se não puder tê-la hoje.

No céu, embora ainda azul, algumas nuvens ameaçadoras, bem ao longe, anunciam presença. Mas, deixe estar...

A luz do sol é uma força presente. Ela traz a esperança de que, se desaparecer, voltará a brilhar a qualquer novo momento.

No ar, uma melodia que traz a lume o que de melhor se pode extrair da constatação de que, apesar de tudo, deixe estar...

Não se quer muito, não se quer tudo. Apenas que todos, que ali estão, tenham seus momentos de possíveis respostas a tantas indagações que pairam no ar, que animam as conversas, mas que também fazem refletir os que ali descansam suas mágoas, suas frustrações, seus problemas, dilemas e dúvidas. Não se preocupem. Deixem estar...

E a música continua suave, embora intensa em sua proposta.

Um grupo pequeno de pessoas aproxima-se do saxofonista e faz uma selfie. Aliás, várias.

A boa energia presente é partilhada até mesmo por aqueles mais sisudos e que passam discutindo, mas suspendem o palavreado por percepção do mais audível, do mais sonoro.

Até as árvores parecem querer participar daquela onda sonora que circula por entre elas. Suspendem o farfalhar das folhas, impondo um silêncio para que também possam impregnar-se daquela energia.

Dos bancos, alguns acompanham, com o bater do pé, o ritmo da melodia executada.

Momentos desfrutados por quem se deixa levar pela música no ar. Assim, muitos sairão dali com as energias renovadas, prontos para aguardar as respostas pessoais no momento certo, deixando que o tempo, sábio e inexorável, traga a solução. Levarão a certeza de que nada melhor do que deixar estar...

A letra da música LET IT BE aponta Maria, mãe de Paul McCartney, como sendo aquela pessoa, já falecida à época, que, em sonho, lhe teria sussurrado palavras sábias que serviriam de orientação durante a jornada de seu filho. A letra deixa claro que uma resposta aos problemas, em momentos difíceis, sempre existirá. Basta que aguardemos, que deixemos estar... Ela virá no momento certo.

É a Esperança que, na crônica anterior, fez-se presente como única alternativa ao desejo de Paz Mundial.

Segundo Paul, ele não se incomodava quando apreciadores da música relacionavam o nome de sua mãe ao de Maria Santíssima.

E o saxofonista?

Vamos aguardá-lo no próximo domingo, na mesma praça, no mesmo banco.

Aguardemos...

Deixem estar...

Ah! O músico fechou a manhã com IMAGINE e ALELUIA!

Imagine, leitor! As letras de ambas as músicas fazem-nos sonhar com dias melhores.

Quer melhor repertório para uma manhã de domingo na praça?

Por alguns momentos, vivemos o compartilhamento daquele espaço em paz, sem absolutamente diferença alguma entre todos os que ali estavam.

Sonho de alguns?

Talvez! Afirmo que senti a Esperança sair de mãos dadas com cada um, pois se multiplicou para atender a tantas sementes que ali plantou.

De qualquer maneira, não se preocupem.

Deixem estar...



Let It Be - Paul McCartney









terça-feira, 11 de julho de 2017

REFLEXÕES NO PARQUE




Olhos pousados na mandala construída pela natureza.

Um céu completamente azul e árvores que com suas ramagens, galhos e folhas desenham sobre este fundo uma imagem em que o olhar se perde.

E o som, que embala esta dádiva, vem de músicos que tocam chorinhos e sambas e que integram o Grupo Naquele Tempo. Executam composições próprias e de autores reconhecidos nacionalmente.

Instrumentos como violão, cavaquinho, bandolim, violino e outros tantos de percussão compõem este grupo de artistas que se apresenta pela cidade.

Em parques, esquinas e onde houver o povo presente, lá estarão eles a alegrar quem deles aproximar-se, difundindo a música popular brasileira mais genuína.

Estão habituados a embalar o gestual de quem se achega e que não consegue ficar inerte a tanta sonoridade e ritmo.


Quanta poesia no ar...

É de tudo o que precisamos neste domingo de trégua da chuva e do frio.

Que delicadeza de som! Faz aflorar só bons sentimentos. Impossível ficar imóvel. É um pezinho que bate no chão, tímido, acompanhando as músicas, é um mexer de ombros e quadris: um quase sair dançando.

Olhos voltados ao azul do céu. Ouvidos que vibram ao ritmo de melodias bem brasileiras. O que mais querer?

É um sentir-se conectado à mãe Natureza e aos irmãos que circulam por entre as árvores, trazendo seus afetos pelas mãos. Mãos que afagam, que direcionam, que cuidam, não importando serem animaizinhos ou gente miúda.


E a grande imagem, que abarca tudo isso, parece congelar e não mais querer sair da retina.

E o criador dessa cena?

Será o olhar de quem se detém no particular para desaguar no conjunto absorvendo a beleza ali existente?

Ou, esse olhar também é parte desse todo maior?

Sim, somos, todos, provas existenciais desse milagre de existirmos.

Somos provas vivas.


Vivemos para erguer os sonhos ao alto,

Apesar dos tombos.

No calafrio das noites escuras,

Ou no suor dos pesadelos

Das noites maldormidas.



Sonhos cujas imagens repousam

Na mandala tecida por olhos poéticos.

Sonhos que bailam ao som

De chorinhos ao entardecer no parque.



Sonhos que nos mantêm vivos.

Que nos fazem chegar próximo aos poetas.

Eles que descrevem nem sempre o que veem,

Mas sempre o que a emoção permite experimentar.



E ela só permite aquilo que temos de bom.

Mesmo que de coisas más se poetize.

Seus versos esculpirão da miséria

Aquilo de sublime que ele, o Poeta, extrair.



Música e Poesia: dupla perfeita.

Uma tarde inteira para...

Ouvir... Olhar...

Sentir... Criar...

Poetar...


Somos provas vivas de que existimos para amar e não apenas para amargar.

E sempre estaremos por aqui, porque somos provas vivas de existências que, embora transitórias, revelam uma continuidade vivencial humana que se perde no tempo do Universo. Seres humanos serão substituídos por outros seres humanos.


Muito diferentes daquelas outras provas, aquelas passíveis de destruição, sem possibilidade de substituição. Aquelas que, em princípio, não se podem enterrar vivas, porque nada vivo se enterra, incluindo-se nós: os humanos. E, por último, porque, se ocultadas ou destruídas, serão insubstituíveis. Por isso, deveriam ser esmiuçadas, apreciadas e avaliadas à exaustão.

Nem sempre eles, os juízes, estão certos. Desta vez, porém, a indignação do Senhor Juiz foi procedente. 




 Choro na Rua – Grupo Naquele Tempo



 Grupo Naquele Tempo






terça-feira, 8 de março de 2016

É A LAMA... É A LAMA...



Abre os olhos. Como última imagem, que sobra do sonho, a lama escura se espalha em frente da protagonista que se depara com a impossibilidade de transpô-la. Nem sabe de qual sonho se originou. A lembrança do sonho foi-se, mas a lama, como última imagem, permaneceu: malcheirosa, escura, pegajosa.

Durante o café, busca no expresso sorvido às pressas, a cor escurecida que tanto impactou o olhar ainda sonolento, mas já questionador dos motivos daquela última cena.

Vem, à mente, a provável resposta para tal imagem.

Sim, tem ouvido, lido e, especialmente, visto muitas notícias.

Onde? Na televisão.

Dá de ombros e vai em frente.



Sim, Joice está certa.

E isto é ruim? Claro que não. Estamos vivos e devemos estar a par do que nos cerca e daquilo que, embora longe, nos afeta de forma profunda, por vezes.


A lama, originada do rompimento de barragens, espalha-se por córregos, rios, deixando resíduos tóxicos ao longo das comunidades ribeirinhas, ultrapassando municípios e estados, chegando ao mar. Isto é de extrema gravidade para as pessoas e o ecossistema.

Os prejuízos são consideráveis e a recuperação sem data marcada para acontecer.

É a lama...

Como grave é o relato a mim feito por uma cidadã, trabalhadora, que reside no Município de Esteio, abastecido pela água oriunda do Rio dos Sinos.

Disse-me ela que a água que sai da torneira é escura e malcheirosa, fedida mesmo. O filtro d’água não dá conta de limpá-la. Tentou, então, fervê-la. Não adiantou, pois o cheiro permaneceu. Então, a solução é a compra de água mineral pela população. Para o banho, porém, a água é aquela mesma. E a pele? A pele arde. A água é quase uma lama. Pobre rio que recebe todo o lixo tóxico oriundo de empresas que nele fazem descarte de seus produtos. Pobre população!


A lama virtual subjaz a esta lama real. Aquela que não se vê, mas que parece tomar conta de tudo e de todos, desaguando em todas as lamas reais que se está a assistir.

Joice até já sonha com esta lama. Aquela que a impede, pelo menos no sonho, de prosseguir. Mas que tem o condão de fazê-la refletir. E reflexão é o de que precisamos.

Para tanto, necessário faz-se conversar, dialogar, constatar, tomar decisões e agir. Reflexão, porém, exige informação, leitura, conversa direta com o outro e não através da tela. Não conseguimos mais refletir, pois este exercício requer silêncio num primeiro momento. Depois, conversa face a face com o outro, onde os sentimentos são expressos e sentidos pelo brilho dos olhos dos interlocutores.

A ferramenta digital deveria ser um acessório em qualquer situação. Ela pode até mostrar a lama. Não pode, porém, tomar decisões. Ela é uma máquina, é um objeto: não um ser humano.

Ela, a lama moral, combate-se internamente pela Ética e pelos valores humanos que dignificam este ser. Esta lama será destruída se vingar a empatia com o outro, a solidariedade, a necessidade de justiça social, que nos torna únicos e semelhantes ao mesmo tempo.


Agora, há quem pergunte de onde saiu a jiboia encontrada num poste, no Distrito Federal, neste último domingo.

Ela não vive na lama. Como será que chegou até lá?

Acho que ouviu que uma jararaca anda por lá. Aliás, que, também, não vive na lama, diga-se de passagem.

Bem, acho melhor deixar esta história de lama prá lá.

Quem entende disso é, poeticamente, o nosso Antonio Carlos Jobim com a sua conhecida “Águas de Março”.

Aquela lama cantada é a natural e faz, portanto, parte do ciclo natural da vida e das coisas.

Todas as outras são abomináveis.



Ah! Aquela música?
 

Inesquecível!






Águas de Março com Elis Regina e Tom Jobim

 





quarta-feira, 10 de setembro de 2014

DIFÍCIL ACESSO... ao caminho das formiguinhas... ou a uma quinta lua...

Um dia, os olhos abriram-se. Quantas sensações foram-se somando! O tempo, figura despercebida, foi-se instalando a trotezito leve pelos dias e noites que se iam seguindo.

Os referenciais próximos eram todos seres iguais a si ou, pelo menos, tão vivos que mexiam o rabo, que balançavam ao vento, que cantavam ao longe, batendo as asas.

De vez em quando, uma chuva fina presenteava os olhos com aqueles pingos que escorriam pela vidraça. Por vezes, uma ventania derrubava alguns vasos mal colocados sobre a beirada de uma cerca. Também, às vezes, o frio mostrava a cara pela manhã, deixando suas marcas sobre o pátio em que havia uma pequena horta de verduras. 

À noite, tudo serenado, a lua surgia imponente, glamorosa, servindo, naquela época da infância, apenas como depositária de sonhos e perguntas ainda sem respostas.

Tudo se resumia a um pátio, a uma casa, bichos, pessoas e a mão caprichosa da Natureza: com suas alternâncias de luz e escuridão, de frio e calor, de secura e aguaceiro. Nada mais tranquilo do que o barulho da chuva fina sobre o telhado. 

Todos os ingredientes estavam ali presentes para as histórias que iam acontecendo ao natural.

Isso possibilitou que memórias fossem sendo armazenadas, sedimentando o chão de minha alma, palavras do escritor moçambicano Mia Couto, por mim tomadas de empréstimo.

Como relata o festejado escritor na Aula Magna, que abriu o 2º semestre do ano letivo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi de grande importância a casa em que viveu e, em especial, o chão de pedra da cozinha. Local por onde desfilavam as falas das mulheres, da família ou não, e onde fazia ele seus temas escolares. Também o convívio com o pai, durante as caminhadas pelos trilhos de uma via férrea, ensinou-lhe a relação com as coisas de menos valia material, mas de importantíssimo valor sentimental. Algo que dá uma dimensão da necessidade de se absorver um jeito vagaroso de existir, pois este enriquece a capacidade de observação. Momentos de extrema intimidade com as pessoas, as coisas e consigo próprio. Tudo de grande importância para quem viria a se tornar escritor por vocação, acredito eu. Mia Couto, de profissão biólogo, é, como tal, alguém dedicado a decifrar aspectos da natureza humana. 

Da rica palestra, que se encontra registrada abaixo, há inúmeras situações relatadas que nos dão uma visão mais detalhada das falas, das crenças, dos deuses e dos tempos da sociedade moçambicana.

A nós interessa, por ora, apenas os aspectos que se referem à importância das lembranças infantis ali descritas. Mais especificamente ao tempo e à intimidade, ambos desfrutados ao longo da infância, ao lado de referenciais humanos e da natureza.

A presença física, as vielas, as ruas, as praças, os lugares por onde se anda não podem desaparecer do contexto infantil. O registro de uma imagem, apenas, não é o bastante. O que importa é o registro mental daquela vivência. Esta é que perdurará. Temos que permanecer sendo autores de histórias vivenciadas e registradas em nossa memória. Elas, sim, dar-nos-ão suporte para o nosso equilíbrio psicossocial.

Mia Couto compara, a certa altura, o tempo atual como se fosse uma cobra em que lhe comeram a cabeça e lhe arrancaram a cauda. Ocorrendo tal amputação, resta-lhe o pescoço apenas. Portanto, sem cérebro e sem capacidade de movimento, pouco sobra para que haja opção de escolha ou de direção a seguir (interpretação minha). Muitos seres humanos, moldados nesta metáfora, se subordinam ao transitório que, por sua vez, já nasce morrendo. Temos, então, neste caso, o tempo do consumo que empobrece aquele que não cultiva o tempo necessário ao encantamento, à intimidade, ao prolongamento do sentir, do observar, do usufruir. Tempo, esse sim, rico de memórias e histórias para contar.

Voltando ao tempo das sensações infantis, como armazená-las se não temos tempo para tal, nem ambiente ou pessoas capazes de nos levar pela mão a nos mostrar tais maravilhas? 

Seguem, abaixo, pensamentos de Mário Quintana, extraídos do livro CADERNO H, que nos fazem atentar para a importância do sentir e do observar:




As cenas descritas pelo nosso poeta Quintana são fruto de momentos vividos e, posteriormente, revividos pela memória e lançados ao tempo que os imortalizou. É o que se pretende para cada um de nós: que nos imortalizemos pelas ações e criações que deixaremos como herança. Para isso precisamos do convívio com os nossos iguais e com os demais seres que habitam a natureza. Tudo dentro de um tempo pessoal e intransferível. Um tempo para observar aquela carreira de formiguinhas, levando cada uma a sua folhinha para um mesmo lugar que só a imaginação infantil poderá descrever. Um tempo para sentir, relacionar, criar e amar. Um tempo que sedimente nossas lembranças e nos faça autores de nossa trajetória. E não meros consumidores do agora que, logo ali, não mais existirá.

É! Está difícil o acesso da sensibilidade para o registro do perene. Apenas o transitório parece ter vez.

Tomara que tenhamos outros tantos escritores que busquem, como Mia Couto, nas histórias criadas, o desejo de manutenção de valores que perpassam pelo encantamento da infância e seu recriar: elementos imprescindíveis para uma evolução sadia desse antigo homem das cavernas.

Pois é! Pra quem, um dia, soube apreciar a Lua, tempos depois, saberá saudá-la. Verá uma lua que acende o céu com meia argola quebrada ou até descobrirá outra fase da lua, a quinta, que inspirou a música POEMA DA QUINTA LUA, letra de Sérgio Carvalho Pereira. Nela, o versejador ata a rédea na mirada da amada e neste olhar se acende a quinta lua, uma lua de amor.






Aula Magna ministrada por Mia Couto, escritor moçambicano, que  abriu o 2º semestre do ano letivo da UFRGS


Poema da Quinta Lua