domingo, 25 de março de 2018

A IMPORTÂNCIA DA MEMÓRIA INFANTIL




Cores guardadas na retina dos tempos em que caminhar pelos campos até a escola era uma prática diária.

Muitas cores alternavam-se pelo trajeto. Verdes, azuis e rosas misturavam-se ao cinza que já se anunciava nas construções que despontavam aqui e ali.

Cheiros, aromas e perfumes, nitidamente diferenciados, porque a poluição ainda não os havia alterado.

Sons, cantos, mugidos, vozes que se alternavam nos folguedos e nos sussurros que aproximavam seres inocentes.

Raspas da panela e restos de massa, pronta para ser cozida e virar um bolo gostoso, exercitavam o paladar para futuras degustações.

Acariciar um bichinho com a mãozinha, aprendendo o afagar como caminho para o afeto, o carinho e o amor.

Os dedinhos e os olhinhos bem próximos de um outro ser vivo, não virtual. Um ser que se podia abraçar, não importando ser um igual a si, um animalzinho ou um ursinho de lã.

Aquela foi uma época em que uma mala significava apenas aquela do avô que trazia sempre um presente para a neta querida.

Tempos em que uma jabuticaba significava apenas uma fruta silvestre, só encontrada no nosso Brasil.

Hoje, ambas adquiriram uma conotação negativa porque foram contaminadas: pela política.

Houve época em que “apagar” era sinal de que velinhas acesas enfeitavam um bolo de aniversário e deveriam ser assopradas para que se consumasse a cerimônia da passagem de idade. Hoje, a expressão ganhou o entendimento banal e cotidiano de “passar alguém desta para outra”.

Tempos atuais em que o despertar de certas comunidades são as rajadas de metralhadoras e os tiros de fuzis.

Como involuímos!

O que diria o poeta Gonçalves Dias se assistisse a tantos brasileiros rumando a Portugal. Ele que, saudoso à sua época, por lá se encontrar, poetava sobre as aves que lá gorjeavam e que não o faziam como aqui, em nosso torrão. Aqui, eram mais maviosas. Aqui, tudo era mais primoroso.

Expressou este amor à terra brasileira em seu poema Canção do Exílio, Primeiros Cantos. Poema este em que foram inseridos os versos 7º e 8º, da 2ª estrofe, com pequena modificação, no Hino Nacional Brasileiro, no trecho:

“Nossos bosques têm mais vida, nossa vida em teu seio mais amores”.

Os versos 19º e 20º da 5ª estrofe do referido poema, com leve modificação, fazem parte, também, da Canção do Expedicionário:

“Por terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá”.


Que saudades do Inspetor Carlos, o inesquecível Vigilante Rodoviário, primeiro seriado produzido especialmente para a televisão na América Latina. Neste seriado, o vigilante manifestava o uso adequado da força nas situações em que era demandado. A TV Tupi, à época, com este seriado enfrentou com sucesso as produções “westerns” americanas. Este seriado infanto-juvenil apresentava o vigilante rodoviário Carlos e seu companheiro chamado Lobo, um pastor alemão. Foram heróis, sem dúvida, por longo tempo, com pontuação máxima de audiência. Respeito, admiração, competência, disciplina e efetividade nas ações de controle de variados crimes.

Parece que hoje, pelo menos, a nossa Polícia Rodoviária Federal ainda mantém os mesmos valores enaltecidos naquela série tão premiada.


Os olhos infantis de hoje, por outro lado, assistem a verdadeiras séries de violência em que personagens, mesmo que sob a aparência de bonecos ou de heróis de quadrinhos, alimentam cenas violentas, em nada contribuindo com o universo infantil e mágico da fantasia.

Agora, George Orwell, com seu atualíssimo 1984, expõe, de forma clara, os tentáculos de seu Grande Irmão – o Big Brother no original inglês – vigiando os indivíduos daquela sociedade imaginária e os tornando marionetes dentro de um cenário opressor, em que as “teletelas” mantêm este Grande Irmão como chefe supremo de um poder dominante. Tudo muito semelhante aos acontecimentos atuais que nos cercam.


Oxalá consigamos manter nossos sentidos livres desses fatores desestabilizantes. Que possamos discernir, com relativa clareza, o que é nefasto e o que ainda é passível de recuperação no plano dos valores éticos e morais.

Precisamos de um plano que nos soerga dessa massa fétida em que se transformaram algumas instituições desse nosso país.

E apenas com educação de qualidade poderemos voltar a sonhar com um país que nos devolva a alegria de aqui permanecer e de, novamente, investir naqueles que ainda tem a possibilidade de construir, porque pequeninos, uma memória infantil rica em referenciais éticos e morais. O resto será decorrência.

Sonhar é preciso. Investir em Educação é obrigação.


Albert Einstein disse certa vez:

“O estudo em geral, a busca da verdade e da beleza são domínios em que nos é consentido sermos crianças toda a vida”.

Então, digo eu, busquemos a verdade com todas as interrogações possíveis. Busquemos a beleza com os olhos da memória. Busquemos o estudo onde sempre há o retorno à origem do fato: o que já é uma possibilidade de retorno ao passado, à infância. Nela encontra-se nosso salvo-conduto consentido para toda a vida.

Cultivemos a memória infantil, porque ela dispensará as armas. E, assim, o amor poderá conquistar o mundo. Mesmo que este amor apenas represente o olhar carinhoso, trazido do baú da memória, de um ursinho que até virou inspiração para o poema AQUELE OLHAR, que segue abaixo.

Não esqueçamos que a poesia e a prosa poética sobrevivem porque elas representam a nossa humanidade expressa na palavra escrita. E esta encontra eco em nossos semelhantes, o que pode significar uma terapia e um motivo para nos aprimorarmos como espécie.













domingo, 25 de fevereiro de 2018

POR ONDE ANDARÁS?




Um cheiro fétido vindo de um líquido, que escorre pela calçada, tornou-se algo habitual, trivial. A chuva, prestes a cair, levará tal cena.

Puxadinhos, nos vãos das pontes, brincam de casinha e lá criam raízes.

Em cada esquina, expõem-se pelo chão, como se mesas fossem, produtos sem origem, sem nome, com aparentes donos a fornecer uma aparente licitude à atividade.

Um contêiner revisitado, a cada noite, e habilmente mantido aberto com uma pequena fresta por onde o ar e os sonhos se misturam. Ou os pesadelos?

Paredes escaladas que atestam que os desafios superados devem elevar a autoestima de quem os enfrentam: para o mal ou até para uma queda fatal.

Grades energizadas, câmeras: tudo para parecer mais seguro. Assistimos, porém, que chegar à janela também se tornou perigoso.

E o que acontece pelas ruas? Ultrapassaram-se todos os limites.

Chega!

Para que continuar?

Todos já sabem quais providências tomar, quais medidas a curto, médio e longo prazo devem fazer parte integrante de um plano de governo sério, ético, não suscetível à corrupção.

O cotidiano tornou-se algo incerto, elevado em seu grau máximo.


Como tomar banhos de lua?

Como deitar-se sob um guarda-sol apenas ouvindo o som do mar: sem preocupar-se com o entorno?

Como voltar, calmamente, a pé para casa depois de assistir, no nosso Gigantinho, a um espetáculo?

Como permanecer na praça próxima até o escurecer, aproveitando a companhia das árvores, o canto dos pássaros e a conversa com os irmãos da vizinhança?

Relatos de conhecidos dão conta de que, em sítios próximos à Capital, não é mais possível permanecer no pátio após cair a noite.

De onde fazer brotar a esperança se não temos mais o amparo de nossa mãe amada com a qual nos identificamos. Afinal, somos seus filhos.

Os relatos constantes de violência e as cenas que os acompanham, veiculados pelos meios de comunicação, embaçam nossos olhos já cansados, já ressequidos de tantas lágrimas derramar.

Estamos conectados com todas essas mazelas. Largados, porém, não ao sabor de suaves ondas, mas de tsunamis diários e constantes.

Como um remédio ruim de tomar, a informação tem que ser recebida como uma arma poderosa e única que permite que nos tornemos alertas e prontos à defesa pessoal ou da Pátria.

E é esta mesma palavra, trazida pela informação, que também pode nos salvar, vestida de poesia ou de prosa poética. Ela, que é escrita, falada, declamada e musicada, pode ser nossa salvação para que não entremos num processo de descrença em tudo e em todos.

Agora, o poeta porto-alegrense Félix Xavier da Cunha, nascido em 16 de setembro de 1833, patrono da Cadeira 3 da Academia Rio-Grandense de Letras, escreveu o soneto SETE DE SETEMBRO, transcrito abaixo, que, infelizmente, nos dá uma medida do tamanho do problema que ainda nos aflige e que assola o nosso país. 


De qualquer maneira, acredito ainda que ela, a palavra escrita, possa nos trazer um equilíbrio mente/corpo: tão necessário nesses dias atuais.

Enquanto isso, aguardemos que nossa Pátria/Protetora ressurja de onde estiver, sob qualquer vestimenta, e que nossa flâmula mantenha os dizeres que existem desde sua criação: ORDEM E PROGRESSO.




Notas:
  1. Soneto transcrito, em sua redação original, do livro Seleta em Prosa e Verso de Alfredo Clemente Pinto, 56ª edição, 1982, p.266.
  2. Título da crônica inspirado no primeiro verso do samba-enredo da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, campeã do Grupo Especial no Carnaval de 2018, no Rio de Janeiro.




 Beija-Flor 2018 - Letra e Samba






 

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

PARCERIA QUE SE IMPÕE




O que melhor do que a poesia para dizer o indizível. Por rimas tortas ou até sem elas, aventura-se no mundo do inexplicável. Apresenta-se como quem soçobra, mas que emerge, logo ali, travestida de cara nova, porque só ela, a poesia, pode transitar incólume entre o nefasto e o que ainda pulsa de esperança latente.

Em tempos assim, ela tem este condão de fazer imaginar e criar em cada indivíduo uma mensagem que ampara, que consola, que nos torna mais reflexivos.

Sorver a palavra poética é como degustar gota a gota, palavra por palavra, com seus intervalos para perder-se o olhar no entorno e no interior de cada um que está a ler.

A cada leitura de um mesmo poema sempre uma surpresa, porque refletir é o que nos faz humanos.

Seres humanos são polos de energia que concentram força e poder e, portanto, possibilidades de interação com seus semelhantes.

Mesmo sem rima, o ritmo está presente. E a parceria com a música é inevitável.

Difíceis tempos em que a imersão faz-se necessária.

Embora os temas, por vezes, sejam por demais destituídos de beleza, a poesia pode torná-los carregados de sonoridade, de ritmo, o que os torna passíveis de serem harmoniosamente descritos. E qualquer coisa que os torne palatáveis é um bom indicador.

A prosa poética, assim como a poesia, pode emergir de qualquer cena, por mais degradante que se apresente.

Nesta semana, os papagaios, conhecidos também por louros, que enfeitam com seu canto as manhãs do bairro, não se assustaram com o barulho dos helicópteros que sobrevoaram, em mesmo tempo e lugar, os domínios dessas alegres aves.

Permaneceram sobre os telhados, desafiadores como sempre.

Imprimiram som e ritmo para preservar seu território.

Tal qual eles, a palavra poética também, com menor alarde, é capaz de penetrar o subjetivismo de cada um e passar um recado: reflitamos e avaliemos.

Nada é claro, nada é explícito, embora verdadeiro.

A palavra poética, porém, pode explicar o inexplicável e, com certeza, abrir possibilidades de entendimento sobre fatos absolutamente nefastos.

Claro, tudo com as metáforas que dão colorido e até divertem àqueles que se debruçam sobre tais peças literárias.

Nestes tempos obscuros, haja muita prosa poética e música para nos manter informados com aquela dose de encantamento tão útil ao nosso equilíbrio físico/emocional.

Afinal, não podemos soçobrar.

 




Uma bela imagem que inspirou esta breve peça poética.

Que a força daquele canto, tornada melodia, corrobore a parceria.

Que ambas nos salvem desses difíceis tempos.