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sábado, 19 de maio de 2018

MÃOS... MENTES...

Maria Helena assistia àquela cena diariamente. Sempre que passava pela frente daquele estabelecimento bancário, sentado no chão, junto à grade do banco, aquele jovem lá estava com a mão estendida pedindo “um troco”. Algo deprimente.

Maria Helena achava que poderia tentar dar um encaminhamento mais digno para aquele ser humano ali jogado na calçada.

Um dia, resolveu parar para conversar.

E a conversa assim transcorreu:

- Oi, tudo bem?

- Tudo.

- Eu tenho uma ideia e vou te dizer qual é.

- Ah?

- A gente podia arranjar um emprego pra ti.

- Eu não sei fazer nada; só sei mexer em latinha.

-Pois, é isto aí mesmo: uma fábrica de processamento de resíduos sólidos, de latas... Que tal?

 
E Maria Helena continuou descrevendo as possibilidades que ele teria. Com espanto, porém, viu quando o jovem olhou para ela e disse:

-Eu não quero trabalhar.

Maria Helena, inconformada, continuou a discorrer sobre os benefícios que isso traria para ele, quando, novamente, foi interrompida pela frase:

-Eu não quero mais ouvir.

Diante dessa afirmação, dita pausadamente, Maria Helena foi-se rua afora, cabisbaixa.

Atualmente, passados uns dois anos, continua a encontrá-lo naquele lugar, tão seu conhecido, bem como em outros do bairro. Por vezes, está estirado na calçada a dormir. Quando acordado, senta-se junto aos muros.

E as suas MÃOS?

O que fazem?

Estendidas: pedem.

Recolhidas em concha: cheiram. Às vezes, fumam.



Giuseppe Artidoro Ghiaroni, poeta, radialista e jornalista carioca, escreveu o MONÓLOGO DAS MÃOS. Nele, o autor aponta inúmeras funções que nossas mãos exercem ao longo da vida.

Na realidade, depende de nós o bom ou o mau uso delas.

No caso do jovem adulto, elas são usadas para pedir, para drogar-se e não trabalhar.


Bem diferente do exemplo trazido em matéria publicada na data de 10 de maio, no jornal Zero Hora, página 22. Temos ali um exemplo de alguém que foi catador de latinhas, mas que virou empresário. Geraldo Rufino, 56 anos, foi palestrante na Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul). Expôs sua experiência de vida à plateia. Suas MÃOS, sem dúvida, foram usadas de forma inteligente. Carregava tudo o que poderia servir a si e aos outros. “O lixão, disse ele, foi um lugar “maravilhoso”. Lá, encontrava roupas, sapatos e brinquedos, além das latinhas. Eram 12 horas por dia recolhendo material que vendia para a reciclagem”.

Este é apenas um trecho do seu relato. A matéria completa pode ser vista ao final desta crônica.

E as MÃOS de Rufino?

Foram usadas para procurar, selecionar, carregar, dividir: para trabalhar.

E, assim, foi conduzindo a sua necessidade, atingindo momentos futuros que, com sua persistência e criatividade, lhe retribuíram com o sucesso de ser, hoje, um empresário. A sua frase “As pessoas agradecem muito pouco, lamentam muito e terceirizam a culpa”, revela a sua postura de um ser humano que atingiu o que buscava alcançar. Sermos construtivos, criativos, como digo eu, e responsáveis, como afirmou ele, pela própria vida, deveria ser um objetivo comum a todos.

Ah! Imaginem só!

Está feliz com o país que tem.


Não abordou a violência que grassa pelo país. Não era este o propósito de sua palestra.

Ao que parece transita, com otimismo, pela cidade em que se estabeleceu.

Cabe aos governantes resolverem o problema da violência.

E as MÃOS destes? Como estarão? Prometendo, desviando, destruindo, abandonando, iludindo, subtraindo, evadindo, entregando... (?)

Partamos para o construir, o encorajar, o trabalhar, o escrever, o reivindicar, o calcular, o exaltar, o aplaudir, o confessar, o exigir, o recusar, o condenar ou absolver, o reconciliar: verbos que constam do Primeiro Parágrafo do MONÓLOGO DAS MÃOS.

Tudo dependendo da necessidade do momento, em que se está vivendo, e dos atores envolvidos nesta nossa sociedade.

Para Rufino o Brasil é fantástico.

Concordo com ele.

Tudo depende de nós.


Agora, será que todos aqueles que estão se “dando bem”, também, não terão eles as MÃOS poluídas por algum desvio?

Maria Helena sempre se questiona. Com leis tão confusas, feitas com lacunas imensas, com meandros que exigem incursões malabarísticas, com exegeses (palavra bonita!) ou interpretações variadas: o que esperar?
MENTES esclarecidas são indispensáveis na avaliação do que nos cerca. Que elas se multipliquem e, insubmissas, não se conformem com a situação vigente.

Estarmos de prontidão para tanto é a missão que a nós todos cabe levar adiante.

Maria Helena permanece com o otimismo e o empreendedorismo de Geraldo Rufino: um exemplo a todos quantos desistem no meio da caminhada. Ou, como o jovem adulto sentado na calçada, nem ao menos tentam.






Fonte: Jornal Zero Hora de 10 de maio de 2018.





 


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O DONO DO ASSOBIO


Quer algo que está em desuso? O assobio.
E eram tantos os tipos de assobio, quanto os tons diferenciados que os caracterizavam.
Havia aqueles que faziam as moças, de antigamente, quase tropeçarem. Tomadas de surpresa pelo assobio galanteador, apressavam o passo ou o diminuíam, dependendo do momento e do lugar. E a autoestima ia às alturas. Hoje, a coisa é mais explícita. O assobio cedeu lugar à palavra. Por sua vez, acredito que ela tenha perdido a carga imaginativa que o assobio despertava.
Havia, também, quem costumasse assobiar para chamar alguém ou a atenção dessa pessoa. Hoje, essa prática cedeu lugar a um clique no celular que, com certeza, despertará a rápida atenção de quem estiver sendo chamado.
Ensina o dicionário que o assobio é um som agudo produzido pelo ar comprimido entre os lábios.
Agora, se existir entre os lábios um apito, teremos, igualmente, um assobio que soará por meio do sopro. Esses apitos ainda encontram-se entre nós com grande frequência na condução de manobras, na orientação do trânsito, em jogos e competições.
Houve, porém, o conhecido apito do afiador de tesouras que, hoje, está praticamente extinto. Raramente, ouve-se algum.
Outro velho conhecido era o apito das fábricas, coisa do passado, bem como o das locomotivas, o dos bondes. Todos ficaram perdidos na poeira do tempo. Aliás, Noel Rosa compôs o famoso samba Três Apitos, em 1933, que fez grande sucesso nas vozes de cantores da época. Lá aparecem os apitos da fábrica e a referência aos apitos dos guardas-noturnos, tão conhecidos naqueles tempos. Maria Bethânia gravou esse samba, em 1966, cuja letra pode ser ouvida no vídeo abaixo.
Ah! Tem o assobio do vento, lúgubre, que causa certo desconforto e até assusta. Claro que gaúcho não se assusta fácil e está acostumado com o assobio do minuano, atravessando as frinchas dos galpões.
Tem, também, por essas plagas o famoso Milongão Pra Assobiar Desencilhando.
Ambos os assobios, transformaram-se em músicas do cancioneiro gaúcho, conforme vídeos que seguem.
Alguns pássaros, como a Calopsita, assobiam, falam e até cantam. Ouçam este pássaro assobiando o Hino Nacional Brasileiro e, logo após, “falando”, isto é, repetindo frases para as quais foi treinado, em vídeos abaixo.
Entre nós, humanos, existem aquelas pessoas que entram em casa assobiando. Conheci algumas. Parece estarem sempre de bem com a vida. De bem consigo, eu diria.
Havia, também, aquele assobio, na frente de casa, que só ela reconhecia.
Bem antigamente, o assobio de reprimenda para que o cusco não fizesse algo que não devia. O assobio, hoje, foi substituído pela voz materna de “meu amor não faça isso”.
Agora, um assobiar que não se cansa jamais de assobiar é o de um cidadão que percorre, há bastante tempo, o bairro Menino Deus, um dos mais tradicionais da nossa Porto Alegre.
É uma pessoa franzina, de baixa estatura, de meia-idade, que pedala sua bicicleta recolhendo latinhas para vender nos galpões de reciclagem. Os sacos vão pendurados ao redor da bicicleta e vão se enchendo sempre ao som do assobio de seu condutor.
Esse assobio é encantador porque nos acorda, nos sacode, nos faz refletir sobre o que sustenta um ser tão apequenado de posses materiais, mas tão grandioso no seu enfrentamento com o dia a dia.
Em conversa com o cidadão, percebe-se que é uma pessoa plenamente hígida de suas faculdades mentais, responsável, e que tem uma receita simples e básica para tanta disposição: tem saúde.
Segundo ele, quando se tem saúde, tem-se tudo. O resto vai-se arranjando, do jeito que dá. É um cidadão com residência fixa e com uma esposa que se aposentou, ao que parece, pela condição de idosa carente. Ele, por sua vez, aguarda ainda mais uns dois ou três anos para se aposentar. Não sei se será pela mesma forma.
Não me perguntem como é a casa desse cidadão. Sei onde mora, embora não tenha ido visitar tal rua, ainda. Seja de que tipo for, está lá, no mesmo endereço, por já 30 anos, segundo ele.
Pois é, esse assobio vale muito, vale ouro para ele próprio e para quem o ouve passar, vários dias na semana, pelo bairro.
E quem dá cor e vida a esse assobio, cujas melodias, embora não perfeitamente identificáveis, mas todas em tons maiores como manda a alegria, é um cidadão de bem com a vida, de bem com o mundo. Declara-se feliz, pois possui o bem maior que o trouxe até aqui, até hoje: sua boa saúde.
Acredito que ela o acompanhará até os seus últimos tempos.
Como tudo o resto que por aqui adquiriu ficará por aqui, desde as latinhas até o pouco que conseguiu juntar em haveres, o que permanecerá será mesmo a lembrança da figura singela, porém marcante. Não por possuir demais, mas por possuir a consciência do único bem maior: a nossa saúde.
A nós todos cabe, apenas, homenagear o dono desse assobio.
Que ele continue despertando a atenção, dos que com ele cruzam, para o essencial da vida: estar em paz e ser feliz.
É! Estamos precisando de mais gente assobiando.






Três Apitos  - Maria Bethânia




Quando Sopra o Minuano – Os Serranos




Milongão Pra Assobiar Desencilhando – Luiz Marenco




Calopsita assobiando o Hino Nacional Brasileiro



Calopsita falando



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Comentário via Facebook:
Maria Odila Menezes
escreveu:
 Adoro ouvir o assobio dos pássaros! Confesso que eu,também, gosto de assobiar!!!rsrsrs Parabéns, Soninha, pela bela crônica!