terça-feira, 18 de setembro de 2018

AS CAVERNAS



Com os olhos semiabertos, Chico aguardava os primeiros raios de luz por entre as persianas. Uma delas ficava meio entreaberta e era por ela que Chico se esgueirava indo espreguiçar-se na beirada da janela.

Elegeu este lugar, todas as manhãs, como seu. Não era chegado a sombras. Queria luz. Queria espiar os transeuntes que se deslocavam, cedinho, para o trabalho. Até os cumprimentava, sacudindo o rabinho. Claro, quando brincavam com ele, enviando miaus miaus a torto e a direito.

Paulinho, seu dono, também não era chegado a sombras. Entendia bem o comportamento de Chico naquela janela, todas as manhãs.

Aliás, Paulinho, que começava a estudar Filosofia no Ensino Médio, sentiu um estranhamento quando soube da existência daquela alegoria que Platão, filósofo a quem admirou desde o início, criara para explicar o que seria um Estado ideal. O Mito da Caverna despertou em Paulinho, desde o início, muita curiosidade.

Estudando Platão, descobriu porque nunca fora chegado a sombras. Aquela caverna, que Platão criara, com toda aquela “manada” olhando para sombras que se movimentavam, pensando que aquilo era uma realidade, nos deixa a pensar sobre os momentos atuais.

Como Platão bem demonstrou apenas o conhecimento representado pela luz, que se encontra fora da caverna, é que pode trazer o mundo real para quem nele sempre esteve inserido. Apenas, porém, ofuscado pelas sombras do desconhecimento, da perda da linguagem e da educação em seu sentido lato: fatores relevantes na formação do Estado ideal.

Hoje, estaremos, através da tela de um celular, vendo a realidade?

As sombras não estarão ali presentes?

A parede da caverna não se terá transformado numa telinha?

A educação e o conhecimento terão que ser dimensionados de uma forma bem mais profunda.

Um novo comportamento, de quem não dispensa a telinha, é o atual FOMO, sigla em inglês (Fear of Missing Out) que significa “medo de estar por fora” e que pode tornar-se uma patologia, considerando já os altos índices de ansiedade entre os internautas. Uma telinha que fornece, inúmeras vezes, versões idealizadas e não o real.

E a Caverna de Platão?

Lá, a alegoria serviu para apontar o efeito “manada”. A ignorância levada, pelos interessados da época, às massas.

Hoje, é claro, a telinha tem aspectos positivos relevantes. Abre-se um mundo de possibilidades e de intercâmbios. A checagem, porém, tem que ser constante. E, convenhamos, o leitor de um livro impresso com autor, editor, prefaciador tem, nestas pessoas, uma maior certeza da veracidade e correção de tais escritos, pois têm eles um nome a zelar.



E a caverna do Ali Babá e os 40 Ladrões?

Como se sabe, Ali Babá é um personagem fictício, baseado na Arábia Pré-Islâmica. Há algumas versões diferenciadas. Faz parte das Mil e Uma Noites, obra clássica da literatura árabe.

Em uma das versões simplificadas, Ali Babá viajando pelo reino da Pérsia, a serviço do rei, um dia encontra 40 ladrões que, pronunciando a frase “Abre-te, Sésamo”, em frente a uma grande pedra, entram em uma caverna. Ali Babá, escondido, fica ali a observar. E constata que, ao saírem, pronunciam a frase “Fecha-te, Sésamo”.

Então, seguindo este roteiro, entra na caverna e constata que lá estão escondidos verdadeiros tesouros. Pega o que pode e leva-os como dote, oferecendo ao rei para que este consinta no casamento com a sua filha. E, claro, o rei aceita aquele valioso dote.

Mas, agora, Ali Babá precisava comprar um palácio para a sua amada com quem iria casar-se. No seu retorno à caverna, Ali Babá foi visto por um dos ladrões que contou aos demais o que estava acontecendo. Planejaram, então, comparecer à festa de casamento, escondidos em tonéis de vinho vazios. Só que, durante a festa, o vinho acabou. Ali Babá foi à adega e lá ouviu um sussurro e o acerto dos ladrões para o ataque contra si. A partir daí, Ali Babá convocou alguns guardas, sob a desculpa de que os vinhos estavam estragados e que precisava jogá-los fora, despenhadeiro abaixo. Ao perceberem que seriam mortos, entregaram-se aos guardas. E Ali Babá ficou com todo o tesouro. Ele e sua amada, então, viveram felizes para sempre com a fortuna encontrada.

Ou roubada?

Acho que, se os ladrões conhecessem, à época, a Delação Premiada, teriam usado dela.

Daí, com certeza, todos restariam felizes para sempre.

Afinal, conforme diz o provérbio, “ladrão que rouba de ladrão tem cem anos de perdão”. Não é assim?

Cavernas que dão o que falar desde sempre.

Nas telas, com os olhos fixos da manada em cenas muitas vezes irreais, como as sombras projetadas na parede da caverna de Platão, ou em apartamentos/cavernas, onde o Abre-te Sésamo expõe tesouros. As cenas se repetem.

Ah, Platão! Temos que continuar perseverando no bom caminho.

Que Chico continue procurando a luz. Que ele movimente o rabinho, agradecendo o contato daqueles que já são seus admiradores diários naquela janela iluminada pelo sol da manhã.

Que Paulinho abra as persianas e continue pelo caminho do saber, do comparar, do refletir, do criar, do transformar e do fazer diferente. Que suas aulas de Filosofia lhe tragam uma esperança nesta sua caminhada.

Força, Paulinho!



Enquanto isso, ouça o belo samba Esperanças Perdidas do compositor Délcio de Carvalho.

Ele, o samba, que serve de corda para alçar a caçamba que é o próprio autor e seus sonhos mantidos vivos.

Agora, por favor, esqueça um outro significado para o verbo caçambar que é delatar, denunciar.

Com certeza absoluta, não foi este o significado da palavra usada pelo compositor. É! Rir ainda é um bom remédio para tantas mazelas que nos afligem, que nos cercam.





Samba Esperanças Perdidas – Grupo: Os Originais do Samba






sábado, 8 de setembro de 2018

CORTES... E CORTES

















Este corte valeu a pena. Foi um corte metafórico e sensual: inesquecível.

Agora, quando Dona Isaura deu-se conta de que suas mãos estavam muito enrugadas, assustou-se. Seu invólucro parecia já não valer grande coisa, dizia ela. Mas, como era uma mulher de fibra e batalhadora, enxugou as lágrimas e procedeu a um inventário de suas realizações e, para sua surpresa, readquiriu sua autoestima, considerando a importância do que resgatou de sua memória. Também chegou à conclusão de que o importante não é o invólucro, mas o conteúdo. E cortou, pela raiz, aquela sensação de menos-valia.

Outro corte que valeu ter sido dado. Também ele gerou um recomeço interno, inesquecível: um divisor de águas.

Estes são cortes metafóricos que se dão muito bem com a poesia e com nossas vivências interiores que, via de regra, também se tornam poesia.

Cortes que registram rupturas com situações-limite em relacionamentos insustentáveis. Cortes que só nos fazem bem. Cortes que nos abrem novos caminhos a serem trilhados. Cortes que melhoram e reforçam o nosso conteúdo, porque o invólucro não é o principal.


Agora, como podemos entender cortes de verbas na preservação da nossa cultura? Naquilo que representa um patrimônio não somente nacional, mas também da humanidade?

Mais uma vergonha nacional soma-se a outras tantas. O Museu Nacional é apenas mais um na lista, agora, daqueles que já foram consumidos pelo fogo.

É desalentador saber que cantores, bandas e outros nomes da esfera artística recebem polpudas verbas para que usem na montagem de shows.

Agora, museu é lugar só de velharia, dirão alguns.

Pra que memória? Pra que pesquisa?

Os antepassados “já eram”...

Como podemos nos desenvolver como cidadãos conscientes de nossa importância hoje, vivenciando o século 21, se não mantivermos a nossa memória viva, conhecendo a nossa trajetória neste planeta desde remotas eras?

Foi com comoção que assistimos à devastação do Museu Nacional em chamas.

Algum culpado? Não.

Foi uma fatalidade!

E, ainda, para maior vergonha foi aceitar doações em dinheiro, de países estrangeiros, para reconstruir-se o que jamais poderá ser reconstruído. Claro que a contribuição dos cientistas e estudiosos, no levantamento das pouquíssimas peças que restaram, sempre é válida.

Neste caso, como os outros citados no início, o invólucro não é o importante. Suas paredes não são o repositório da história da humanidade.

O importante era o CONTEÚDO: um verdadeiro tesouro.

Um tesouro que exigia PRESERVAÇÃO CONSTANTE.

Assim como cada um de nós possui um tesouro interno, que tem que ser preservado, porque o invólucro não é o principal.

O principal é o conteúdo.

E este conteúdo do Museu Nacional está EXTINTO PARA SEMPRE.

Este “CORTE” foi fatal; este DESCASO, INACEITÁVEL E INESQUECÍVEL.











quinta-feira, 30 de agosto de 2018

UMA PARCERIA PRODUTIVA



Ele é vivo. Ele é audível. Ele permite escutar as batidas de um coração. Ele conduz ainda ao processo criador e, também, ao sono profundo.

Ele dá tempo ao tempo que se escoa. Imerso nele, sua audição torna-se extremamente sensível a qualquer barulho, embora distante.

Assim como aquela menininha, que ouvia o bater das folhas secas no chão de terra endurecida, a menina Rosinha, hoje, bate o sapatinho sobre o piso frio, só pra ouvir o barulhinho que dali surge.

Da mesma maneira, depois das bases da construção e do edifício erguido, vem o silêncio para que seus ocupantes desfrutem, em harmonia, a ocupação desses espaços.

É o desfrute de um silêncio que exigiu muito barulho anterior. O produto, porém, foi contabilizado como positivo.

O barulho é condição para que o silêncio se instale logo após, seja reconhecido e produza algum efeito.

Assim como a menininha que conhecia já tantos barulhos diversos e que, no silêncio daquela tarde, reconheceu o som da folhinha seca batendo contra o chão. O som de um silêncio que guarda, até hoje, na memória.

De igual forma, depois de um recreio movimentado naquela escolinha, um silêncio habilmente administrado se instala e todos se irmanam num silêncio produtivo.

Para que as bases do silêncio sejam produtivas o barulho é polo motivador e propulsor.

Mal comparando, seria o conhecido “depois da tempestade vem a bonança”.

Após um dia estafante, em que o trabalho, as ações, os projetos foram levados adiante, o descanso, assim como o silêncio, assumem uma posição primordial.

O enfrentamento diário das ações pessoais culmina com o produto dessas ações e o consequente desfrute de um descanso cujo agente em evidência é o silêncio.

Mas e quando o barulho, a gritaria e as promessas regurgitam dos candidatos, nos palanques, à procura das “bases”, aquelas que constroem efetivamente uma nação?

Em regra, qual é o produto após esta tempestade de promessas?

Será a bonança? Não!

Será o silêncio? Sim!

Pois, meus caros, este silêncio é o resultado destas tempestades verbais. Este não é um silêncio produtivo. Este é o silêncio do descompromisso, do esquecimento, da desfaçatez, do descaso, do puro interesse eleitoreiro. Desse silêncio não precisamos.

O silêncio produtivo é aquele que apresenta resultados efetivos, favorecendo os momentos de bonança àqueles que labutam diuturnamente na construção de um país. A esses sobra, neste momento, o silêncio necessário para que reflitam e busquem candidatos que se afastem do silêncio do dia seguinte às eleições e promovam o barulho necessário para que a construção das promessas se torne realidade. Um grito que faça a diferença: é o que se precisa. Um grito que promova condições para que o silêncio produtivo seja possível. Um silêncio capaz de assegurar um sono tranquilo, pois o renascer do dia estará garantido pelo pleno emprego, segurança, saúde e educação.

Basta de tempestades verbais, finalizadas por silêncios vergonhosos.

Agora, o que surpreende é o silêncio “das bases”, sempre procuradas, aduladas por todos os tipos de promessas.

Diante deste silêncio, que é o pior de todos, poderemos assistir à construção de nossa pirâmide social ruir, pois suas “bases” são manipuladas. Haverá, então, o silêncio dos inocentes levados pela catástrofe nacional. Silêncio e barulho produtivos andam juntos. Construir e usufruir são irmãos que nunca deveriam afastar-se. Um após o outro: para sempre. Assim, constrói-se uma nação.