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sexta-feira, 24 de abril de 2015

O VAZIO PLENO

O cheiro de bergamota, o do caqui-chocolate e o da laranja no pé...

O barulho do balde batendo na água, no fundo do poço...

O banco de praça servindo de mesa para o café da manhã da Mariazinha e do Joãozinho, bonecos tão amados...

O galpão que guarda tantas quinquilharias...

O balanço que carrega Juquinha de cá pra lá, de lá pra cá...

A cortina que esconde o presente de Papai Noel...

A parreira que quase não dá uva, mas compensa com uma sombra benfazeja...

Um cachorro que cuida do pátio e caça minhocas quando essas se aventuram para fora do canteiro das hortaliças...

Um olhar que procura a lua, pois sabe que é de lá que vem aquela luz que fascina e que mostra o caminho do céu...

Um caramanchão de flores que enfeita o portão de entrada do jardim...

Uma parede de hortênsias, quase sempre florida, enfeitando a janela do quarto...

Um porão que guarda um pote de manteiga, em dias extremamente quentes, para conservá-la fresquinha, pois não se tinha ainda adquirido o tão sonhado refrigerador... 

E que guarda mistérios, por vezes...

A cerca que esconde por entre as tábuas a figura da amiguinha que, de quando em quando, aparece para brincar...

Os pintinhos que acompanham a galinha Mindinha, todos juntinhos, na caminhada matinal...

A colmeia, muito respeitada, existente no fundo do quintal e só visitada por quem sabe colher o mel...

A pata Isadora que acabou morrendo por causa do galo Teodoro. Evento que, à época, ultrapassou a compreensão infantil...

Uma casa, um pátio, um jardim, um céu...

Uma menina sozinha e muitos livros: um universo para viver e sonhar.



Era uma solidão plena. Plena de imaginação, de cenas criativas, de sonhos e também, por vezes, do medo do desconhecido que se colocava fora do portão de entrada da casa. Nada tão assustador, porém, que não se desintegrasse pela alegria de percorrer poucos metros até alcançar outro portão: o da primeira escola que a menina passou a frequentar a partir do 1° ano.

Uma solidão que se desfez no encontro com os colegas de aula e na relação com os professores, que sempre tanto prezou.

E tudo mais ainda melhorou quando iniciou os estudos de música. Como afirmava Arthur da Távola, reconhecido jornalista, escritor, professor e um grande conhecedor da música clássica e erudita:

“Música é vida interior. E quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.”

Um aparente vazio. Nada que um pátio desafiador, que a música, os livros, a lua e as estrelas não tenham preenchido.

E quando o dia anoitecia a imaginação percorria os campos férteis, lavrados ao sol e regados pelo suor das atividades desenvolvidas ao longo desse dia.

E assim caminhava a menina.



Nos embates do cotidiano, ela continua ouvindo, lendo e criando, sempre que possível.

E, principalmente, olhando, observando, conversando... E, novamente, olhando, percebendo, sentindo...

Sentindo, como se naquele pátio ainda estivesse.

Imaginando, como se aquela lua e aquela estrela fossem suas companheiras permanentes. E elas o são, ainda.

Criando, como se tivesse por missão preencher o constante vazio que deve estar para sempre pleno. Pleno de sonhos e de ações concretas. Pois é isto o que somos: aquilo que sonhamos. Para tanto, a menina acredita que deve fazer acontecer.

Esta é a verdadeira solidão plena e produtiva: aquela em que se tem espaço para sonhar e para fazer acontecer. Reconstruir com os pedaços um novo todo: é sempre desejável. 

É o que se busca com o poema RESCALDO. Transpondo-se para o universo infantil, AQUELE BICHINHO traz o desejo expresso de “reconstrução” e “continuidade” por quem tem nas mãos tal possibilidade. Neste, a ternura e a fantasia andam de mãos dadas. Em ambos, é bom estar preparado, sempre, para um novo recomeço. Um lugar em que o vazio não se instale, pois um recomeço é a capacidade de torná-lo pleno: pleno de sonhos e de realizações.

Vazio? Que vazio?

Seres pensantes nunca se encontram vazios. Pensar já é um exercício. E que exercício!

Há quem considere a possibilidade concreta do vazio pleno ou do alcance de uma espiritualidade profunda, desapegada de tudo e de todos. Deixemos isto, porém, para o depois. O depois que não exija nada mais de nós: nem o ato de pensar. Aí, quem sabe, o vazio finalmente apareça. Isto, porém, deve ter existência em outra dimensão.

Fiquemos, por ora, com a capacidade única de sermos criaturas e criadores de novas criaturas. E isto, com certeza, torna o nosso vazio totalmente pleno. “Dá um trabalho danado”, mas é extremamente gratificante.

Trazermos os sonhos de infância e a imaginação criativa, que nos acompanha desde sempre, para um cotidiano de realizações pessoais. Este é o nosso destino por aqui. Ou não é?


Relembrem a música VELHA INFÂNCIA, composta por Arnaldo Antunes, integrante do Trio Tribalistas, que busca na letra aqueles referenciais infantis do amigo, do canto, da dança, das brincadeiras, do clarão da lua, da escuridão, tudo o que nos torna seres sonhadores, pois de sonhos somos construídos. E é na infância onde eles brotam. E temos de tê-los, mesmo que utópicos.


Eduardo Galeano, nosso reconhecido escritor sul-americano, recentemente falecido, afirmou que a utopia serve para que não deixemos de caminhar. Caminhar, digo eu, em busca deles: os sonhos.









Velha Infância – Marisa Monte 









segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

COMO SEMPRE... MAS E O DEVIR?

O olhar perdido no horizonte, não está tão perdido assim. As margens, de onde este olhar se lança, estão plácidas. E o céu ainda está azul. O som do mar é um acalanto e a luz, no fim do horizonte, é pura inspiração. As nuvens, lá no infinito, não parecem querer dizer grande coisa. 

Belas imagens, todas nascidas da natureza e ao dispor de quem se detenha a observá-las. Há quem confira a estes momentos, curtidos em fins de semana, ou nas férias, descanso merecido depois de um ano de trabalho, uma espécie de trégua no conflito diário da sobrevivência.

Na verdade, porém, de forma contínua, poderíamos ter estes vãos de paz com uma imaginação estendida para o infinito, chegando-se, simplesmente, à janela e erguendo nossos olhos para as copas das árvores, ou até mesmo acompanhando o caminho de volta aos ninhos dos passarinhos que dão rasantes por sobre os telhados das casas, ou sobre os edifícios que, de tão altos, exigem mais ainda imaginação. Quem sabe este recarregar de baterias esteja na audição de um som ao gosto muito pessoal de cada um, importando apenas que nos permitamos surfar no embalo de melodias as mais diversas. Ou, ainda, que a orelha daquele livro seja tão convidativa que a leitura se instale como prática constante, sempre que possível. Ou pode ser que as glicínias, no pátio do vizinho, lembrem que a arvorezinha da felicidade está precisando de mais adubo e água. Afinal, nada e ninguém sobrevive sem água.


O que se vê nos finais de ano, como sempre, são as mesmas palavras repetidas, à exaustão. O desfilar do palavreado começa nos dias que antecedem o Natal e se estende pelos dias seguintes até que, da noite para o dia, literalmente, adentra-se ao que se convencionou chamar de novo ano. Votos e mais votos são expressos, reiteradamente, a cada novo ano. Para que tudo seja melhor, para que tenhamos renovado vigor na azáfama diária do sobreviver: são os nossos desejos.

Na verdade, esquecemo-nos de reservar, diariamente, alguns instantes que sejam para pousarmos o olhar no belo que nos cerca. Quem sabe, o canto de alguma espécie urbana desperte em nós o sentimento de comunhão que une animais e pessoas. Sem pregar qualquer tipo de alienação, que sempre é danosa, reserve o olhar não apenas para as cenas dos noticiários, mas para assistir a um bom filme. Ou, melhor ainda, para a leitura de um bom livro. Aliás, é bom não esquecer que as imagens que criamos a partir do que lemos são mais ricas do que aquelas outras jogadas sobre nós, prontas, onde a emoção pura, às vezes, não nos dá tempo para refletir. E um livro proporciona, além do conhecimento, dois ingredientes fundamentais, sempre de mãos dadas, que nos enriquecem ainda mais: a imaginação e o poder criador.

Vejam o que a leitura oferece à imaginação, acompanhando os exemplos abaixo:







Também, simplesmente, podemos pousar o olhar no infinito. Ele revela muito e é para onde se ergue, nos finais de ano, um cálice de brinde ao já conquistado e ao desejo do melhor que está ainda por vir.

Agora, se o olhar revelar apenas vazio e nada de lá extrair, estará na hora de mudar. Talvez, aquela mudança sempre tão almejada, mas pouco batalhada. No fundo, tudo requer compromisso. Até para se ser feliz e desfrutar desta conquista é preciso comprometer-se consigo e com o outro. Nada melhor do que o compromisso, convictamente firmado, para mudar o panorama do “como sempre”.

O que se deseja é que o dia se apague numa lenta e contínua escuridão e renasça numa clara manhã com os primeiros raios de luz a iluminar as coisas e as gentes. Como sempre acontece todas as manhãs de todos os dias e, em especial, daquele que se apelidou de dia primeiro do novo ano.

E isto é pouco?

Não é! Claro que não!

Quem está envolvido nesta tarefa do apagar e acender as luzes do Universo é alguém, indiscutivelmente, superior: o seu próprio Criador. Ele, ao que parece, vem cumprindo com o seu compromisso, como sempre, há muito tempo.

Caberá, então, às suas criaturas despertar da letargia de um discurso do “como sempre” para o compromisso de um diferente devir. Melhores dias dependem, em grande medida, de nós mesmos.

Guardemos mais momentos para o encontro consigo próprio, como também para o convívio com os demais.

Contemplemos mais, pois isto soma, embora pareça, às vezes, perda de tempo.



Ah! As flores das glicínias do vizinho já se foram. Ficou somente a planta, que também é bonita. E a árvore da felicidade, aquela que andava com sede e meio enfraquecida, já está recuperada e pronta para iniciar o novo ano com o pé direito.

E, como sempre, de repente, da noite para o dia, estaremos em 2015. Disso o Criador se encarrega.

Ao devir, vamos dar uma mãozinha. Sensibilidade, imaginação, criatividade, muito estudo e trabalho e, sobretudo, paixão pelo que se faz são os ingredientes que farão toda a diferença no chavão “como sempre”.

Que o ano de 2015 seja melhor do que os anteriores.

Para tanto, há que ter, igualmente, fé, otimismo e esperança. Que o Criador, também ele, dê uma mãozinha no nosso devir.

Afinal, Ele sabe de tudo bem antes. E administra, muito bem, os amanheceres e anoiteceres: aqueles fenômenos por nós observados a olho nu. Os demais, também Ele e somente Ele conhece. A nós cabe apenas chamá-los de mistérios da vida.



Daí, o pedido de uma mãozinha. Se não for pedir demais, é claro!




Dias Melhores – Jota Quest 

Os Incríveis – Marcas do que se foi 






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Comentários via Facebook:

Maria Odila Menezes: Obrigada Soninha pelos momentos sublimes que tens proporcionado a todos nós leitores e admiradores das tuas inteligentes e criativas crônicas. Que conserves sempre a poesia na alma e o amor no coração! Feliz e Próspero Ano Novo!

Amelia Mari Passos: ''O que se deseja é que o dia se apague numa lenta e contínua escuridão e renasça numa clara manhã com os primeiros raios de luz a iluminar as coisas e as gentes.' Soninha Athayde. Aiii minha flor precioso é teu cuidado e esmero, que Deus continue ao teu lado te mantendo o olhar no que é essencial Amei. Tudo.Um beijo com carinho.Obrigada.




sexta-feira, 7 de junho de 2013


APESAR DE TUDO 


Rolam notícias de todos os cantos do mundo e por todos os meios de veiculação possível. É quase um tsunami diário. E a maioria, invariavelmente, de conteúdo negativo, que em nada estimulam ou favorecem o nosso viver diário. São os homens destruindo a natureza, como um todo, entredevorando-se, socialmente falando, matando, esfolando, estuprando, ludibriando, corrompendo, disseminando venenos por todos os lados (alimentação, sementes, drogas lícitas e ilícitas, poluição em todos os níveis).

Acordar-se, pela manhã, e acreditar que, apesar de tudo, vale a pena encarar mais um dia, é fundamental para um viver equilibrado e satisfatório.

Se os conglomerados financeiros dominantes fizerem as Bolsas caírem ou subirem, nada disso modifica a vida do Francisco, vigia que cuida do supermercado. Parece que se a economia estiver indo bem, segundo os maiores interessados na sua divulgação, os governantes, Francisco sofrerá os impactos positivos dessa aparente estabilidade. Isso é pura falácia. A verdade é que pouco do que ele percebe ao seu redor tem modificado para melhor. Suas necessidades básicas continuam carentes de atendimento satisfatório.

Então, todas as suas carências, somadas à avalanche de notícias negativas, vindas de todos os lados, acarreta-lhe a necessidade de um esforço redobrado a cada manhã. Levantar-se e, apesar de tudo, continuar com a esperança de que as coisas vão melhorar. Jogar para o futuro o que, por ora, está difícil de vislumbrar.

Acredito que, nesse instante, as combinações genéticas presentes no DNA é que falarão mais alto. Que bom se todas elas tendessem ao bem, ao correto e que estivessem a serviço da força interior, que deve animar o nosso corpo, bem como da luz que, igualmente, deve nos iluminar durante essa jornada.

Pois é desse tipo de DNA que iremos falar.

José Luiz Camboim Moni, que vive embaixo de um viaduto da BR116, em Esteio, é um fruto que, ao que parece, deu certo. Demonstra garra ao apegar-se àquilo que encontra ao seu dispor, a saber: conseguir estar entre os primeiros alunos de sua classe, com excelentes notas, cursando a 8ª série da Escola Estadual de Ensino Fundamental Ezequiel Nunes Filho, em Esteio. A mãe presente, nas mesmas circunstâncias de vida, é importante para o seu desenvolvimento. As condições em que vivem são bastante ruins: sob um viaduto, num constante barulho de um trânsito pesado e sob uma poluição, também constante. A reportagem, transcrita abaixo, revela detalhes da situação em que se encontram.

A partir da reportagem publicada em Zero Hora, na data de 05 de junho, a TVCOM levou ao ar uma entrevista, que pode ser acessada abaixo, com a jornalista Kamila Almeida e o fotógrafo Tadeu Vilani, autores da matéria.

Presente ao encontro, o ex-menino de rua Jorge Luis Martins, que viveu, conforme relato próprio, em situação de constante risco, absolutamente sozinho em nossa Capital, desde os 10 anos de idade.

Os pais de Jorge já não existiam mais há algum tempo e a avó que lhe dava apoio, acabou também por falecer, quando ele tinha apenas 10 anos de idade. É, também, um relato comovente e que a todos deveria motivar para que se tentasse encontrar soluções para tão graves situações existentes ao nosso redor.

Em uma ou outra situação, observa-se a presença de um familiar que é, no caso de José, ou foi, no caso de Jorge, figura importante na transmissão de valores. No caso de Jorge, a promessa à avó, em seu leito amparado por quatro tijolos, segundo suas próprias palavras, de que seria um homem de bem e alguém na vida, a partir de três valores: respeito, vergonha e trabalho. Diz, ainda, que agradece a Deus por ter chegado aonde chegou, mantendo a saúde mental.

Agora, é inquestionável que uma força maior, uma força interior, que extrapola todo e qualquer auxílio externo, acompanha a caminhada de alguns desses guerreiros do asfalto.

Isso, por outro lado, não nos desobriga como cidadãos a exigir a implantação de políticas que deem apoio a essas verdadeiras cruzadas “solitárias” em busca de sobrevivência digna.

No caso de Jorge, hoje adulto, escritor, corretor de imóveis, ator, possuindo uma locadora de veículos, ainda estudando, sua luta está registrada em livros, o que o credencia a dar palestras em escolas, levando a sua história a quem dela precisa como estímulo a vencer as dificuldades que, com certeza, são infinitamente menores do que foram as do palestrante.

Com José, acontecerá o mesmo. Num futuro, servirá de exemplo a outros tantos menores que vivem nessas condições precárias, por absoluta inércia de uma sociedade tíbia em exigir que o Estado concretize ações efetivas no encaminhamento, pelo menos, daqueles em que a luz interior ainda brilha intensamente, apesar de tudo. Aliás, José já é um vitorioso e um exemplo a tantos outros que, embora em condições privilegiadas, não se esforçam como ele, que recebeu diploma de melhor aluno do ano de 2012.


Parabéns ao José!

Fica o aplauso às pessoas que se sensibilizaram com o caso presente. Isso, porém, ainda é muito pouco. Restam muitos outros que já se encontram em completa escuridão.

Parabéns aos autores da matéria jornalística.

 
OLHARES QUE BUSCAM SÃO OLHARES QUE ENXERGAM.

POR ISSO, ENCONTRAM.


E isso faz toda a diferença.





 Menor Abandonado - Zeca Pagodinho
 
 
 

sábado, 12 de novembro de 2011











O ENCANTO QUE SE RENOVA


A imagem trago na retina.

A menininha se esgueira por entre as prateleiras e logo surge com um livro infantil. Senta-se no degrau que havia na antiga Livraria do Globo, entrada pela Rua José Montaury, bem no meio da loja.

Sofregamente, começa a leitura, virando as folhas com relativa rapidez. Por vezes, se detém em uma ou outra página, olhando com atenção as gravuras que acompanham a história. Já sabe ler. É um encanto vê-la absorta daquela maneira. Bem antes que eu faça as compras necessárias, lá está, novamente, ela com outro livro. Eu que também pretendia comprar algum livro para ela, nem sei mais qual devo adquirir. Aqueles já lidos, não há mais interesse. Então, juntas, eu e minha filha, escolhemos outro para ler “em casa”.

Assim é que se criam leitores: oportunizando-se o acesso aos livros.

Agora, lá pela década de 30, em Santa Maria, a avó dessa menininha já possuía o amor pela leitura. Embora tivesse apenas frequentado as séries iniciais do Curso Primário, teve acesso, à época, a uma biblioteca pertencente a um famoso médico da cidade.

Junto à janela, sob a luz do luar (a energia elétrica andava racionada), pois só dispunha da noite para desfrutar desse prazer, ela, que criava os irmãos mais jovens, pois a mãe falecera precocemente, leu obras universais. SONIA OU O CALVÁRIO DO POVO RUSSO, romance em fascículos, de Ivan Kossorowsky, versão portuguesa de Alfredo Castro, foi apenas uma delas.

Eu, que vim bem depois, fui registrada com o nome de Sonia, em razão do nome da heroína do referido romance.

Os livros têm uma enorme importância em nossa vida.

Anos mais tarde, já frequentando o Curso de Letras, tive que ler inúmeros livros. Autores brasileiros e portugueses foram revisitados por nós, alunos, ao longo do curso. E nesse período, minha mãe, que se acostumara a ler por prazer, manteve essa necessidade ao longo de toda a minha graduação. Lembro, com clareza, dela lendo, por inteiro, livros como o Chapadão do Bugre, de Mário Palmério, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa e tantos outros autores nacionais e também portugueses.

Que magia há por trás do ato de ler!

Abeberar-se no texto, jogar-se com o autor, de cabeça, nas paisagens descritas, nas cenas comoventes, ver-se desnudo, de repente, a partir de traços psicológicos desenvolvidos pelos personagens, é uma experiência indescritível. Deparar-se com trechos que aguçam nossos sentidos, que nos levam a sentir aromas, cheiros, calor ou frio, a quase enxergar ou ouvir, tal a força da descrição, é muito prazeroso.

A palavra é o instrumento que nos diferencia: que nos faz humanos. Apenas nós temos esse privilégio. Podemos expressar, através dela, todos os nossos sentimentos, sejam quais forem eles. O nosso balbucio prepara-nos para a expressão maior: a articulação de palavras que comporão nosso arsenal no ato da comunicação interpessoal.

Mais tarde, se mantivermos um contato amiúde, o mais cedo possível, com a palavra escrita, sentiremos prazer no ato de ler. E quem sabe, alguns se tornem até escritores. Se essa vocação não se fizer presente, restará, sem dúvida, o amor pela leitura. E, com certeza, uma maior capacitação no ato da escrita.




Alice, só torna-se ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS a partir do momento em que ouve a irmã lendo um livro, adormece e sonha. O buraco profundo, onde cai, a leva a um local mágico onde tudo é possível acontecer. A história termina com o acordar de Alice, descobrindo ter sido tudo um sonho. Lá, nas profundezas da nossa mente, estão abrigados todos os nossos sonhos.

O PEQUENO PRÍNCIPE sabe que “num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo”. Utilizando-se dessa assertiva, acreditamos que aquela pessoa, que se acostumou a privar com os livros, terá neles um amigo constante que, muitas vezes, poderá substituir um amigo de carne e osso. Isso está bem claro no comportamento daquela jovem da década de 30, ávida de leituras, carente de tempo, de amigos, de futuro. Afinal, era preciso voar, mesmo que em sonhos: libertar-se.

Ainda lembrando a raposa, de O PEQUENO PRÍNCIPE, diz ela que “o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”. Sabemos que o início do desenvolvimento intelectual de uma criança é muito delicado. Ela captará pela palavra, pelas gravuras, pelos desenhos, a magia do texto, que é invisível, mas que lhe possibilitará ver com o coração.

Em GRANDE SERTÃO: VEREDAS, Riobaldo diz, a certa altura, “o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior.”

No fio condutor do tempo, com as leituras que se sucederem, teremos essa comprovação. E assim, conforme vamos nos definindo, e isso parece não ter fim, assim também vamos, através das leituras de livros, nos modificando a cada nova compreensão que obtemos, a cada releitura.

E nesse moto-contínuo, aprendemos a tarefa de “criar laços”. Com quem? Com os livros, pois neles está a nossa necessidade maior, que é abastecer nosso ser com o que de melhor nós, humanos, dispomos: nossa capacidade de criar. Criar novas realidades, recriar o que já existe, descobrir-se e redescobrir-se a cada nova leitura.

E essa tarefa, com certeza, começa desde cedo.

Preservemos o encantamento com a palavra, com os livros, com nossas humanas histórias.

Que esse encanto se renove a cada olhar deitado sobre as páginas de um livro: uma possibilidade renovada de um novo olhar sobre as coisas, sobre as gentes do mundo. Que ele nos auxilie na busca de nós mesmos e no encontro do conhecimento.


E a imagem da menininha, surgindo com um livro na mão, volta uma vez mais.

E eu, novamente, suspendo a cena no olhar e saúdo os livros e os eventos que os consagram.