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sábado, 12 de outubro de 2013

LEMBRANÇAS

Ainda ouço o leve estalar das folhas secas sobre o chão batido, quase um assoalho de tão liso. O verão escaldante servindo de fundo e as sensações pululando naquelas ondas de calor que subiam da terra. Este som é algo tão presente que ainda me transmite a sensação de absoluta unidade com aquele chão, com aquelas folhas a cair, com aquele momento, com aquele instante que ficou na saudade de dias em que o Universo estava todo ali. Era a alma infantil e aquele instante mágico. Ficava aguardando a próxima caída ao chão da folha ressequida: fim de uma vida para ela, desabrochar para mim de um tempo e espaço a descobrir. Em frente da casa, o pátio: um universo de descobertas, de sensações, onde o medo não disputava espaço com nada e com ninguém. Ele ainda não existia.
 
E o que era aquela pequena escada de oito degraus, disciplinadamente alcançada até o terceiro degrau, não mais, pois a mãe zelosa assim advertia? As fantasias iam além, mas o corpo pequenino ali estacava. Nem mais, nem menos. Aventurar-se, por instantes, em territórios desconhecidos, só em pensamento. O pescoço espichado, o olhar lançado, mas só até onde a vista alcançava: nem mais um milímetro. A imaginação, porém, compensava.
 
E o que dizer do balançar da cortina que dividia o quarto da sala? Ainda da cama, perceber pelo olhar o vulto rechonchudo de um bebê, fofinho, pés e mãos de massa, sentado em uma poltrona, presente de Papai Noel.
 
E o cheiro de terra molhada, prenunciando chuva próxima? Era a hora de carregar os brinquedos para um lugar seguro. Esse lugarzinho era embaixo da casa, onde minha mãe guardava o pote de manteiga no verão, para conservá-la mais fresquinha.
 
E o que dizer das hortênsias sob a janela do quarto e do banco de praça, ali postado, junto ao galpão, embaixo da parreira, bem perto do poço? Esse foi um dos objetos de minha infância. Sobre ele colocava filhos e filhas. Preparava o café da manhã, onde até o cheiro imaginário emoldurava o instante.
 
Um quintal cheio de sonhos, ainda adormecido para a realidade.
 
Uma infância atrelada à natureza, embora vivendo em uma cidade. E o que mais chamava minha atenção eram os sinais dela: os cheiros, os sons, as cores, a lua, o sol, as estrelas, a chuva, o vento e o navegar das nuvens.
 
Tempos depois, descobri com Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, na poesia DA MINHA ALDEIA, transcrita abaixo, esse olhar circunscrito a um pequeno lugar. E de lá, mesmo assim, capaz de perceber o quanto daqui “se pode ver no Universo”. E lembrei-me do meu Universo: o meu quintal.
 



 
Igualmente muito atenta, também, às conversas dos mais velhos e, especialmente, uma companheira de meu avô em suas investidas pela redondeza em conversas com os vizinhos.
 
Bons tempos aqueles! Serviram, com certeza, para moldar uma tendência de atenção com a natureza, com o entorno e, principalmente, com o outro. Uma criança que observava muito, que ouvia bastante e aprendia a se comunicar, tendo como espelho o próprio avô. E isso que era apenas uma vez ao ano, durante um mês, o contato com esse familiar.  A genética do avô materno, porém, já se vislumbrava de forma intensa.
 
Ah! Com ele também aprendi a gostar, desde tenra idade, de conhecidas óperas, interpretadas por cantores líricos italianos, conforme seleção constante da crônica CHAMA INTERIOR, publicada em 12/10/11, igualmente dedicada a ele. Destaco, por ora, novamente, a conhecida canção napolitana Santa Lucia, gravada por Beniamino Gigli, cantada por meu avô e que ainda soa em meus ouvidos.
 
Pena que nem todos os momentos, que se sucederam bem depois, foram tão cálidos ao coração e tão mágicos na sua essência. Aqueles primeiros, porém, com certeza, foram puros como a alma de uma criança e absolutamente reais para aquele ser, ainda anjo, perceber e inocentemente sorver, gota a gota, instante a instante.
 
O importante é que minha criança interior permaneceu, bem como o banco, ainda existente, na mesma residência, conforme foto abaixo. Apenas, agora, está em pleno jardim, soberano, único, parceiro e cúmplice dos sonhos que alimentaram essa então criança.
 
 


 
 
Hoje, estive lá para vê-lo, uma vez mais. E ele nem desconfia! Será?
 
Nesse dia 12 de outubro, portanto, dedico essa crônica a mim própria e ao meu modelo, até hoje presente em lembranças extremamente vívidas: meu avô Julio Noal.
 
 
E para que continuemos a desfrutar, ao longo da vida, de  momentos assim mágicos, embora o dia a dia seja, muitas vezes, bem menos leve e inspirador, sigamos o refrão da canção Par ou Ímpar, de kleiton e kledir, que diz:
 
“Não leve tudo isso tão a sério.
  
Enquanto o mundo gira, a gente brinca”.

E eu digo:
 
Não leve tudo isso tão a sério, porque, enquanto o mundo gira, a gente sonha. E essa também é uma forma de brincar.


 
 
 
 

Santa Lucia - Beniamino Gigli
 
 
 
Vídeo Kleiton e Kledir – Par ou Ímpar  
 
 
Da Minha Aldeia - Fernando Pessoa
 
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

BEM-VINDO, AGOSTO!

 




Para quem nasceu num cinco de agosto, há décadas atrás, este inverno até que não está de assustar. O que surpreende são as diferentes temperaturas que perpassam um único dia desse inverno atual. Havia uma continuidade, que atravessava os invernos de então, sem grandes oscilações. Hoje, vai-se de um extremo a outro, de um frio intenso a temperaturas mais próximas do verão, às vezes, num só dia. 

Tudo, ao que se percebe, anda, assim, como que aos solavancos. E nada quase mais nos surpreende. 

As amizades que, aparentemente são estáveis e definitivas, de repente, não mais o são. Desaparecem, somem com o passar dos anos, restando apenas a lembrança de um rosto que se vai transformando ao longo do tempo, acontecendo de, vez por outra, não se reconhecê-lo mais quando visto em qualquer esquina da cidade.

Tenho a sorte, acho, de manter algumas poucas, é claro, mas que valem ouro. Que se mantiveram ao longo dos anos e que, embora não presentes continuamente, fazem parte daquele rol diminuto que se deve guardar a sete chaves, conforme diz a letra de Milton Nascimento.

Exemplo desse seleto grupo é aquela que me presenteou com um almoço. E eu, quando do convite despretensioso, nem desconfiei dessa intenção.

Que grata surpresa foi para mim! 

Por isso, embora raramente o faça em crônicas, declino aqui o nome da amiga que me comoveu com o seu gesto. Seu nome: Lizete Maestri. Obrigada, amiga!

Agosto para mim é, portanto, um mês cálido. Embora o dia do nascimento tenha sido um dia gélido, ganhei, de imediato, o colo quente e terno de minha mãe. Esse, assim se manteve durante toda a permanência dela junto a mim.

Depois, um longo tempo após, Agosto trouxe o aconchego de uma lareira em companhia de alguém que comigo desfrutou momentos marcantes. Um dia, porém, deparei-me mateando sozinha, ao pé da mesma lareira. As circunstâncias o levaram para o alto. E nesse caminhar do tempo, um dia saiu uma poesia que diz assim:

 
 
TEU OLHAR
 

Quisera poder senti-lo novamente:

A leveza das mãos, o olhar malicioso.

É o que vem à mente

Quando lembro de ti, meu ser amoroso.


Quisera desdobrar o tempo

E voltar de mansinho àquele momento

Da sedução e do beijo roubado,

Conquistado, em meneios orquestrados.


Dei-te amor no momento certo.

Dele guardaste sensações tão fortes, 
 
Que nunca mais esqueceste tal instante.

E eu, pra sempre, ganhei teu olhar amante.


Que pena! Talvez, tu possas ainda espiar-me daí.

Porque eu, daqui, procuro, em cada estrela,

De novo, uma vez mais, teu brejeiro olhar.



Para minha alegria, sobraram duas flores: uma filha, que amo sobremaneira, e uma neta, também amada, que é o futuro incerto, porém promissor.  Mereceram, ambas, as poesias que seguem:



À ESTRELA MAIOR


És minha obra-prima,

Produção rara de encontrar.

Tens todos os dotes que acaso possas almejar.

E eu, todas as rimas para te encantar.


Vez por outra te sinto mais próxima.

Rejubilo-me com o teu falar.

És mote para o meu cantar.

És vida para meu reiniciar.


Tens esperança no brilho do olhar.

És jovem e justa no agir.

Não te atemoriza o renovado partir,

Nem te assusta o necessário continuar.


És para mim o recomeço,
 
O endireitar do avesso,

O devir que a mim encanta,

A esperança que me abranda.


Teus saberes: com eles quero contar.

Teus valores: deles compartilhar.

Teu futuro: dele participar.

Tua vida: acompanhar.


Se te fui surpreendente no versejar por primeiro,

Quero a emoção expressar por derradeiro.

Amo-te com constância e desvelo.

Vejo-te em mim o tempo inteiro.


E assim, qual estrela a brilhar,

Almejo que comeces a partilhar

Tua luz, teu sentir, teu vibrar,

Com todos aqueles que te sonham conquistar.


 
DA JANELA, O MAR.


Olhinhos brilhando, anjinho parece.

Pela mão pega a vó, vem, vem, vem.

Em frente à janela, o que é que tem?

Dedinho aponta o mar que lá vê.


Eu vejo o mar da janela, vó!
 
Parece absurdo? Que nada!

É a pura verdade, que nó!

Ficamos a apreciar o mar que nada.


Entre prédios, no horizonte, o mar se movimenta.

Entre nuvens se redesenha a todo o instante.

Plúmbea nuvem uma ponte inventa.

O mar e a terra, em fugaz instante.


Nuvens se alternam: escuras e claras.

Ondas que mudam de lugar, terra que vai e vem.

Mar de nossas lembranças,
 
Que há pouco tivemos a nossos pés.

Férias que já foram.

Que saudade vem!


Como é belo criar, mente sempre errante.

Que fase da vida é possível assim viver?

Todas, quando se sabe a chama manter,

Vestida de indelével fantasia, pura emoção, imaginação...


Qual arco-íris no céu, em dia de sol e chuva,

É como uma tiara a enfeitar o céu dos passarinhos.

Tudo que é, pode não ser, depende dos olhinhos,

De olhares sonhadores, quais amores em noite de lua.


O segredo é simples, como simples são as crianças.

Basta manter sempre um olhar luminoso.

Perseverar no caminho das estrelas.

E nossa criança interior, brilhando, nunca se apagar.


E desse modo, eu e Nicole a tudo assistimos.

Com um olhar sempre novo, o do recriar.

A cada evento, metamorfoseamos o que vemos.

Vivemos, assim, sempre, a nos maravilhar.



Pois, assim, Agosto chegou uma vez mais: renovado e fraterno nas amizades; filial e profundamente amoroso com os muito próximos.

BEM-VINDO, AGOSTO!




Brightman & Carreras – Amigos para Siempre – Friends Forever
 
 
 
Canção do Amigo – Rui Biriva








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"Muitos ciclos já se passaram; alguns vivemos juntas. Mas tuas perspicácia, sensibilidade e delicadeza permanecem. Basta ler tuas poesias. "


Lizete Maestri