sexta-feira, 2 de novembro de 2012












AOS QUE JÁ SE FORAM


Na esquina encontraram-se. Uma esperava para atravessar, a outra também, só que no sentido contrário. Saia e blusa pretas e um olhar triste trazia uma. O sol que brilhava parecia relevar mais ainda a escuridão da figura. Joana permaneceu na calçada, esperando pela vizinha que se deslocava até ela. Trazia aquela no semblante a tristeza que já perdurava há dois meses.

Chegou e parou. Contou detalhes. Falou aquilo que disseram os irmãos na derradeira hora. Um acerto de contas de quem fica. Sem a contrapartida. Disse do seu descontentamento com tais falas. Ela, porém, não dissera nada. Ele também assim faria. E isso doía mais ainda. Não precisavam ter dito o que disseram, não havia necessidade. Principalmente, porque não havia mais possibilidade de resposta. Há coisas que se diz enquanto ainda existe sentido em dizê-las. Com a voz embargada, surpreendeu-se com Joana, olhos marejados de lágrimas, que tentava explicar a ela a catarse a que os irmãos haviam se submetido, oferecendo as falas, desnecessariamente, aos circunstantes.

E as duas, na esquina, alheias aos passantes, estiveram a ponto de romper em um choro convulsivo. Uma, pelo pai que se fora. A outra, pelas lembranças dos seus, que também já tinham se ido.

Contiveram-se, porém. Mantendo a conversa, racionalizaram a emoção do momento até que ela se dissipasse. E ela foi, aos poucos, sumindo.

O que faz a morte conosco!

Surpreende a quem a assiste, principalmente quando não é esperada. O que não era exatamente o caso. O seu pai iria completar 101 anos dali a dois meses. Mais de cem anos de vida, parece muito tempo. Para a vizinha, porém, não foi. Havia muito ainda a falar, a dizer, a conversar, a se identificar. Ela que era a mais parecida com ele. Acredita, por isso, que, ao contrário dos irmãos, dissera ao pai, quando vivo, tudo o que quisera e que achara importante à época. Essa também era uma marca conhecida do pai: dizer direto ao interlocutor o que pensava a respeito de tal ou qual coisa.

Pois Joana, a vizinha que aguardara na calçada, aquela que se emocionara, chegando às lágrimas, crê que temos e teremos sempre dificuldade enorme em recebermos essa visita indesejada. Esse apagar abrupto, ou mesmo lento, da centelha que arde no peito de quem amamos, coloca-nos frente a frente com a nossa própria derradeira hora.

Os minutos passaram-se. A vizinha, ao final, conta ainda de seu temor em defrontar-se com pessoas falecidas. E isso ocorre mais à noite. Essa observação faz com que Joana, muito brincalhona por natureza, faça gestos de quem surge por detrás da cortina da sala, ou no vão da porta do quarto, brincando com o assunto. Tudo para descontrair.

A buzina insistente de um carro desperta a atenção das duas para o trânsito, que é intenso àquela hora.

Despedem-se, cada uma, tomando o rumo inverso. Uma que volta para casa, outra que segue para novo compromisso.

Pois, naquela esquina da vida, duas vizinhas aproximaram-se um pouco mais daquilo que nos faz, a todos, absolutamente iguais: o sentido de finitude. Seremos mesmo finitos? Há quem creia que não. Por enquanto, o que sabemos é que fizemos parte dessa teia chamada Vida.

Sabem de uma coisa? O melhor mesmo é deixar pra lá.

O sol ofusca o olhar de Joana. Com cuidado, atravessa a rua e vai lembrando-se dos seus queridos que já se foram. Teria ela, própria, dito tudo o que gostaria se tivesse tido oportunidade? Tivera ela oportunidade? Ou nunca ousara tal enfrentamento?

O tempo, que é sábio, sussurra-lhe que isso não mais importa.

Nesse Dia de Finados, nossa homenagem à lembrança de todos os que já partiram.





E para lidar com esse assunto, de uma forma mais campeira, nada melhor do que assistir ao vídeo do pajador Leonel Gomez cantando a música Campo Santo, de sua autoria em parceria com Rogério Ávila.

Aliás, para finalizar, como diz a letra, a mim, também, me gusta cruzar de largo...

Assistam e vejam se concordam com o pajador.





 

 
 
 
 

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Comentário recebido via e-mail:




Sonia.
          Primeiro quero agradecer a homenagem  ao meu pai. Quanto a crônica ao lê-la me emocionei muito já que tudo estava real.Tenho certeza que, quem a leu viajou no tempo e na realidade do fato em si.Está tudo exatamente como aconteceu,até a emoção das duas vizinhas que se encontraram na esquina e da tristeza da outra enlutada. Acho que somente uma escritora sensível como tu poderia relatar esta história com o verdadeiro sentimento de solidariedade.Obrigada e continue...








segunda-feira, 15 de outubro de 2012

 








A TOCHA


Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela que um dia, enfim, descolorirá.
(trecho de Aquarela - Toquinho)

 
As imagens que a letra revela são belíssimas. A música Aquarela, eternizada na voz de Toquinho, é pura poesia, do início ao fim. Esse verbo descolorir, que teima em repetir-se, no final da canção, é o mote para uma reflexão mais aprofundada ao ensejo de duas comemorações importantes: O Dia da Criança e o Dia do Professor. Ambas tão próximas nas datas e tão interligadas pelos sujeitos nelas homenageados. Não se pode dissociar a criança/aluno da figura do professor.

A partir da letra, extraímos o verbo descolorir que é privar-se de cor. No sentido figurado, é perder o brilho, o esplendor, o colorido, o afear-se, desvigorar-se, ficar sem expressividade.

O letrista lança a ideia de que todos nós, num determinado instante, que não se sabe nem quando, nem onde, descoloriremos, perderemos o brilho, para, finalmente, fenecermos.

Será que nós todos perderemos o brilho no olhar, o jeito criança de olhar o mundo, a flama (paixão, entusiasmo), que nos permite vencer obstáculos e pilotar a tal astronave, referida na letra, com mestria? Ou será que muitos já serão descoloridos ao nascer? Isso seria possível? E outros se tornariam desbotados a partir da maioridade? Com essa indagação, façamos uma reflexão sobre a expressão “descolorirá”, tão repetida na canção.

É, em parte, verdade que vamos, ao longo dos anos, nos defrontando com momentos iluminados e outros não tanto. Transpomos o muro da infância com relativa suavidade. O da adolescência, já não sem alguma turbulência. E o da vida adulta, com certeza, com alguns pousos forçados, com algumas decolagens abortadas, avanços e recuos estratégicos. Mas isso será o bastante para descolorir, aos poucos, esse caminhar? Será que essa passarela, esse caminho, algum dia, ou, no último dia, descolorirá?

Para aquele que tem como vocação a arte de ensinar, que se acostumou a ver o brilho nos olhos de quem o observa, a simbiose do olho no olho permanecerá para todo o sempre. Quem consegue perceber esse brilho e devolvê-lo com mais intensidade, é porque já o possuía como uma dádiva. Foi apenas uma questão de lapidação. Na verdade, aluno e professor são coisas indissociáveis. Para aqueles mestres que permaneceram na retina de seus pupilos, a eles jamais caberá qualquer tipo de descoloração. Sua luz será perene.

A sensibilidade de ambos alimentar-se-á desde a pré-escola, quando ainda o desenho de um sol amarelo, com dois olhos sorrindo, iluminará e aquecerá essa combinação mágica. Ou ainda, bem depois, quando com seis retas poderão formar um hexágono e não mais um castelo. E, talvez, dependendo do fôlego e da vontade de estudar, quem sabe, com um simples compasso circule, não apenas o mundo sobre uma folha de papel, conforme diz a letra, mas elabore o esboço de uma construção na prancheta. Tudo bem redondo, tudo bem aconchegante. Tudo bem concreto, tudo bem real.

Portanto, quando há alunos motivados e professores com vocação para esse mister, o descolorir jamais se instalará. Ao mestre cabe esse papel, aquele que pilota o futuro, com as cores de uma aquarela, trilhando o caminho, qual peregrino, mesmo não sabendo aonde vai dar. É claro que, às vezes, esse futuro, sem pedir licença, muda nossa vida. Mas nós estaremos prontos a rir ou chorar, porque capazes de viver o bom e o mau momento, com igual intensidade. Temos, ou pelo menos deveríamos ter, reservas psicológicas para tanto.

Somos todos, professores ou não, seres de coloração intensa, ou deveríamos procurar ser. A cada um de nós cabe legar um eterno olhar colorido à vida. Se assim acontecer, não romperemos esse diferencial no encadeamento dos vários ciclos da nossa existência. Um olhar de criança, um olhar pleno de curiosidade, um olhar iluminado: é o que precisamos cultivar. E isso deve valer para todos.

Aos professores, em especial, porque cabe a eles o papel de iluminar o caminho desses jovens, fazendo-os enxergar e vibrar com possibilidades novas de transformação do mundo que os cerca. Isso se faz com muita criatividade, com uma dinâmica diferenciada em sala de aula, elementos que, quando existentes, favorecem uma interação de qualidade entre aluno e professor. Daí nascendo a admiração pelo mestre e a vontade de ouvi-lo novamente, de vê-lo mais uma vez, estando garantida, assim, a presença e a atenção desse aluno em sala de aula.

Essa retroalimentação entre aluno e professor permite a manutenção do brilho interior, a “chama”, que mantém aceso o pulsar pela vida, não permitindo que se instale o descolorir-se, nem no último segundo.

Os alunos de hoje poderão ser futuros professores, ou não. Agora, o professor, que ama o que faz, será para sempre professor. Seu papel principal é carregar a tocha e fazê-la arder até o último instante. E como um menino que caminha, “chega no muro” e vê o futuro, ultrapasse ela (a tocha) os tempos e, mesmo depois da morte de seu condutor, permaneça acesa para os que se dispuserem a fazer o revezamento.

Daí, nada, nunca, descolorirá.


FELIZ DIA DA CRIANÇA!
FELIZ DIA DO PROFESSOR!


Agora, quanto à letra da música Aquarela ressalte-se que suas imagens nos levam a viajar. Traçam, por sobre a Terra, a vida dos que a habitam, num movimento contínuo e inexorável de nascimento, vida e morte, enfocando o imponderável, a finitude dessa vida, essa estrada que “ninguém sabe bem ao certo onde vai dar”, essa “passarela” vestida de todos os matizes que, lentamente, ou abruptamente, “descolorirá”.

São imagens que, com certeza, nasceram de cabeças privilegiadas na arte de poetar.


 
OBS: As palavras sublinhadas foram extraídas da letra da música Aquarela, tal como se encontram escritas originalmente.



Aquarela – Toquinho



Jornal Zero Hora, 16 de outubro de 2012




domingo, 7 de outubro de 2012


CHEGA DE MAQUIAGEM!

A gôndola está repleta delas. São bem vermelhas, dá vontade de comê-las. Experimenta, então, fazer isso. Dá uma dentada! O cheiro de veneno que exala, meus caros, desestimula qualquer um de comer tais maçãs.

Com certeza, estão mais para a maçã da bruxa malvada, aquela da Branca de Neve, do que outra coisa. Pois a linda menina, quando presenteada com aquela maçã tão vermelhinha, entregue pela madrasta, disfarçada de camponesa, não resistiu. E comeu a maçã envenenada. Na realidade, comeu uma parte da maçã e, não resistindo, caiu no chão, aparentemente morta. Na verdade, ela não tinha morrido, porque não havia engolido o pedaço envenenado. Estava esse trancado na garganta. E o tão conhecido conto dos irmãos Grimm, Jakob e Wilhelm, deu uma guinada quando, já colocada no esquife, os servos, que a levavam nos ombros, tropeçaram numa raiz e com a sacudidela o pedaço de maçã envenenada saltou de sua garganta. E ela renasceu nos braços do príncipe que por ela se apaixonara.

E olha que a madrasta malvada, uma verdadeira bruxa, preparara aquela maçã de tal maneira, com tal esmero, tornando-a tão vermelha e apetitosa, que dera água na boca da Branca de Neve. Só que a bela fruta fora envenenada previamente.

Pois, as nossas maçãs são igualmente preparadas, maquiadas para encherem nossos olhos com sua beleza e seu frescor. Quanto ao gosto e ao cheiro, pensando bem, isso são detalhes. Não vamos, com certeza, cair fulminados. Só o tempo de consumo poderá revelar o malefício que possam causar. Mas e daí? Quem se importa com a saúde do outro?

E isso é uma constatação que vale para quase todas as frutas. E estamos aqui a falar apenas das frutas. Cada uma mais linda do que a outra. E vêm dos mais distantes lugares do Planeta até a nossa mesa. E as que são cultivadas por aqui também apresentam as mesmas características comprometedoras. São todas maquiadas, sofrendo um processo que as deixam lindas. Um autêntico banho de maquiagem para que todas pareçam belas e todos nós sejamos enganados com tal formosura.

Dessa maneira, podemos consumi-las ao longo de todo o ano. A sazonalidade é coisa do passado. Para tanto, o uso de agrotóxicos, em vários países do mundo, é totalmente liberado, não havendo qualquer restrição. Por aqui, essa restrição a algumas espécies de agrotóxicos parece que ainda persiste. E isso é um verdadeiro incômodo para quem não está nem aí para a saúde da coletividade.

Vez por outra, afloram ideias de que se deva fazer uso dos tais agrotóxicos, por aqui proibidos. Haja vista o Projeto de Lei, engavetado por ora, que flexibilizava o uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul. Tudo sob o argumento de que a legislação do nosso Estado, mais rígida, torna os agricultores gaúchos menos competitivos em relação aos demais agricultores de outros Estados da Federação. O Projeto de Lei nº 78/2012, de autoria do Deputado Estadual Ronaldo Santini, previa a alteração da Lei Estadual nº 7747/82 que proíbe o uso, em território gaúcho, de agrotóxicos que já são proibidos em seu país de origem. Graças à atuação do Ministério Público Estadual, de entidades ambientalistas e de movimentos sociais, não prosperou a tramitação desse projeto de lei. Tramita, porém, na Assembleia Legislativa outro projeto de lei, o PL nº 20/2012, que trata sobre o mesmo tema dos Agrotóxicos.

A sociedade gaúcha, porém, parece estar acordando para um problema tão sério como esse. Na verdade, já bastam aqueles permitidos pela legislação estadual. E já são esses que estão a transformar maçãs apetitosas em verdadeiras maçãs da bruxa. Querer mais do que já se usa por aqui, é correr o risco de ser envenenado na primeira dentada e não, pelo menos, ao longo de trinta, quarenta anos. O que já faz alguma diferença!

Mas é isso que queremos para nós e para os nossos filhos e netos?

O que deveria prosperar seria a ideia de que se podem ter plantações sadias manejando o solo adequadamente, usando-se adubos orgânicos, restringindo-se o desmatamento, para que os predadores naturais façam parte do serviço necessário no combate às pragas. Por conseguinte, respeitando-se a cadeia alimentar de animais e plantas. Outro aspecto a considerar é o controle biológico no combate às doenças em plantas, o que é algo incipiente ainda no país. Há notícias, porém, de que esse será, modernamente, o principal mecanismo a se instalar, tornando-se uma alternativa saudável no enfrentamento dessa questão. E isso, sim, nada tem a ver com agrotóxicos.

A sociedade do nosso Estado, portanto, deve estar atenta quanto ao uso de agrotóxicos em nossas lavouras o que, comprovadamente, traz malefícios à saúde de agricultores e consumidores. Segundo informações do criador e organizador do site Feira da Cultura Ecológica, Senhor Anselmo, em Porto Alegre encontra-se a mais antiga feira do Brasil, em pleno funcionamento desde a sua criação, que somente vende produtos orgânicos. Seu início data de 1989 e funciona, aos sábados, na Rua José Bonifácio, Bairro Fim. Posteriormente, em 1993, instalou-se, no antigo Parque de Exposições do Menino Deus, a denominada Feira da Cultura Ecológica que atende aos sábados e às quartas-feiras. Existe outra no Bairro Tristeza que, também, oferece produtos orgânicos. Cabe à população buscar os demais locais onde existam tais feiras na nossa cidade.

E o que se percebe é que tais feiras são visitadas por um número cada vez maior de consumidores. E não poderia ser diferente. A tendência é que aumentem, pois a comprometida qualidade de frutas, verduras e grãos, presentes no mercado atual, com altíssimo teor de agrotóxicos, produtos, portanto, inadequados para o consumo humano, é cada vez mais flagrante. Frutas com aspecto saudável, mas sem gosto (e, quando o tem, é de veneno), sem o aroma característico. Quando cortadas, sobressai o cheiro de veneno e, às vezes, o próprio gosto está dele impregnado.

Saudemos, portanto, as iniciativas que visam difundir uma agricultura sustentável e o mais possível isenta de venenos. Que proliferem tais feiras e que se fiscalizem aqueles que, porventura, venham a infringir as regras de uma agricultura saudável.

Parabéns aos agricultores que labutam nessa esteira, bem como aos sites que divulgam tais produtores e o local de comercialização de seus produtos.

Às bruxas espalhadas e ao seu arsenal de maldades (leia-se venenos), reiteramos o nosso repúdio.

Oh, Deus! Livre-nos de tanta maldade!




Agora, quanto à eleição que transcorre hoje, tomara que consigamos não nos iludir com a maquiagem que apresenta um simpático sorriso, um aperto de mão, um abraço para a foto do jornal, ou um colo para uma criança ranhenta, que sobrevive nos brejos da vila.

Oh, Deus! Livre-nos de tanta falsidade!

Quer dizer, de tanta maquiagem!
  





OBS: NÃO DEIXEM DE ASSISTIR AOS DOIS VÍDEOS QUE ABREM A SELEÇÃO DO MATERIAL ACERCA DO ASSUNTO. SEUS CONTEÚDOS SÃO DE EXTREMA IMPORTÂNCIA PARA O ENTENDIMENTO DAS QUESTÕES RELATIVAS AOS ALIMENTOS QUE ESTAMOS CONSUMINDO.







O veneno está na mesa (completo)






El mundo según Monsanto



Coluna do Leitor (p.2) – depoimento – Zero Hora de 06/10/12
 
Coluna do Leitor (p.2) – depoimento – Zero Hora de 20/10/12



INFORMAÇÕES SOBRE LOCAIS DE COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS ORGÂNICOS


João Chagas Leite – Cria Enjeitada