sábado, 2 de novembro de 2013

UM DIA É POUCO













No poema AUSÊNCIA, que segue, Carlos Drummond de Andrade constata, finalmente, que “uma ausência assimilada” não é mais de nós tirada, “ninguém mais a rouba”, como ele diz.
 

 
Se assim é, ela torna-se presença constante. E não é o que acontece quando citamos frases, lembramo-nos de situações ou repetimos gestos de pessoas queridas que já se foram? E, às vezes, nem tão queridas assim?
Tudo o que passou e não deixou marcas, boas ou ruins, não fazem parte desse universo de recordações que nos acompanha por toda a vida.
De certa maneira, vamos sendo construídos, ao longo da existência, com a nossa presença viva, a dos que nos cercam e a daqueles que já se foram. Esses últimos constituindo uma presença constante pela ausência assimilada, que fica registrada em nós.
Portanto, Drummond dá-nos certo alívio porque conseguimos, assimilando a ausência, nos sentirmos permanentemente junto ao ausente. Essa sensação nos traz um convívio constante. Se tal recordação for negativa, teremos que trabalhá-la para que a transformemos em algo passível de perdão. Se, ao contrário, for positiva, resta desfrutar das gratas lembranças.
Assim, um dia apenas é pouco para lembrar-se dos que já se foram. Somente um dia para pranteá-los, como por aqui se faz? Ou dois, como no México, para comemorar com guloseimas, festas, máscaras, quase um carnaval de tanta alegria?
Na verdade, essa lembrança é constante. Como também o é a ideia da morte.
Mario Quintana, no poema PROJETO DE PREFÁCIO, atribui ao poeta uma missão. Vejam, abaixo, qual seria ela.
 


 
Mais adiante, Mario Quintana escreve MINHA MORTE NASCEU para o amigo Moysés Vellinho, quando se encontrava esse às portas da morte. Vejam:
 

 
Essa forma leve, terna, suave de dizer as coisas é que o fez um poeta maior: um poeta que sentia ao olhar. Grande observador da vida e dos seus convivas, certo dia, escreveu:
 

E, ainda:
 

 
Pensamentos leves, viagens transcendentais como essas visões do poema VIVER, dão-nos a certeza de que não podemos reverenciar ou festejar, como no México, apenas por um dia, alijando os nossos antepassados pelos outros 364 dias. Não!
Vamos trazê-los para o convívio diário. E não apenas nesse dia 2 de novembro.
Por que não? Afinal, quem nos garante que não caminhamos juntos?
Siga a letra de Noel Rosa no famoso samba FITA AMARELA, e não a deixe perder a cor.
Vamos trazê-los para a roda de samba, porque o bom é sambar.
E o choro?
Só o da flauta, do violão e do cavaquinho, como diz a letra do tal samba.
 
 
 
Orquestra Imperial – Fita Amarela
 
 
 
 
 

sábado, 26 de outubro de 2013

NADA SERÁ COMO ANTES




Quem diria! Os cabelos e a roupa completamente sujos de ovos e farinha. Isso é uma comemoração de aniversário em uma escola da Capital. Um ritual de passagem, quase tribal. Coitado do aniversariante!
Vestia-se aquilo que se tinha de melhor na data do aniversário. Esse detalhe não tem a menor importância hoje. Isso foi assim em outro século.
Ser um vencedor, não apenas sentir-se um, também é coisa do passado.
Hoje, basta sentar-se em frente a uma tela. Com os olhos brilhando de ansiedade, jogar-se na cadeira e comandar com as mãos, freneticamente, o avançar de posições, o ultrapassar o concorrente, evitando a derrapagem, para, finalmente, atingir, em primeiro lugar, o marco de chegada. Quem sabe, em segundo. Ou, talvez, em terceiro, mesmo. É a falácia de que eu venci, portanto sou um vencedor.
O máximo que isso, talvez, propicie seja uma maior habilidade para dirigir, o que, em última análise, contribui para a desova dos milhares de automóveis que superlotam o pátio das montadoras. E apenas isso.
Quantos adolescentes, hoje, têm o hábito da leitura? E será que compreendem o que leem?
Quantos são capazes de elaborar um texto com introdução, desenvolvimento, argumentação e conclusão, atendo-se ao tema proposto?
E os bons programas de televisão, e eles existem, serão assistidos por eles?
E os filmes? Serão apenas os violentos aqueles que os motivam?
Cinema/Arte? Isso também é coisa do século passado.
E seus ouvidos conseguirão ainda captar algum som abaixo de 100 decibéis? Se conseguirem, avisa-se que, as coisas seguindo esse rumo, daqui a alguns anos não mais terão essa capacidade.
É claro que nada será como antes.
Mas precisava ser tão ruim?
 
Será que o abraço virtual, mandado via facebook, substitui aquele outro verdadeiro, real, que aconchega o aniversariante, parabenizando-o? Será que o abraço tornou-se virtual? Será que tudo é virtual hoje?
 
Claro que a tecnologia veio para auxiliar, para disponibilizar um mundo de possibilidades nunca dantes imaginado.
Aninha, por exemplo, esteve assistindo ao Campeonato Master de Atletismo e lá encontrou uma senhora mexicana, de 67 anos, muito simpática, de nome Maria de Jesus Lopez. Iniciaram, a propósito da cuia de chimarrão que Ana portava, uma conversa bastante agradável que, com certeza, terá desdobramentos, pois trocaram os e.mails pessoais. Isso é maravilhoso! Despediram-se, ao final do encontro, num contato bem conhecido por ambas: o contato humano do abraço. Ambas são de outra geração, é claro.
Mas estamos em 2013. E o abraço virtual, ao que parece, tem substituído o único e verdadeiro: aquele que aproxima corações, literalmente falando.
Como se explica um pai ou uma mãe mandarem, via facebook, morando na mesma cidade, um abraço virtual a um filho aniversariante?
São os tempos atuais a transformar o nosso dia a dia em algo extremamente solitário, embora haja multidões conectadas entre si.
O ser humano, porém, é bem mais do que isso: uma massa de manobra, virtual, disponível.
Ao que se saiba não há ainda uma geração virtual em que bata um coração. Tampouco artérias e veias em que circule o sangue, herança de nossos antepassados, herança Dele.
A letra da música COMO UMA ONDA expressa a realidade com correção. Nada é exatamente igual no instante seguinte ao de sua origem. No que concerne ao ser humano, embora modificado pelo tempo, mantém ele as características da espécie humana que são ainda a dependência no início e fim da existência, as necessidades de amor, carinho, proteção, bons exemplos que vão desaguar num indivíduo ético, idôneo e responsável. O coletivo dos dias atuais deveria superar as hordas dos primórdios.
Em que direção estamos indo?
Aninha ainda tem esperança. Aquela tão bem expressa na poesia de Mario Quintana, que segue.
 

 
 
Ou naquela outra esperança, descrita em poesia por Carlos Drummond de Andrade, chamada CORTAR O TEMPO, abaixo transcrita.
 


Aninha, com certeza, ainda prefere o abraço forte, coração com coração, para desejar um Feliz Aniversário aos seus e aos outros, também. Por que não?
 
 
 
 
Como Uma Onda no Mar - Lulu Santos
 
 
Cortar o Tempo – Carlos Drummond de Andrade – na voz de Gabriel Chalita
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 19 de outubro de 2013

ATÉ QUE ENFIM...


Pois o Juvêncio não aguenta mais tanta notícia ruim.
Uma tal de radioatividade, dizem, é a maior ameaça. E parece que as porteiras, lá do outro lado do mundo, vão ser mesmo abertas para que aquela água, toda contaminada, entre mar adentro.
E daí? Coitados dos jundiás! Vão todos morrer e quem consumir algum sobrevivente, mais dia, menos dia, morre também, envenenado. Mas que coisa!
E aquela chuva, guasqueada, que sentiu no rosto dias atrás... Tinha um cheiro estranho no ar! Será que já era aquela que andam chamando de chuva ácida?
O vivente já não tem mais sossego!
Dizem até que o Sol já não é mais o mesmo. Anda dormindo mais do que o normal.
E, aqui por baixo, a coisa não anda melhor, não!
Dias atrás, o vivente foi buscar um pãozinho no boteco da esquina, porque a patroa anda cansada de penar em frente ao forno de pedra lá do quintal, e na saída encontrou um sujeito com vários cassetinhos num pacote. Tinha ido também buscar uns pãezitos. Um tempo depois, soube que aquele sujeito, que encontrara, era um morador da cadeia do lugar. Imagina só! O vagal tinha ido comprar pão. Pode?
E, lá pela cidade grande, ficou sabendo que andam assaltando os mercados, os mercadinhos e os mercadões. Parece que, qualquer dia, vão começar os treinamentos para preparar o pessoal, que frequenta esses lugares, para saber como lidar com essa situação em caso de necessidade. Ao que parece, aconselha-se todos a jogarem-se no chão. Os menorzinhos, em tamanho e em grossura, vão acolherar-se embaixo das bancas de frutas. Pode?
Ah! Nas casas, observou, a última vez que esteve por lá, uns alambrados em cima dos muros. Nunca viu coisa igual! E dizem que essa invencionice não adianta de nada. Os intrusos estão jogando uns pelegos sobre os ditos e lá se vão pátio adentro.
Pois, ultimamente, tem procurado não ir mais à Capital. A coitada anda mais esburacada que poncho de calavera. Na verdade, tudo está andando mais devagar que tropa de lesma. E a cada notícia de nova obra, Juvêncio vê tudo mais encordoado que teta de porca.
Por exemplo, aquela coisa pendurada sobre um trilho que ainda não caiu de lá. Faz mais de 40 anos! Juvêncio acha que é porque nunca saiu do lugar.
Ele chegou à conclusão que tudo, nessa cidade, anda mais demorado que enterro de rico.
Agora, a neta de Juvêncio, que mora na tal cidade, pediu ao avô que viesse visitar a exposição em que sua escola participou. Juvêncio, todo feliz com o convite, por lá esteve alguns dias.
Acompanhado da neta, visitou a tal exposição. E gostou do que viu!
Seus olhos, destreinados para a arte de um modo geral, ficaram meio atarantados com tantas cores e traços da artista plástica Carol W. Mas achou bonito!
Por outro lado, aquilo que a neta escreveu e que serviu de tema para uma daquelas pinturas, emocionou o velho bagual. A frase era:
“Chuva é uma gota que cai do céu”.
Coisa linda, barbaridade!

De fato achou a exposição, embora num lugar chamado Urban Arts POA, prá lá de especial!
E já que se falava em arte e poesia na casa da neta durante aqueles dias, ficou sabendo do centenário de nascimento de um dito Vinicius de Moraes, de alcunha Poetinha.
Pois Juvêncio acha que o Poetinha era mesmo um Poetaço. Ficou convencido, quando soube que o tal era chegado num trago e em mulher. E que, ainda por cima, escrevia bem, barbaridade!
Lembrou-se, então, de Berenice Azambuja e Gildo Campos, autores da música É DISSO QUE O VELHO GOSTA, cuja figura inspiradora não dispensava, conforme diz a letra, de um churrasco, um bom chimarrão, um fandango, de um trago e de mulher.
Pois o Poetinha tinha bom gosto! Não tinha?
Pretende ler algumas poesias desse cidadão, para ficar mais à altura da neta que parece já saber muito sobre o poeta. Ela já está selecionando alguma coisa. Vai mandar pelo Correio.
Mas quem diria!
Até que enfim, uma notícia boa em primeira mão.
É a subida aos céus do 1º satélite gaúcho, mais conhecido por MMM-1. Juvêncio já decifrou as letras que escondem as palavras: MAIOR, MELHOR, MATADOR. Ele, o nº 1: o nosso Satelitchê.
Juvêncio não sabe bem ainda para o que serve, mas estão dizendo que é coisa de Primeiro Mundo.
Os gaúchos, dessa vez, vão pegar uns tais de hackers pelo laço. Vão ficar todos por aqui: dando dezessete na terra lavrada.
Diante disso, resolveu voltar correndo para a Campanha de onde, com certeza, poderá ver melhor a tal geringonça no descampado, sob a luz do luar, nos braços de Eunice, a patroa. Porque ninguém é de ferro e já anda com saudades...
É Disso que o Velho Gosta – Berenice Azambuja
Samba do Poeta – Vai Levando – A Felicidade - Vinicius, Tom Jobim, Toquinho, Miucha